segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Dias de Saturno

A oração ao tempo de Caetano, em toda sua baiana malemolência, despe o melancólico deus de suas sombrias vestes. É um bom contraponto para o tom de tudo o que aqui se lê e observa.
A influência de Saturno está impregnada em tudo o que já fui, sou e ainda serei - em suas nuances mais obscuras, no mais das vezes.
Me pergunto sobre seus efeitos há muito, muito tempo. Poderia escavar um rosário de memórias - não sem alguma dificuldade, certamente. Me atenho a dois momentos significativos.
A (talvez não tão) famigerada música que deu título a este espaço virtual, em que persisto por eu mesma  nunca ter essencialmente mudado, ou sentido a necessidade dessa mudança de tom: talvez aos 16 ou 17, ponto nevrálgico da minha dor saturnina.
O encontro, aos 24 ou 25, com o romance de Osman Lins e seu melancólico encadeamento de ausências: inscrevi em meu próprio corpo a pungente percepção de que ele passa, como tudo há de passar ("O corpo é uma história: a do seu próprio curso.").
Durante o mestrado, não foram poucos os questionamentos mais existenciais do que literários que lancei para Gilvan, meu velho orientador, ele próprio um mensageiro de Saturno, a meu ver. Queria entender, principalmente, o que mudava e o que permanecia com a passagem do tempo: talvez vencido pela insistência, me deu uma resposta direta para algo que custou a ele muitos anos, páginas e experiências.
As respostas diretas praticamente nunca vinham. No constante desdobrar de contrapontos, meu velho me ensinou a pensar: para honrá-lo, não posso chamar essa habilidade de virtude. Ele me olharia com desdém.

Aos 30, com o retorno de Saturno, meu aniversário do deus do Tempo, o que antes era uma angústia, agora é percepção nítida, lúcida. Uma dor sublimada continua sendo dor. Aprender a ler o mundo é aprender a ver em cada pessoa, em cada rua, em cada nome, seu percurso: o que muda e o que permanece.

Mas tudo, tudo há de passar...


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