domingo, 21 de setembro de 2008

Ode a F. Pessoa;

Ele passeava calmo pela superfície das nuvens.
"Não sou nada, nunca serei nada..."
Como se estivesse de mãos dadas a F. Pessoa, ele caminhava pelo campo branco e macio.
Sabendo sobre os recônditos inexplorados da alma humana...
Como se toda a sabedoria do poeta lhe soprasse os mais divinos e proibidos segredos.
"Eu não sou nada, nunca serei nada..."
E mesmo assim, sentia que era bem maior do que tudo o que julgava ser "tudo".
"O poeta é um fingidor..."
Ele queria ter alma de poeta!
Para saber fingir, para fazer fugir de si a dor...
"Navegar é preciso, viver não é preciso..."
Nada é preciso nessa vida - ele sabia.
Tudo sempre lhe foi tão vão, tão desprovido de sentidos claros!
Agora ele podia passear calmamente pela superfície das nuvens,
Sentir nos pés toda a leveza do ar,
Ao invés de pisar no mundo, já tão saturado de pessoas...
Ele queria ser apenas uma Pessoa.
Voando livre como um pássaro, ele pôde ser uma Pessoa...
A sensação de ser livre é apenas para quem se dispõe a enxergar o mundo com olhos de poeta.
Nada mais precisa ser preciso.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Das expectativas;


É noite escura. Toca a campainha. Meu coração gelado dá um salto dolorido... Eu não sei quem vem até mim, mas sei que não é quem eu quero ver. Quem eu mais desejo ter próximo a mim será a última pessoa a lançar-se ao meu encontro. Preciso de uma chance de livrar-me dessas minhas divagações paranóicas, para tentar ser feliz.


Eu hesito. Não quero ver ninguém... Não quero mostrar falsos sorrisos, não quero ter que mencionar uma palavra sequer - ninguém é bem-vindo agora. Não estou com paciência para dar desculpas. Não quero ter que partir meu coração ao matar a última esperança que ainda me ilumina o olhar e me motiva a viver; essa esperança que é tão ínfima, tão fraca...


Meus braços e pernas se fazem pesados, como se meu corpo ordenasse, inconscientemente, que eu não fosse atender a quem quer que seja. Como se cada célula minha soubesse do dilema que está me matando, julgando ser melhor não terminar de me dilacerar. Valerá a pena permanecer nessa agonia?


A campainha toca novamente, e meu coração se contrai com uma força desigual. Está dizendo: "vá, mexa-se, como saberá o que pode acontecer?" E eu não sei se quero ir... Sei que não há possibilidades reais de ver meu ilustre desconhecido; o que ele sabe do que eu sinto? Por que ele viria amenizar meu sofrimento, se não faz nem idéia da minha asquerosa existência?


Mas ainda arde em meu sangue aquela remota e idealizada possibilidade. Sou uma contradição viva: razão e sentimento estão numa luta inenarrável e completamente estafante - dentro da minha mente. Já posso sentir os efeitos físicos. Minha cabeça dói, meus músculos estão rígidos, tremo descontroladamente, sinto muito frio.


Um vento cortante entra pela janela... As cortinas esvoaçantes assemelham-se a fantasmas; como se não fossem suficientes os fantasmas que naturalmente me assombram, tenho que presenciar essa ridícula concretização dos meus medos estúpidos. Uma chuva fina começa a cair; apago as luzes. Sinto um frio ainda mais intenso.


O ambiente escuro me permite descansar um pouco; meus olhos já não suportam mais imagens. Porém, a escuridão abre as portas da minha alma para os desvarios me enlouquecerem; se não vejo, imagino muito mais. E as asas da minha imaginação estão perigosamente livres.


Liberto, enfim, um choro compulsivo. Essa expectativa está insuportavelmente torturante - ir ou não ir? Destruir de uma vez as esperanças ou padecer eternamente, imersa na dúvida? Não sei de que maneira eu sofreria mais. Repentinamente, faço uma constatação absurdamente lógica: meu visitante já deve ter ido embora, afinal. Creio que ninguém teria tanta paciência para com minhas loucuras e tolices. Ao perceber isso, afundei-me no sofá, e desejei desaparecer do mundo. Fiquei imóvel, minhas forças estavam completamente esgotadas. A chuva começou a despencar fortemente.


Meus olhos estavam prestes a se fechar, quando a campainha tocou pela terceira vez. Matei meus sentimentos; o pragmatismo mandou-me acordar e reagir - estava sendo excessivamente irracional. Levantei-me num salto, senti-me tonta. Gritei rudemente: "já vou". Fui arrastando os pés, sem vontade alguma de continuar a viver. Como se o amor em mim fosse uma criança mimada e exigente, que opta por morrer ao invés de encarar a realidade. Maldita sentença natural.


Caminhei com enfado até a porta. Coloquei a chave lentamente, pensando: "ainda estou em tempo de desistir". Ouvi um farfalhar de jeans do outro lado da porta, uma respiração ofegante. Senti mãos pesadas baterem docemente na porta, como se me instigassem a abrir logo. Uma tentação para a minha implacável curiosidade. Não destranquei a porta, parei covarde e estupidamente. Dilema: pragmatismo e romantismo.


Até que uma voz vagamente familiar, gracejante e irônica disse, do outro lado da porta: "desistiu?" Meu coração disparou. Fiquei terrivelmente trêmula. Sensações inefáveis me dominaram.


Virei a chave com um esforço descomunal. Todas as minhas energias se haviam esvaído; não sentia meu coração bater. Mesmo que as esperanças estivessem incontavelmente multiplicadas em mim, sentia-me quase morta. Eu não era forte o suficiente para agüentar tantas e tamanhas emoções; estava congelada.


E agora? Será ele?


Abri a porta. Um sorriso lindo reluziu à minha frente, uma voz suave me disse: "eu esperaria o tempo que fosse necessário." Transmutou meu inferno em um divino paraíso: inexplicavelmente, era ele.

sábado, 6 de setembro de 2008

Pequena crônica de amor II;


Hoje eu sonhei com você, de novo.


Não pude deixar de me deter em detalhes que talvez fossem insignificantes, mas que conseguiram me fazer vislumbrar a que grau ínfimo encontram-se as minhas esperanças. Sabe qual foi a situação em que eu finalmente consegui sentir ser recíproco o meu amor e cuidado?

Você estava morrendo.
Sim. Foi uma constatação tão triste...

Eu lia o desespero em seus olhos - olhos de alguém deveras preso à matéria. Por toda a minha vida, era esse o seu mal que eu queria ajudar a combater. Agora que você sentia a vida escapando por entre os seus dedos, você recorreu a mim. Eu me perguntei: por que o meu alento? Que eu saiba, você jamais fora solitário... Mas agora tudo mudou. Os amigos, as mulheres, todos desapareceram. Quem restou, afinal?

Essa pequena alma que vos fala.

E não me incomoda, sinceramente, a guinada que seus sentimentos deram. De repente, você me apertou em um abraço frio, sedento de calor... E meu corpo irradiou alegria. Mas minha alma... Ela chorava tanto!

O que mais me incomodou - na verdade, entristeceu-me profundamente - foi descobrir o quão solitário você era. Uma alma vagando, sozinha, em meio a outras almas adormecidas. Chorei por ver o quão medíocre era a sua vida. Eu me importava tanto com você...

Você recorreu ao meu alento, talvez por saber que o meu amor, mesmo tão ferido, seria incondicional. E eu não recusei o seu pedido: estendi os meus braços, velando seu corpo e sua alma até o momento derradeiro.

Não porque eu me contentava com as migalhas do seu afeto; creio que essas sensações já não mais me afetavam. Porém, senti que você queria algo que ninguém mais, no mundo todo, poderia dar. Um conforto indizível, que só podem oferecer os corações dotados do mais puro amor. E eu era assim, eu era toda amor.

Cuidei de você até você partir.

E meu coração... Ficou dilacerado, despedaçado, jogado ao canto da sala, pulsando fraca e tristemente.
E a minha alma não chorava. Estava imersa em paz, uma paz imperturbável.



Hoje eu sonhei com você, de novo. Essas foram as minhas sensações, que se fizeram cruelmente reais... Eis aqui a minha esperança, então. E o que eu desejo... Ah! O que eu mais desejo... É não ter que ver concretizados esses meus mal-fadados sonhos.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Canção ancestral;


Acabou-se o calvário da canção,
Agora ela paira no ar, adormecida;
Calaram-se todos os versos de paixão,
Deram-lhe a cruel sentença de ser esquecida!

E tudo ainda lhe dói... Arde, a pulsar,
A dor de nada ter dito, de não ser querida...
Ou ainda, para tudo contrariar,
De tudo ter dito e jamais ter sido lida!

A canção... Frágil mártir dos sonhos,
Concretizada sem louvor, sem acolhida...
Deram-lhe os motes mais plenos, mais risonhos,
E o que ela mais almejou? A despedida...

Acabou-se o seu calvário. O livro foi fechado.
A alma, porém, 'inda sonha, enternecida...
Sonha com o ressurgir, glorioso e calado,
De sua doce voz, a triste canção envelhecida!