terça-feira, 21 de julho de 2009

Há quem, talvez, não acredite.




Antes eu sabia de Deus, mas não sabia como me encontrar com Ele. Ele se me figurava mui nebulosamente; sei lá. Ele fazia parte da minha criação católica, apenas.
Passei por um período muito estranho, então. Cheguei mesmo à beira da negação, da descrença no divino. Como se Ele não fizesse muito sentido. Então tudo escureceu, passei a simplesmente existir - quase negar Deus me fez quase negar a vida.
Cansada da escuridão, lancei-me a um inexplicável panteísmo, carente de firmeza, tão nebuloso quanto a visão de outrora... O que me rendeu certos olhares de repreensão. Não me importei. Eu buscava o meu Deus em tudo que fazia parte do dia-a-dia, eu precisava me alentar, de alguma forma. Mas não parecia o suficiente - eu voltei a ter consciência d'Ele, mas não conseguia d'Ele me aproximar.
Então, num dia ocioso de um Julho remoto, eu entrei numa casa antiga, simples, em que se rezava com os braços em movimento, em que me diziam que Deus está em tudo porque tudo é vivo, e tudo o que é vivo tem Deus. Disseram-me que não havia nada que mais me aproximaria de Deus do que o serviço, o trabalho, o bom humor, a alegria, o amor. Fizeram-me entender o que queria dizer o 'conhece-te a ti mesmo, e conhecerás os Deuses e o Universo'. Ensinaram-me sobre o concreto e o sublime, sobre a alma, seus mistérios e encantos. Ensinaram-me que este mundo não é o que há de perfeito, e que eu não preciso me mortificar de culpa cristã por não ser perfeita. Os ensinamentos não cessam... Tanta coisa aprendi, e tanta coisa ainda há a ser aprendida!
Mas o fundamental... Ah! O tormento fundamental, este já está solucionado. Eu finalmente encontrei Deus. Disseram-me que eu não precisava procurar Deus apenas do lado de fora, porque havia Deus em tudo e havia Deus dentro de mim - e isso me basta para querer continuar nessa incrível existência, a qual podemos coroar, por nossas próprias mãos, com o maravilhoso milagre da Vida.

sábado, 18 de julho de 2009

!


Se eu ainda estivesse propensa a viver em um mundo de fantasias surreais, de sonhos não tangíveis... Se eu não houvesse adquirido o meu mínimo de instrução, suficiente para que eu comece a enxergar que não vale a pena viver um ilusório jogo de falsas verdades e imensas mentiras... Se eu não tivesse mudado, profunda e concretamente, com certeza eu ainda alimentaria certos erros, aqueles que crescem silenciosamente, sem que possamos perceber, e que acaba por nos engolir em furor de criatura irracional.
Eu insistiria em criar um mundo teatral, cheio de dramas, de tristezas inexplicáveis, de problemas insolúveis, de tragédias docemente lavadas por sangue e lágrimas. Eu me levaria novamente aos extremos da dor, eu me lançaria novamente aos abismos da passionalidade. Eu perderia, completamente, o balanço entre razão e sentimento - o equilíbrio fundamental.
Nesse meu mundo teatral, eu não deixaria que entrassem os olhos claros dos sonhos possíveis, os corpos brilhantes com cheiros macios que chamam à dureza firme e lúcida da realidade. Eu ainda seria paciente para ver desfilar, em seu grandioso e reluzente manto de ilusão, aquele que tem perfume de lembrança inquieta, que não se sustenta com o passado; eu me permitira construir um pedestal ainda mais suntuoso para aquele que, com delicadas mãos, dilacerou meus sonhos e meu coração. Mas não. A isso eu não mais me permito.
Se eu ainda navegasse pelas águas do passado, certamente eu quereria nelas me afogar, para criar um impasse que me deixaria entre vida e morte, extremismo tão fútil e desnecessário. A vida já é uma guerra suficientemente grande para que queiramos criar batalhas vãs.
Eu mudei, profunda e concretamente. Meus sonhos e fantasias já não são fundamentados em vícios, em temas escuros e difusos. Eu ainda sonho, mas sonho mais alto, sonho mais profunda e calmamente, sonho sem desespero, sonho sem dor. Sonho objetivamente, com amor verdadeiro, com um Ideal tranquilo de se amar, que abrange todas as possíveis necessidades do Eu mais profundo. Eu não preciso mais criar um mundo para me refugiar da realidade. Estou aprendendo a fazer da realidade o meu mundo, repleto de aventuras que me façam ir além, que me façam construir algo sutil porém concreto, doce, cheio de um significado profundo e simples, leve e válido para todos aqueles que queiram partilhar comigo essas aventuras.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Mais um dia.

Meu corpo fatigado arrasta-se cidade afora, consolado apenas pela leve brisa de uma chuva que se anuncia e nunca aparece. A noite vem alta, implacável, para acentuar ainda mais o cansaço que me pesa terrivelmente os braços, as pernas, a cabeça. Sinto como se meu corpo fosse se desfazendo, se desmanchando, deixando seus pequenos pedaços pela calçada. Nem mesmo a bela e brilhante lua crescente me serve de apoio - eu preciso, insanamente, descansar.

Chego em casa e nada melhora. Percebo que meu cansaço não é apenas físico - minha mente também está exaurida de suas forças. Os pensamentos circulares, as mil e uma tarefas a serem executadas, todas as preocupações e paranoias do cotidiano... Tudo isso me deposita silenciosamente terríveis cargas imaginárias nos ombros, as quais pesam tanto quanto cargas verdadeiras.

A irresponsabilidade é um ingrediente a mais - significativo, decerto - no indigesto banquete que preparei para me servir da vida. Sei das culpas e pecados que o meu total descompromisso com a vida pode gerar. Eu simplesmente não sei como me importar, no entanto.

Vergonha. Sinto uma vergonha constante de tudo ao meu redor. Como se todo o mundo me fosse engolir, castigo para o crime da minha incompreensão para com tudo. Meus erros baseiam-se nos preconceitos, nos desvarios e no mau-comportamento. Não, eu não sei me portar decentemente. Todos os meus gestos são exagerados e errôneos, sou uma desajeitada a derrubar todos os finos cristais das verdades existenciais, a me enrolar nos ardilosos fios das furtivas mentiras e dos grandes vícios. Tudo perde o sentido em minhas mãos destrutivas. E por mais que eu saiba de tudo isso, eu afirmo sem medo de ser dissimulada: não é intencional. Eu nunca quis prejudicar qualquer aspecto da minha vida, ou de qualquer outro ser. Mas as coisas desandam, desacontecem quando eu estou por perto.

E sei que minha auto-depreciação vem, em grande parte, desse cansaço físico, mental e espiritual pelo qual estou passando, com tantas perdas e danos. A falta de qualquer significado para a minha existência faz crescer o meu desânimo, como se respirar fosse um imenso fardo. Mas eu ainda sou suficientemente covarde [ou, talvez debalde, esperançosa], e quero continuar viva, e morro de medo da morte. Morro de medo da morte.

Hoje a minha simulação de morte alimentou uma incongruente neurose. Senti a morte espreitanto-me mui delicadamente na situação cômica do dia-a-dia, arrepio frio e macabro onde deveria haver apenas um calor de vida despreocupada. O cansaço está, realmente, destruindo as minhas mais variadas formas de defesa.

Talvez eu esteja mesmo me fragilizando, adquirindo aquilo que um dia clamei tão desesperada aos céus. Mas estou obtendo êxitos incompletos: onde está o alguém que me deveria oferecer todos os cuidados de corpo e alma, para que eu finalmente possa descansar ainda em vida? Mais um aspecto torto, desandado nessa minha estranha existência. Peço uma enfermidade, veja que loucura. Enferma, padeço uma vez mais pelos meus erros, pela minha irracionalidade, e não há um alguém que me afague os cabelos delicadamente e me diga que a tormenta, por mais eterna que pareça, um dia há de acabar. Eu não consigo acreditar que esse meu constante horror acabará. Mas sei que não posso continuar nesse ciclo vicioso, que é deveras destrutivo. Quando hei de encontrar a solução para esse festival de estranhezas malignas?