sexta-feira, 28 de outubro de 2022

investigações erótico-políticas

1. necro- vem de "nékros" (grego), "morto";
2. tanato- tem origem incerta, talvez do aoristo sânscrito "á-dhvani-t", "ocultou-se, desapareceu", particípio "dhavan-ta", "obscuro". Seu uso no sentido de "morrer" resulta de um eufemismo;
3. necro- não tem registro de origem mitológica, até onde eu alcancei
----- "nek-ios" (indo-europeu): cadavérico;
4. Tânatos é irmão de Hipnos, os dois são filhos de Érebo [Trevas Infernais, deriva também "crepúsculo"] com a Noite, Érebo e Noite são irmãos que nascem do Caos, que é o Vazio aberto, anterior à criação, onde surgem Gaia e Eros.
5. "Erotismo é a afirmação da vida até na morte": na morte Tânatos, onde ela se funde com Eros, porque Amor é risco e abdicação [de uma parte] do Eu [às vezes do Eu por completo - ver "Império dos sentidos". Mas aquilo não é Amor, talvez seja amor, mas é um exagero caricatural]. (?) Essa afirmação de Eros em Tânatos não é a afirmação pela proliferação do Necro, o cadáver, o morto, onde não há mais vida (É mais o gesto de abdicar do Eu do que de exterminar o Outro?).

ReferênciaDicionário Etimológico da Mitologia Grega

[de repente, abnegação e sacrifício se tornam traços femininos]
[o Eu é masculino, o Outro é feminino - no senso comum, o mesmo que acha que o capitalismo é natural e imutável]
[a renúncia ao gozo é a raiz do mal-estar na cultura, segundo Pávon-Cuéllar]

Aí ero-tanato-política é uma coisa, e necropolítica é outra.
A necropolítica necrosa uma parte da sociedade - no engano coletivamente autodestrutivo de que o Eu consegue existir sem o Outro.

- Qual é a relação que há entre Eros e Tânatos? São duas pulsões.
- Penso muito na eropolítica contra a necropolítica.
- Há quem fale em politizar a pulsão de morte.

"se antes o sadismo era visto como primário e o masoquismo como a introjeção desse sadismo, agora o masoquismo (pulsão de morte que foi retida no Eu) seria primário e o sadismo serve para proteger a integridade desse Eu ainda precário, expulsando uma determinada cota de pulsão de morte para fora."

[o masoquismo é a cota de pulsão de morte que nos cabe?]

"Um detalhe curioso é que Freud percebe a complexa interação entre os dois grupos de pulsões e que, em dadas condições, 'talvez nos seja permitido declarar […] como sendo igualmente narcísicas as células das neoplasias malignas que destroem o organismo'. (Freud, 1920/2020, p. 169). Ou seja, nem sempre a captura das cotas de pulsão de morte pela libido garante que ela se tornará inócua, é possível que determinadas formações narcísicas sejam de fato mortíferas."

[mortíferas como um câncer - o inferno do igual que se repete indiscriminadamente e não sabe dar o salto em direção ao Outro]

"as restrições e sacrifícios impostos aos indivíduos não se distribuem de forma homogênea na sociedade, resultando disso que alguns sacrificam pouco de sua satisfação pulsional enquanto outros sacrificam demasiado."

[a que mais sacrifica (é sacrificada) é a mulher negra gorda pobre lésbica]

[a recusa da vida como sacrifício é uma face do erotismo. o catolicismo é totalmente desprovido de erotismo nesse sentido.]

"[...] 'narcisismo das pequenas diferenças'[:] Através desse mecanismo, 'é possível ligar um grande número de pessoas pelo 'amor' [aspas minhas], desde que restem outras para que se exteriorize a agressividade'". (Freud, 1930/2020, p. 366).

[a dificuldade do Amor absoluto, que é diferente do amor incondicional]

"O realismo capitalista pode ser definido como 'o sentimento disseminado de que o capitalismo é o único sistema político e econômico viável, sendo impossível imaginar uma alternativa a ele'. (Fisher, 2009/2020, p. 10). Ou ainda: 'Trata-se mais de uma atmosfera penetrante, que condiciona não apenas a produção da cultura, mas também a regulação do trabalho e da educação – agindo como uma espécie de barreira invisível, limitando o pensamento e a ação'". (Fisher, 2009/2020, p. 33).

["blablabla sempre foi assim, não tem como mudar, é como o mundo é blablabla"]

"'Precisa-se ter em mente que o capitalismo é tanto uma estrutura impessoal hiper abstrata quanto algo que não poderia existir sem a nossa colaboração'". (Fisher, 2009/2020, p. 28).

[dialética essência-aparência]

"O combate a essas condições é dificultado por várias estratégias do realismo capitalista: uma descentralização que pode ser sentida (e foi assim descrita por alguns) como declínio da função paterna ou perda da crença no Outro, uma hiper-responsabilização dos indivíduos por seu sofrimento e uma desmontagem das organizações coletivas (como sindicatos, por exemplo)."

"Uma das melhores formas de se fazer isso [isso = fazer frente ao realismo capitalista] seria exatamente tomar o campo da saúde mental como paradigmático da operação do realismo capitalista."

[daí a depressão/ansiedade/burnout/TDAH etc etc]

"Diante disso, 'não há mais inimigo externo identificável' (Fisher, 2009/2020, p.64), nenhum alvo suficiente para a agressão, ninguém que responda a ela e, portanto, ela nada produz de mudança [quebrar janelas, espelhos, copos, roer unhas, nada disso funciona]. O efeito é apenas o desgaste do trabalhador-consumidor e a manutenção do funcionamento do sistema. Outro efeito é obtido ao impossibilitar a empatia entre o sujeito que procura o call center e o que trabalha nele. É por essa razão que, para Fisher, 'nosso desafio agora é reinventar a solidariedade'". (Fisher, 2009/2020, p.150)."

""O conceito de lugar social deveria produzir uma metapsicologia ampliada, em que se inclui essa incidência de fatores sociais (por exemplo, raça, classe, gênero) como um dos vetores que produz determinada conformação psíquica. Isso abre caminho para pensar que o trabalho do analista visa também a alteração nas condições materiais da vida de seus pacientes. Não que ele tome essa tarefa para si diretamente, mas atua para equipar o paciente para produzir esse tipo de alteração. (Por exemplo, enfraquecendo inibições ou idealizações das figuras de autoridade e, portanto, liberando o caminho para a expressão de seus anseios libidinais e agressivos). (Bernfeld, 1929)."

[basta de monstros sagrados e deuses-pais-todo-poderosos. a ação política é terapêutica - da micro à macropolítica]




sábado, 22 de outubro de 2022

🜁

ouço:

o vento cantando, lamentoso, pelas frestas da cidade,
a chuva que ruge e uiva: cântaros, brisa ou bruma,

fustigam a janela e sua rachadura
aberta pelo meu arroubo de raiva
- a frustração tem seus dias de galope.

vejo:

a mulher alada que segura um tecido fluido
na vitrine da loja de artefatos cristão-católicos
lembra o anjo da Temperança, mas sem as ânforas.

o homem alado, colérico, viril,
arcanjo-chefe-supremo
do-exército-celeste,
como a Justiça, carrega de um lado
a espada, apontada para a cabeça do demônio,
e do outro
a balança, com que mede, tão certo,
a validade do seu ato de violência
- como se não fosse o Amor
aquilo que repara os danos.
só Deus-Pai-Todo-Poderoso
pra chancelar Amor com violência.

penso:

em outra mitologia, a Justiça,
como a Temperança, é uma mulher:
sua espada está em riste, apontando para o alto,
e a balança está parada, como todo o conjunto da imagem,
o que é muito mais sensato,
porque não dá pra ela funcionar de forma apropriada
sem estar apoiada em uma base firme.

sinto:

a cântaros. o vento balança a espada
como o galho de uma árvore sob tempestade.
um arrepio me corre por dentro.
pesam-me os restos que se desprendem,
pênseis,
da matriz desértica do meu ventre.

domingo, 16 de outubro de 2022

now I understand

something that I refused to realize
even in my worst nightmares
the most real reality of love
wouldn't be so cruel like 
this fucking state of things
our cynicism and nihilism lead us to

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

arar a terra sem semeá-la

[deambulações da agonia]

amor é trabalho:
o que fazemos com as superfícies em que metemos nossas mãos?
a escassez do amor não determina sua ausência:
Eros está nos perfumes do mundo,
circulando pela atmosfera.

deixe embriagar-se pelo menos uma vez
e você não terá mais como esquecer.
uma vez visto, não dá pra desver.
uma vez sentido, seu corpo cria memória
- não dá pra desfazer.

é possível passar pela existência sem assimilar o Amor?
tristemente, a resposta é: sim.
quem nunca conseguiu sair de si
e dar o salto rumo ao desconhecido do outro;
quem ficou aprisionado
dentro de altíssimos muros
feitos de medo.

nossas mãos rudes podem deixar rastros de destruição.
nossas mãos suaves por sobre outros relevos
engendram novos mundos
mesmo sem semear a terra:
ará-la com carinho e consideração
pelo simples prazer do ato,
o gozo de um ensaio eterno
sem apresentação final.

dizer à terra: sei de sua potência criadora
mas prefiro os frutos abstratos
que podem surgir de nossas carícias
- o trabalho do amor nunca é indiferente
ou estéril.

não maltratar a terra
porque os quentes afagos
são a única coisa que você espera dela:
você espera algo, afinal.
por que não ter a decência
de tocá-la com cuidado?

amor é trabalho:
por isso, afasta os preguiçosos e indispostos.
por isso, é escasso entre os exauridos.
mas não é impossível, não é impossível.

tenho amor e tenho medo.
o medo trava minha língua
rouba minha respiração
embola minhas pernas.
o amor é esse anseio trêmulo
(ele tem sua forma medonha: a súplica,
a feia irmã-gêmea da sede)
e o pavor constante
de que não haja mais abismos nos quais saltar,
ou de que todos sejam terrivelmente rasos,
ou de que eu permaneça saltando sozinha.

o Amor... esse desconhece o medo:
é a coragem que brota aos borbotões
é supra-lógico 
nota em que se afina a música das esferas
do Universo em que vivemos.

tenho Amor, mas tenho medo
desse amor minúsculo
que me confunde e cega
para o Eros magnânimo e infinito.

meu trabalho, parte dele desperdiço com preguiçosos e indispostos,
porque o Amor e o amor,
por azar ou ironia do destino
decidiram nunca se afinarem de todo em meu peito.
há algo, no entanto, que resiste
e uma ilusão que teima em me atarantar
(insisto em cantar, mesmo desafinada).

que eu aprenda a direcionar os esforços dedicados
a esse amor pequenino - cupido real, porém falso -,
e afague a terra do meu próprio coração esfacelado...
muito mais do que fique devaneando
sobre Eros e tudo o mais
- ou que eu faça de um devaneio prático
a minha utopia erótica selvagem.

(se você não gosta de mim, 
veja só que coisa:
não tem como eu gostar de você.)

(sua idealização de mim
não conta, porque não sou eu.)

(o auto-engano da minha retórica
é o que me cura e salva...)

(as verdades estão sempre a meio caminho.
quero ser feliz, mas também quero estar meio certa.)

(o amor não é um trabalho monetizável
mas a acumulação primitiva de capital
forjou-se sobre bases enganosas
do que seja o Amor
- todo esse engano tem gerado tanta dor...)

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

in the big old shadow of time

em breve mingua a lua
e eu, que ando desconcertada com o tempo cósmico,
desperto - enquanto o satélite prepara-se para o repouso.

a maré cheia me afogou em tanta mágoa reprimida.
penso no mundo todo, imenso e ínfimo;
penso na marcha da história - muito horror, pouca glória;
penso em nossa singular forma de ser hoje
e todas as minhas células se retraem, angustiadas,
porque nunca estivemos encontrados,
sempre estivemos vagando, girando em nossa elíptica.
mãos na terra, em trabalho,
ou mãos ao céu, em súplica.

as luzes artificiais ressecam-me as vistas cansadas.
penso na grande e velha sombra do tempo,
essa que vem munida de um cajado
ora carregando a singela lanterna da esperança,
ora aterrorizando com a prata brilhante da foice.

não há alívio, nem há conclusão.
vagueiam meus pensamentos vagabundos
e suas palavras desleixadas...

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

arrasta-me (2)

quem me arrasta é o mar magnífico
com suas ondas colossais
sua força de eras
caldo extremo de vida que viceja
(e que hoje padece de contaminação)

como está contaminado esse outro que
espera que eu me arraste
sem carinho, sem coberta,
num tapete atrás da porta,
reclamando baixinho.

vão à merda todos vocês.

sábado, 1 de outubro de 2022

[cansaço]

Lua pressaga! Os indiferentes astros tramam
Contra a minha sanidade. O cansaço que sinto
É marca registrada™ do tempo sombrio em que,
A galope, rumamos - em direção ao abismo.

Lua crescente! Em seu bojo de terra e prata
Revolvem as espirais de nosso seco, duro destino.
A foice do trabalho árduo abre-se, inegável,
Contra o abismal céu uraniano.

                É tempo de ceifar: uma existência a marteladas.