piso os grãos ancestrais
com o êxtase de quem, depois de longo exílio,
reencontra-se com aquilo que,
não lhe sendo estranho,
é quase completamente novo.
deito-me ao comprido na areia.
fecho os olhos, abro os olhos,
fecho-os, abro-os,
fecho, abro, fecho, abro
com a aflição de quem tem sede
de saber a verdade do mundo
com o corpo.
pressiono entre os dedos os pequenos grãos
e olho-os com o pasmo essencial
de quem ansiava por poder nascer, novamente,
para a eterna novidade do mundo.
corro para o mar, iridescente.
leio o sol em seus reflexos
na delicada, bravia superfície.
a pele coberta de filtro solar e maresia
arrepia de calor: enlevo da brisa marinha.
sem tempo para temer, lanço-me.
brinco em meio às ondas
com uma alegria pueril
flagrada, em espanto,
existindo, ainda, no fundo da minha alma.
arrastam-me as vagas.
circundam-me as algas,
as pessoas, de tantos tipos e cores,
os micro e macro plásticos:
perversa e inexorável presença humana
que perdeu o respeito pela vida
da qual, inconsciente, inconsequente,
faz parte.
entristece-me saber-nos no ocaso
de uma forma de vida cruel e bela
- que poderia ser mais bela do que cruel,
mas isso é a vida: é guerra, é guerra.
entrego meu corpo alegre às ondas,
ao mar e seus caprichos violentos,
tombo diante da sua força
- mas respiro. não me deixo (mais) afogar.
aterra-me sabê-lo, com o corpo,
um imponderavelmente imenso
ser vivo:
matricial útero que me embala
no vai-e-vem dos ancestrais ciclos...
(quanto tempo de alegria ainda me resta?)
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