segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Do caderno holográfico da sereia cósmica (1)

    Minha não-história com todos vocês vem introduzida pela negatividade própria do Eros, esse mesmo que está em agonia na sociedade do desempenho (Byung-Chul Han).
    Esta é uma sociedade adoecida de egoísmo, because it takes two to tango, and it seems that people don't even know how to dance in couples anymore.
    Somos desejadas como objetos, ou como parideiras/cuidadoras, ou damas de companhia. Nunca em nossa exuberante e extraordinária (Cássia Eller) singularidade.
    Até porque o Eu muito adequado à sociedade do desempenho não quer por perto ninguém que:
    1. o desafie a Ser-Mais (Paulo Freire), porque ele já está gastando toda a sua energia se adequando, ou se rebelando de forma auto-destrutiva quanto a isso, ou às vezes os dois, mas nada para além disso;
    2. demande a generosidade da partilha, a negociação do poder (bell hooks): exatamente porque a sua ontológica é egoísta.
    Me aborreço muito, é claro. But I have no real interest in taking part into this sad game. Quando encontrei "sad" como sinônimo de "lamentável", que era o adjetivo em português em que eu estava pensando, me dei conta de que:
    a. This scenario is the big sadness - what I constantly feel is just a yearning (bell hooks) for connection while living inside this great existential shit;
    b. Benjamin pensa em se matar quando se dá conta de que i. seus amores (i.e. suas fantasias amorosas) deram errado e ii. seus escritos não se tornaram socialmente relevantes. Porém, ele desiste da ideia para ver o que viria depois. Depois, veio o nazismo;
    c. O sistema de valores que considera o amor uma doença (Lacan, Stendhal) não é o mesmo que o entende como promoção do crescimento espiritual de pessoas que voluntariamente se dispõem a construir um laço (bell hooks) - o que é verdadeiramente revolucionário, indeed. Até porque adoecer é casual como cair - fall in love. Amor não é isso em essência, apesar de sua aparência mais comumente aceita ser essa (e é por isso que, na cama, não existe A Pabllo Vittar, mas O Phabullo...).

sábado, 25 de fevereiro de 2023

great hopes, low expectations

ESCREVA UMA ÁRVORE, PLANTE UM FILHO, TENHA UM LIVRO

    No vaso de plástico há um pé de boldo, dois brotinhos de cerejeira e um abacateiro querendo vencer distâncias.
    O pé de boldo nunca cessa de me encantar com seu incrível poder de regeneração, seu vigor e resistência, sua fertilidade permanente, mesmo nos pontos mais duros de seu caule principal.
    Os brotinhos de cerejeira são os meus sonhos cor-de-rosa: lindas ideias em visível potencial, mas sem grandes esperanças de realmente virem a florescer. Devem morrer por sufocamento: ficarei observando para presenciar seus primeiros indícios de degeneração, e só então decidir o que fazer com eles - os brotos, é claro.
    O abacateiro chegou a um estágio muito interessante e inesperado: ele já tem folhas grandes, muito semelhantes às da árvore quando adulta. Me parece até viável que ele venha a cumprir seu destino: estou disposta a encontrar-lhe um lugar mais digno de seu grandioso futuro, mais do que o vaso de plástico da área de serviço de um apartamento antigo do bairro São Mateus.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

por que o capitalismo não é uma religião, por Byung-Chul Han

"Tanto a desculpa quanto a gratificação pressupõem a instância do outro. A falta de ligação com o outro é a condição transcendental de possibilidade para a crise de gratificação e a crise de culpa. Essas crises deixam claro que, em contraposição à suposição muito difundida (p. ex., por Walter Benjamin), o capitalismo não é uma religião, pois cada religião opera com culpa e desculpa. O capitalismo só é inculpador. Não dispõe qualquer possibilidade de expiação, que pudesse livrar os culpados de sua culpa. A impossibilidade de desculpa e expiação é responsável também pela depressão do sujeito de desempenho. Junto com a Síndrome de Burnout, a depressão representa um fracasso sem salvação e insanável no poder, isto é, uma insolvência psíquica. Insolvência significa, literalmente, a impossibilidade de liquidar a dívida e a culpa (solvere)." (BYUNG-CHUL, 2017, p. 25)

também diz ele que o eros vence a depressão - mas quem está disposto a fazer esse movimento? sozinha não dá, porque

"O eros é precisamente uma relação com o outro, que se radica para além do desempenho e do poder. Seu verbo modal negativo é não-poder-poder. A negatividade da alteridade, a saber, a atopia do outro, que se subtrai de todo e qualquer poder, é constitutiva para a experiência erótica [...]." (idem, p. 25)

Gilvan olhou desconfiado, certa feita, para essa "negatividade" constitutiva da experiência erótica, me fazendo pensar na diferença entre o pensador europeu (o Byung-Chul) e a pensadora feminista negra (bell hooks, é claro). Porque bell fala sobre o amor na perspectiva da falta: sabê-lo pelo avesso, como ausência.

(Uma das mais bonitas dialéticas, a da presença-ausência...)

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[de 16/02]

não poder poder me parece que é o verbo modal do Eros
segundo a exausta lógica do Byung-Chul Han.
se eu estiver enganada (não estava!), mesmo assim
vale o raciocínio.
não poder poder é uma poda
da constante expansiva
    da sociedade do desempenho.
abaixo o poder, o que exaure e oprime.
viva o poder que afirma a vida (bell hooks)
    - mas esse, não sei se sequer entra
    nos anais europeus da história da filosofia.
não entrando, não sei como infundi-lo
    na lida cotidiana.
me parece que todos avançam movidos por
    sei lá que bizarra força
que está longe de ser meu ideal de movimento:
um deslizar macio, sem atrito,
uma afinação sustentável de metabolismos
    guiada pela ideia simples
de harmonizar uma totalidade.

(quem aposta na crise é porque sabe,
com a dor dos nervos tesos ao limite do suportável,
de sua inevitabilidade.
afrouxados pelo desgaste,
    cedem,
mas seus dolorosos, brilhantes produtos
resplandecem, mudos, nas minhas prateleiras
esperando por meu coração de carne
para infundir-lhes renovada vida.)

complicada como um bonsai

[de 19/01]

essa constante enxurrada seca de palavras
é uma tentativa desesperada
de aplicar ferramenta tão maravilhosa
- a linguagem - 
para traduzir os erráticos, desproporcionais
padrões do meu pensamento-emoção
- porque o que em mim sente está pensando.

o bonsai é uma estrutura raquítica
artificialmente criada
(como um poema sucinto)
para abrigar no conforto de um lar exíguo
o mistério da vida.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

you say you love me

and this is beautiful and nice, but
have you taken a good look at these words
"I love you"
?
besides being an abstract noun
- and this is the privileged morphological classification -
love is a fucking verb.

(consider this a weird kind of English class)

so I ask you, my dear friend,
given that love, being a verb,
implies action:

how do you love me?
when do you love me?

(the usage of interrogative pronouns and auxiliaries make my argument
unmistakable
- or at least this is what I hope)