sexta-feira, 22 de outubro de 2021

sobre a necessidade das experiências coletivas

ou: sobre amadurecimento político


Agora que parece que a roda da minha vida encontrou algum eixo

- Eixo móvel, devo ressaltar, porque a vida está em movimento -, 

São muitas as recordações que me causam o pasmo do movimento da vida.


Hoje me recordava do encerramento de uma Jornada Literária, talvez,

Em que nos reunimos todos, palestrantes e plateia, ao fim da última conferência,

Fizemos uma grande roda ao redor do redondo jardim central dentro do prédio da faculdade de Letras.

Todos de mãos dadas, irmanados

- Eu incomodada, sem entender muito bem o propósito daquilo tudo,

Achando tudo meio exagerado.

Eu sentia, sinceramente, que não precisava de tanto. 

Doce ilusão. 


Hoje entendo

A necessidade de nos darmos as mãos e nos irmanarmos em esperança

De que dias melhores venham,

De que consigamos criar dias melhores.

Já era necessário, é claro, desde bem antes de eu ter a capacidade de compreender essa necessidade.

Bem antes deste evento que descrevi,

Ou mesmo antes,

Antes,

Bem antes,

Num passado não imemorial

Mas terrivelmente anterior ao despertar da minha consciência individual

Para o problema da crise da modernidade.



(Sozinha, minha consciência individual [quase] nada pode.

É uma dor, mas também uma alegria,

Esse despertar radical dos sentidos 

Que possibilita a vertiginosa prática de ler o mundo.)

domingo, 17 de outubro de 2021

Lilith e Eva

 


Do Dicionário de símbolos (p. 566) - Lua Negra:

"A Lua Negra, que é associada a Lilit, a primeira mulher de Adão, cujo sexo se abria no cérebro, está ligada às noções do intangível, do inacessível, da presença desmedida da ausência (e o inverso), da hiperlucidez dolorosa, de tão intensa. Mais que um centro de repulsão oculto, a Lua Negra encarna a solidão vertiginosa, o Vazio absoluto, que não é senão Cheio por Densidade.
Essa força imaterial é também a mancha cega aureolada de chamas negras, que aniquila o lugar onde gravita. Pode, entretanto, transfigurar a casa astrológica onde se encontra no tema natal, graças ao dom absoluto de si mesma, ou a sublimação. Outras vezes, quando recebe influxos maus, é a desintegração que a espreita.
Hadès associa a Lua Negra ao elemento pesado, tenebroso de Tamas: ela simbolizaria então a energia a vencer, a obscuridade a dissipar, o carma a purgar. Está sempre ligada a fenômenos extremos, oscilando entre a recusa e a fascinação. Se não atinge o Absoluto que ele procura apaixonadamente, o ser marcado pela Lua Negra prefere renunciar ao mundo, mesmo que ao preço de sua própria destruição ou do aniquilamento de outra pessoa. Mas se ele sabe transmutar o veneno em remédio, a Lua Negra permite o acesso à porta estreita que abre para intensa libertação, intensa luz... Jean Carteret, teórico das luminares negras, sublinha a relação entre a Lua Negra e o Unicórnio, que rasga ou fecunda divinamente, se o ser estiver purificado de suas paixões. A Lua Negra designa uma via perigosa, mas que pode conduzir de maneira abrupta ao centro luminoso do Ser e à Unidade.
A Lua Negra é o aspecto nefasto da Lua: símbolo do aniquilamento, das paixões tenebrosas e maléficas, das energias hostis a vencer, do Carma, do vazio absoluto, do buraco negro com seu poder assustador de atrair e absorver."

02/06/2021

[Vênus em Virgem]


If you wanna fuck me hard,

Please, please,

Fill in my soul with the 

Electricity of your body

But please,

Please,

Gimme a slight glimpse

of tender love.


03/06/2021

"There are two Ripenings ― one ― of sight ―

Whose forces Spheric wind

Until the Velvet product

Drop spicy to the ground ―

A homelier maturing ―

A process in the Bur ―

That teeth of Frosts alone disclose

In far October Air."

                                (Emily Dickinson)


06/06/2021

[Lilith em Capricórnio]


O estranho fetiche:

tesão pelo mal,

a virilidade violenta,

encarnações marciais

- essas mesmas que estão

destruindo o planeta Terra.


12/06/2021

[Mercúrio em Libra]


Minha voz começa a amargar

No fundo da garganta 

À medida que começa a encorpar

A engrossar

Tonitruante angústia 

De um ressentimento

Em vias de transbordar.

.

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(Quando há de transbordar?)

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

8 de outubro de 2021 - parabéns para mim

 Comparando Normal people: romance (Sally Rooney) x série audiovisual (Hulu)


No romance, o discurso indireto livre (o "fluxo de consciência/monólogo interior"[?]) causa um efeito de muito maior penetração na psique de Connell e Marianne: enxergamos um ao outro e os arredores a partir de suas percepções subjetivas, e nos deixamos envenenar, por assim dizer, por suas emoções convulsivas. Na série, a riqueza de nuances de seus mundos interiores fica muito mais pálida, e o óbvio da atração que um sente pelo outro é colocado numa evidência que apaga ambiguidades e conflitos internos, deixando o desenvolvimento da relação entre eles muito mais linear - nos três primeiros episódios. O desenrolar da trama na série dá conta de explicitar as circunstâncias que os colocam em uma assimetria afetiva, desconectada do desejo mútuo, pulsante - mas que arrefece, ainda que brevemente, nos momentos em que a dor é mais pungente.

A obviedade da atração é percebida pelo espectador, mas posso dar o testemunho de que, realmente, os sentimentos do outro nunca parecem tão óbvios quando sua própria alma está despedaçada: "o coração do outro é terra em que ninguém pisa". Eis a importância de sabermos dar voz, contornos e palavras pras nossas emoções, o mais possível.


(Não sei também se tudo isso me parece tão mais óbvio visto que eu mesma superei a adolescência emocional, o que tem suas perdas - da inocência, principalmente, que me costumava ser tão cara, como uma cruel e falsa garantia de que "nada ia mudar" - mas também seus ganhos em lucidez e discernimento crítico, fundamentais para a interrupção de estruturas mentais arbitrariamente eternizadas, cujo deslocamento causa incômodo e dor, mas abre espaço e possibilidade de que um novo melhor e necessário venha.)


Nossa obscura mente juvenil (pequeno-burguesa?) tem por princípio uma flexibilidade ética e moral a qual nos permitimos durante as decisões problemáticas que tomamos, acreditando que nossos sofrimentos individuais justificam a banalização dos sentimentos do outro. O amadurecimento emocional consiste na responsabilidade afetiva assumida e sustentada: o que é anti-capitalista e revolucionário a seu modo.

Não é casual que Marianne volte para os estudos de história e ciência política, ainda que não consiga utilizar da consciência macropolítica para a transformação de sua micropolítica - se bem que, tendo o arco temporal do romance sido finalizado ao fim de seus períodos de formação superior, Marianne viveu sua juventude como todo pequeno-burguês millenial a vive: acometido pelas mais variadas afecções psíquicas. Ansiedade e depressão são fina e delicadamente retratadas tanto no romance quanto na série. Se deles soubéssemos para além dos seus 25 anos, poderíamos constatar os efeitos subjetivos de suas investigações contra-hegemônicas - nos outros outros livros de Sally Rooney, talvez?

Marianne vive a claustrofobia depressiva no nível sexual em suas experiências sado-masoquistas com diferentes namorados - mas não com Connell. O sentimento é apropriadamente elaborado em sua ambiguidade constitutiva a partir das amarrações entre desejo e poder que Sally Rooney desenha nas vozes internas das personagens - em especial na de Connell, que não precisa levar a demonstração de poder às vias físicas de fato, uma vez que ele teria um "domínio absoluto" sobre as emoções de Marianne. Confesso que esse aspecto me deixou levemente brochada, apesar de eu compreender. É mais um problema meu do que da escritora, certamente. Ou não. 

Marianne forma um todo coerente, ela demonstra uma integridade de caráter, ainda que esteja emocionalmente estilhaçada; Connell, por sua vez, e talvez devido à sua posição masculina, apresenta uma cisão interna que o bloqueia constantemente em suas tomadas de decisão, as quais se tornam incertas e hesitantes ("concretude tem a ver com o desejo" (ROQUE, 2018, p. 13), e esse traço é próprio do devir-mulher). As tomadas de decisão não deixam de acontecer, contudo, mesmo que agonizadas pela hesitação - essa que causa cisão, mas não estilhaçamento.

A ficção tentando ensinar o homem a chorar - "Erotismo, o devir-mulher da política"

"Erotismo também tem a ver com processos de cura" (ROQUE, 2018, p. 14), mas também: "Poderíamos estar vivendo num mundo ainda mais alienado e violento se as mulheres não realizassem o trabalho de ensinar aos homens que perderam o contato consigo mesmos como viver novamente. Esse trabalho do amor só é fútil quando os homens em questão se recusam a acordar, se recusam a crescer. Nesse ponto, é um gesto de amor-próprio das mulheres romper com a relação e seguir em frente" (HOOKS, 2020, p. 192). Impossível deixar de registrar, aqui, que Sally Rooney é uma escritora-mulher-mulher-escritora.


Referências

HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Tradução Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2020.

ROQUE, Tatiana. Erotismo e risco na política. São Paulo: n-1, 2018. Disponível em: https://www.n-1edicoes.org/cordeis/EROTISMO%20E%20RISCO%20NA%20POL%C3%8DTICA-18.