domingo, 17 de dezembro de 2023

tomei vários drinks

com a grande pedra de gelo que você me deu.
confesso, foi a mais gelada de todas.
quando ela bateu bem no centro do meu peito
meu coração enrijeceu, petrificou.
eu quis morrer. falo sério.
então peguei a pedra e fui quebrando aos poucos,
acrescentando limão, água tônica e gin.
enquanto bebia, pensava
pensava
e pensava.
corri aos cadernos e encontrei
as palavras do dia em que 
tomei um drink com o gelo que outro me deu,
esse outro que é você repetido à exaustão
de um desejo completamente desprovido de autonomia.

chorei de angústia enquanto pensava,
até perceber que quem morreu, simbolicamente,
foi você.
o luto persiste, persistirá,
como o fazem os sonhos mortos,
as ilusões perdidas,
lembranças de um eu que só existe como fantasma.

"você já viu alguém mudar completamente?"
eu nunca vi, por mais que o tenha desejado
desde o mais fundo do meu coração gelado.

o que resta é um dia após o outro,
e renascer reinventando a si
sem pensar demais no depois de depois de amanhã.

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de 17 jan. 2023

fiz uma gin tônica com o gelo que você me deu

E enquanto sorvia o frescor da bebida
Pensei mil coisas
Sobre ansiedade, espera, paciência, conciliação
O que eu queria para mim - ou não
O que é aceitável ou não em mim, no outro
Revivi tantas situações dolorosas
Em que a impotência me atou as mãos
E a frustração se derramou no meu peito
Como o balde d'água com desinfetante que derrubei hoje
Nessa água escorregadia fui aos poucos
Inevitável, inapelavelmente
Cha   fur   dan   do
Até que me vi entregue, ridícula
Caída no chão
Minha roupa ensopada colada no corpo
O desinfetante irritando a minha pele
Mas havia nesse momento
Um amigo gentil
Que me ofereceu o mínimo, tão raro
De não me fazer me sentir pior comigo mesma
Do que eu já estava sentindo.
Sequei a bagunça com a dignidade que ainda me restava.
Quem dera o ridículo do derramamento e da chafurda
Nas más águas do ressentimento
Fossem acidentes tão simples de se resolver...




sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

cigana

perdida em solo estrangeiro
em que cores demarcam
histórias e territórios,
um onírico acerto de contas:
a agulha invisível do destino
perfura a pele
e o vermelho brota

rósea, mística aliança
firmada em outra dimensão

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

uma nova esfera

dos abismos plutonianos,
onde vibram os registros akáshicos,
uma pulsão maligna expele
um tipo desconhecido, até então,
de tristeza

não mais a filha da minha alma partida,
mas um sombrio filho de Omulu
que nos observa enquanto soam
os tiques taques
do relógio do juízo final 
  

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

rascunhos

Essa é uma história que eu não vou ter tempo de maturar, porque a cada dia o mundo se dissolve diante dos nossos olhos. Ia dizê-los "negacionistas", mas consigo ver a todos nós dando-nos conta do destino que nos aguarda logo ali, na próxima esquina em chamas.

Trinta anos atrás eu andava pelo mundo sobre duas pequenas perninhas ainda se acostumando com o próprio peso. Não entendia nada para muito além da quentura do colo da minha mãe ou da minha avó. O sabor das papas, a tela de luzes coloridas brilhando suas narrativas de colonização do imaginário.

Nove anos atrás eu vivia no fundo de uma depressão sem fundo, que hoje eu revisito com uma angústia mais lúcida, mas que ainda é a mesma angústia. Metia os pés pelas mãos achando que tudo era culpa minha, mas fazia mesmo assim o que eu pensava que queria, sem saber se era aquilo mesmo, ou não. Tudo um grande ponto de interrogação, e eu cavando com desespero um sistema de valores em um mundo que - eu não sabia - já estava se dissolvendo.

Hoje o meu corpo maduro como uma fruta madura ainda se lembra do amargor do seu verdor, doçura impregnada de ressentimento e desesperança. É possível pedir que não entreguemos os pontos quando a atmosfera não arde ao redor da nossa pele.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

rascunhos

"Eu nunca confundi amor com violência", digo, resoluta, compartilhando uma revelação tão íntima quanto iluminada. Um raio de pretensa clareza que me acertou durante as infinitas, constantes divagações, essas que entremeiam qualquer atividade banal - sempre uma tarefa hercúlea, porque exige a domesticação dos meus nervos permanentemente tesos e seus pensamentos difusos.

Eu sempre soube que havia algo desencontrado, um fio desencapado, pronto para descarregar ressentimento... De quê? Como eu poderia saber que não era eu o erro? Como não tomar para mim - o autoafogamento no poço do eu - aquela raiva que faiscava (faísca, ainda) no ar, que espreitava a primeira palavra mais implicada para nela fazer sentir suas reverberações destrutivas, a força de sua mágoa?

Penso que nunca confundi amor com violência porque conseguia perceber sua presença ausente, uma densidade sufocante... Tão diferente da leve maciez do afago, a dureza normativa. Um não poder respirar com a alma. Havia afago, até, mas tão misturado no caldo espesso das frustrações cotidianas que se dissolvia; seus efeitos, mitigados. Carinho não vem em forma de tapa, nunca. Nem concreto, nem abstrato.

O amor restou principalmente nos gestos sacrificiais, no que se faz a contragosto. Como dizer, enfim, "você não é obrigado a me amar"?, que amor não é - não devia ser - uma obrigação, agora que sou adulta, criada, educada, funcionando, apesar de não exatamente funcional... Agora que não preciso mais de você?

Uma vida poupada em indolentes e vazias horas de sono, nos profundíssimos cansaços, que hoje entendo virem desse irracional estado de alerta, em que tudo parece que vai, a qualquer momento, explodir. Tudo tão anterior a essa expressão hoje corrente, "regulação emocional". É triste que demoremos tanto a entender, e que esquecer seja tão fácil.

(Eu ainda preciso, mas não vou implorar. O amor não pode ser incondicional - por essa brecha perigosa esgueira-se a violência reprimida, essa que eu me recuso a continuar a aceitar.)