segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

rascunhos

"Eu nunca confundi amor com violência", digo, resoluta, compartilhando uma revelação tão íntima quanto iluminada. Um raio de pretensa clareza que me acertou durante as infinitas, constantes divagações, essas que entremeiam qualquer atividade banal - sempre uma tarefa hercúlea, porque exige a domesticação dos meus nervos permanentemente tesos e seus pensamentos difusos.

Eu sempre soube que havia algo desencontrado, um fio desencapado, pronto para descarregar ressentimento... De quê? Como eu poderia saber que não era eu o erro? Como não tomar para mim - o autoafogamento no poço do eu - aquela raiva que faiscava (faísca, ainda) no ar, que espreitava a primeira palavra mais implicada para nela fazer sentir suas reverberações destrutivas, a força de sua mágoa?

Penso que nunca confundi amor com violência porque conseguia perceber sua presença ausente, uma densidade sufocante... Tão diferente da leve maciez do afago, a dureza normativa. Um não poder respirar com a alma. Havia afago, até, mas tão misturado no caldo espesso das frustrações cotidianas que se dissolvia; seus efeitos, mitigados. Carinho não vem em forma de tapa, nunca. Nem concreto, nem abstrato.

O amor restou principalmente nos gestos sacrificiais, no que se faz a contragosto. Como dizer, enfim, "você não é obrigado a me amar"?, que amor não é - não devia ser - uma obrigação, agora que sou adulta, criada, educada, funcionando, apesar de não exatamente funcional... Agora que não preciso mais de você?

Uma vida poupada em indolentes e vazias horas de sono, nos profundíssimos cansaços, que hoje entendo virem desse irracional estado de alerta, em que tudo parece que vai, a qualquer momento, explodir. Tudo tão anterior a essa expressão hoje corrente, "regulação emocional". É triste que demoremos tanto a entender, e que esquecer seja tão fácil.

(Eu ainda preciso, mas não vou implorar. O amor não pode ser incondicional - por essa brecha perigosa esgueira-se a violência reprimida, essa que eu me recuso a continuar a aceitar.)

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