terça-feira, 27 de outubro de 2009

A via-crucis da persona;

E hoje tinha tudo para ser um dia tristíssimo. Cinzento, de fato - como ontem eu escrevi em caneta hidrocor cinza no meu caderno de mágoas. Hoje era para chover lágrimas e sangue cinzentos - mas apenas choveu pela manhã, enquanto eu dormia. Chuva limpa e clara, que eu nem vi. Apenas ouvi, apenas senti.
Hoje eu dormi pela manhã, não fui à aula - não me deixaram ir. Fui condenada à prisão, por hoje. É que ontem cometi um crime, e tudo bem, deixa que eles me deem a punição que bem entendem; eu sei que não entendo nada, mesmo. Hoje o dia tinha tudo para ser tristíssimo e monótono.

Mas dormi até tarde, comi meu chocolate favorito e o correio me trouxe livros da Clarice. Então entendi ainda menos a vida. Era para eu ser a mais sofrida e condenada das criaturas, eu que fui uma criminosa. Mas deixaram-me em paz, e eu pude ler e comer chocolate. Isso é tão raro! E isso é bizarro, estranho demais.

E parece-me que tudo se ilumina, então. O prazer é só para me enganar. O sofrimento real está para vir daqui a pouco, e eu vou me arrepender amargamente por ter pensado que não passaria pela via-crucis para pagar pelo meu crime não intencional. Que assim seja, então. Acho que não tenho que me preocupar com o entendimento de nada. Disseram-me que não dá para entender tudo, e eu estou com real preguiça de entender o mínimo que seja. Nada adianta, mesmo.

E deixe-me estar nessa letargia da consciência. O dia era para ser triste, está bom mas é completamente imprevisível - bem como toda a vida. A minha consciência não vai conseguir exercer papel algum neste momento.


[...]


Descobri, enfim, o início do sofrimento. Que o destino saiba, eu não estou achando a menor graça nessa desgraça a que ele me está submetendo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Because I want you ~ but now it's raining!


Lá fora chovia o mundo e eu estava lá dentro, dos cobertores e de mim mesma. Havia acabado de acordar... E quase dormia de novo. Mas a chuva forte não deixava, não me deixava... E por que havia eu de me preocupar com isso?
De repente senti algo na garganta, que tanto podia ser um suspiro aflito ou um grito reprimido. De onde veio, isso eu não sei. Gritar seria tão vão, dado que ninguém me poderia escutar! E porque eu quereria suspirar? Há tanto tempo já não sei o que é um suspiro verdadeiro...
Agitei-me, e o sono foi embora.
"Como será que ele está?" - uma voz mental me sussurrou...
Então lembrei-me de uma voz real a me dizer coisas loucas, certas verdades cruéis e umas palavras de gracejo e de afeto. Lembrei... De algo que não me deveria lembrar. Porque isso certamente suscitaria suspiros... E ainda tenho medo de que meu peito, deveras fragilizado, se rasgue ao ser arrebatado por emoções muito fortes.
Mas o coração doeu e minha garganta foi tomada por um nó indissolúvel. Droga. As emoções fortes parecem querer me dominar de novo.
Comecei a imaginar.. E então fui longe. Longe demais para que eu conseguisse me reencontrar instantaneamente - para que conseguisse me reencontrar, na verdade. Percebi que não quero mais ir sozinha nessa jornada. Então descobri o porquê desse nó estranho, soube por que me preocupava com a chuva.
Eu não quero... não quero que ele se aflija por nada. Nem por uma simples chuva.


[...]

Mas acho que ainda me falta [muita] coragem.

- Fica essa frase para deixar a incógnita pairando no ar. Dê a ela o sentido que quiser.
Beijos.

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[69]

"Chove muito, mais, sempre mais... Há como que uma coisa que vai desabar no exterior negro...
Todo o amontoado irregular e montanhoso da cidade parece-me hoje uma planície, uma planície de chuva. Por onde quer que alongue os olhos tudo é cor de chuva, negro pálido. Tenho sensações estranhas, todas elas frias. Ora me parece que a paisagem essencial é bruma, e que as casas são a bruma que a vela.
Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me de dentro. Numa névoa de intuição, sinto-me, matéria morta, caído na chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração atual."

Fernando Pessoa [Bernardo Soares] ~Do Livro do Desassossego.

domingo, 11 de outubro de 2009

Remember me, special needs.




"Você poderia me encontrar?"
E assim eu começo uma história.
Um diálogo, talvez. Um pedido,
Algo assim, tão profundo, doído,
Tão múltiplo em suas intenções,
Tão claro em seus significados...

Encontre-me. Fisicamente?
Um abraço talvez; um conforto
Caloroso, unicamente,
Desprovido de maiores consolos.

Mas não. Não apenas.
É um encontro diferente. Encontre-me
Sentimentalmente...
Caída, assim, no meio
Das folhas secas dos seus antigos sentires...

Encontre-me cristalizada, reservada
Em um casulo de saudade
Em meio à densa mata dos seus pensamentos...

Ou talvez encontre-me por mim, faça-me
Essa gentileza ilimitada.
Ajude-me a reencontrar uma vida
Que fugiu do meu alcance,
Que sempre se esgueira para tão longe...
Encontre meus passos na estrada esquecida,
Ajude-me a achar a lembrança
De uma aventura vivida...

Encontre-me nas suas mãos,
Busque em sua memória táctil:
Meus dedos enlaçados aos seus,
Nossa caminhada despreocupada,
Jornada livre dentro da madrugada...
Seus braços envolvendo meu trêmulo corpo
Deleite sublime na antítese dos sentidos.

Encontre-me objetivamente.
Veja meus olhos brilhantes,
Lacrimantes, expressivos,
Vazios de saudade,
Cheios de emoção,
Encarando a sua face, tão plena
De comoção e espanto...

Veja meus passos vacilantes
Buscando o mesmo espaço físico
Onde você se encontra...
Veja o meu cambalear semi-heroico
Na busca do nosso compromisso marcado.

Ou encontre-me subjetivamente,
Sonhadoramente reticente,
Num momento louco em que eu esteja
Imaginando que pode haver encontro
De almas irmãs, esperando pela comunhão
De corpo e alma - fatigados da procura...

Encontre-me em minhas longas frases,
Nesses meus lapsos de loucura,
Ou no horror da minha lucidez...

Encontre-me na minha tentativa de poesia;
Estou aqui, tão escondida,
Mas ainda assim tão bem descrita!
Basta que você queira me encontrar...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Do não saber sentir e outras complicações vitais;






"Ai meu coração que não entende
O compasso do meu pensamento...
O pensamento se protege
E o coração se entrega inteiro sem razão!

Se o pensamento foge dela,
O coração a busca, aflito...
E o corpo todo sai tremendo,
Massacrado e ferido do conflito..."







Ando buscando o apoio de outros autores para me definir. Não sei que absurdo e cruel monstro irreal me roubou a capacidade de fazer meus sentimentos vibrarem em palavras. Isso é de tal forma maléfico que me sinto sufocada - é como se me tivessem prendido os pulmões, e o ar apenas entra, entra, e não circula. Não consigo externar as palavras, apenas absorvê-las. Isso é preocupante.
Porém, uma força da necessidade - sempre baseada em dúvidas ou sentires de certa melancolia - me obriga a me manifestar. Até porque sei quem espera por isso, e desta maneira talvez eu consiga ser mais clara acerca de meus medos e anseios. Talvez. Na verdade, acho que eu devia desistir desse específico intento...

[...]

Os deuses me perdoam, mas eu ainda não aprendi a me perdoar.

A conflitante relação sentimento - razão me espreita,
Novamente, cruelmente, silenciosamente,
E eu a percebo. Tão clara e tão real
Quanto eu não pensei que voltaria a perceber.
Defino-a assim com ares de tragédia, de maldição,
Porque sempre, sempre caio em sua contraditória rede
E, inexplicavelmente, consigo me auto-flagelar
A todo simples momento.
Não há como não encontrar em mim
Um erro, um defeito, uma falta, uma negligência
- Para comigo e para com os deuses -
Quando me proponho a lidar diretamente com sentimento e razão.
Daí veio a minha temporária desistência do sentir,
Mas eu sou fraca demais para tentar me suprir dessa nulidade
Que para mim não possui outro nome, senão não-emoção [que também é não-razão].
Tudo isso, todas essas palavras loucas e desconexas
Para poder dizer aquilo que me aborrece
E me cansa profundamente: culpa.
Sensação que não deveria existir, decerto;
Mas, o que se há de fazer?
Eu não sei sentir, eu não aprendi a sentir
Com toda a serenidade possível.
E talvez soe hipócrita
Todo esse meu implícito discurso pseudo-moralista
[Encontrado apenas no requinte de uma certa reflexão].
Talvez meus atos destoem daquilo que tento dizer.
Que seja. Eu não posso querer me preocupar
Com ainda mais coisas, coisas que não dizem respeito
Ao problema fundamental.

Preocupo-me com a dor, velha amiga das horas mortas.
Ela é o fruto dessa contradição que me aperta o peito.
Preocupo-me com ela, sob quais aspectos
Ela me há de aparecer quando eu novamente me propuser
À corajosa empreitada de encarar sentimentos e razão.
Mais uma decepção? Mais uma desilusão?
Mais alguém para me fazer padecer
Porque sou deveras inábil ao tentar fazer-me entender?
A dor da falta de compreensão,
A dor da falta de sintonia,
A dor da minha falta em relação ao que eu acredito.
Fraqueza, fraqueza, fraqueza.
A minha fraqueza há de, sempre, trazer-me a dor.

E o medo. O medo de sucumbir,
O medo de me permitir errar além da conta,
Além do que é basicamente permitido.
Medo de estar me arriscando ainda mais
Em algo que já é fundamentalmente arriscado.
Medo de não ser suficiente e minimamente forte
Para arcar com as consequências dos meus atos.
Medo de sentir, na verdade - porque eu não sei sentir;
Medo infantil, em inocência de quem se lança a algo que ignora.
Medo de não ser quem sou, de esquecer quem eu sou
[Mas quem eu sou, de fato?].
Medo de permitir que sentimentos traiçoeiros me roubem os últimos traços de bom senso que eu ainda possuo.
Medo do que é externo. Medo do que, internamente, eu não sei reconhecer.

Mas o que esperar de tudo isso
- Que é vida, afinal -
Além de que ela ocorra da melhor maneira possível?
O que esperar da vida,
Além de que ela, se aparentemente cruel, me faça aprender
E, se aparentemente alegre, me faça ser feliz?
Não que eu precise chegar à beira do abismo
Para provar a mim mesma que é possível morrer...
Não que não seja necessária a cautela
- Essa da qual eu uso largamente, ou ao menos tento.

Mas...
É esse o problema fundamental.
Encontrar na contraditória relação
O equilíbrio básico
Que me faça viver, aprender,
E, acima de tudo,
Ser feliz e fazer a felicidade dos que me rodeiam.
Viver a vida com leveza... Uma árdua tarefa
À minha complicada maneira de encarar a vida.
Espero aprender, contudo, a agir e sentir,
E finalmente ter a paz de espírito que tanto prezo
Para todas as mínimas situações da existência.








[Uma última constatação: vê como sou absurda. Vê como sou absurda, simplesmente. Acho que não consigo especificar mais o meu aviso.]




Na verdade, na verdade..
Tenho medo de que não gostem de mim pelo que eu verdadeiramente sou.
Tenho medo de que a necessidade da sensação se sobreponha à naturalidade do sentir.
Tenho medo de ser vítima dos vícios, da falta de profundidade dos sentimentos.
Entende? É disso que eu tenho medo.
Isso é o que me preocupa, e complica a minha vida.




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