quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Inefável;


Deitada à rede dos meus mágicos cansaços, fico pensando, remoendo, esmiuçando aquelas palavras deliciosas que hoje você me disse. A música, ligada ao meu pé, dançando em meus ouvidos, faz com que meus sentidos adormeçam, e as sensações se potencializem; chego a um estado tal de imersão na inconsciência que já não sei o que é real, o que é devaneio. Guiada apenas pela dourada corrente das lembranças, vou mais fundo, sempre, para chegar ao coração do significado no nosso querido diálogo. As sombras difusas ao meu redor não me tentam - estou firme e feliz, navegando na magnífica embarcação que suas palavras construíram no mar dos meus delírios pueris.

O mar não é revolto nem calmo - tem um tipo de vida muito peculiar, muito intenso e colorido, que fica ainda mais diverso a cada sentença com que sou, por você, presenteada. Minha imaginação cria asas vigorosas, brilhantes e coloridas, a cada sorriso que os meus lábios esboçam em reação às suas palavras. De repente, borboletas e flores começam a cair, levemente, das brancas nuvens... São pedaços da felicidade que, aos poucos, se depositam sobre mim, dando-me cores e perfumes que elevam minha alma a um estado de total repouso, uma sensação da mais leve flutuação - como se a matéria desaparecesse. Como se tudo fosse vento, brisa e bruma, como se as formas fossem abstratas, sublimes, e não mais pertencessem ao feio plano das coisas concretas.

A embarcação... Poesia feita de segurança, de cuidado. Os delírios doentios estão me rodeando, como tubarões famintos de tristeza - mas tenho a proteção dos seus nobres sentimentos, de toda a verdade com que você me inspira a abandonar os vícios.

Mas meu guia, a corrente da sua poesia, faz voltas e mais voltas, e me deixa um tanto quanto confusa, apesar de eu me sentir firme. Quero respirar a essência dos seus sentimentos, e para isso preciso arriscar-me em um caminho que não é apenas de meu auto-conhecimento, mas da contemplação do que você verdadeiramente é: uma incógnita, um labirinto, tão doce e tão complexo...

Não me julgue pelo imensurável carinho que tenho por você, meu raro tesouro. Brinco com a curiosidade que você me desperta, e quero realmente desvendar alguns desses véus de mistério com os quais você se guarda, mas não há mais grata sensação do que a felicidade que a sua existência faz vibrar em mim. Palavras doces e amenas nos hão de nutrir as esperanças de que os laços que nos unem sejam eternos.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O céu e o mar;


Pergunta-me: como você gosta de mim?
Como assim? De que maneira?
E eu... Eu sou uma tola sonhadora.
Eu gosto de você... Talvez assim:

Gosto de você como o mar gosta do céu.
No horizonte, nossas cores se confundem,
Vivemos em plena e constante convivência,
Vivemos entrelaçados pela poesia d'outras eras.

Pela contemplação externa, às vezes somos um:
Muitos nos enxergam assim, sempre tão unidos,
Tão indistintos, tão inexoravelmente inseparáveis...
Eternos amantes, misteriosamente completos.

E eu gosto de você assim - é assim que,
Infelizmente, apenas aparentamos ser.
Deixe-me explicar, com toda a dor do mar,
A maneira como nós realmente somos.

Você é o céu. Infinita abstração azul.
Uma idéia magnífica e confusa,
Que escapa ao meu pequeno entendimento.
Você é o céu, tão distante, tão eterno...

E eu sou o mar. Volúvel, concreto,
Inquieto, inconstante, desajeitado
Em toda a minha aparente proporção.
Eu sou o mar, tão físico, tão efêmero...

Na verdade, o mar sempre vê o céu
Na admiração de quem olha para cima
E vê um deus. Enamora-se de algo
Que é simplesmente intocável, surreal.

O céu vê o mar com caridosa dolência
De quem compreende o fascínio que
A imensidade sagrada exerce
Sobre aquelas inconstantes águas.

O mar reflete em sua mineral transparência
A sublime cor que o céu emana. Com isso
Manifesta seu profundo desejo de integrar-se
Àquela idéia que tanto ama e admira.

O céu apenas vê, e se deixa sorrir
Pela ingenuidade daquela criança
Que não reconhece a real dimensão
E a real importância de si e do universo.

Veja como são distintos o céu e o mar!
Por mais que em sonhos eles sejam
Os eternos amantes imortalizados
Pela poesia das outras distantes eras,

[Por mais que o mar tenha um pouco do céu,
E o céu, um pouco do mar,]

Na verdade são assim, inegavelmente distintos;
Não só pela sua composição física,
Não só pelas características de suas matérias,
Mas por suas idéias, tão opostas, tão imiscíveis.

O céu é sagrado, é elevado, sublime e abstrato.
Jamais toca a terra, porque ele abrange
Não só a terra, o mar, ou qualquer outro seu amante.
Ele é infinito, complexo, e contém todo o Universo.

O mar... É a síntese da ingenuidade do ser concreto,
Que traz em seu âmago a perdição ou a vida
De outros seres menores que por ele se arriscam,
Mas que, profundamente, sonha com o inimaginável.

Céu e mar não se tocam, não se encontram.
Se vêem e se contemplam, mas estão fadados
À eterna e irrevogável separação; pertencem
A diferentes planos, têm diferentes manifestações.

O mar desconfia da sua condição.
Sabe que é pequeno e profano,
Mas arrisca-se no anseio de seu sonho:
Em pequenos fragmentos, projeta-se ao céu.

O céu, por pena ou caridade,
Recebe os fragmentos dos sonhos
Daquele que tanto o ama; porém,
Quando dele se cansa, ou se aborrece,


Lança a cruel chuva, para que o mar se lembre de que há intransponíveis limites entre o sonho e a realidade, entre o possível e o impossível, e que jamais há de recebê-lo em si, porque suas essências são distintas, e nada poderá fazê-los vibrar da mesma maneira.


A chuva é amena e reconfortante para o céu,
Significa alívio, leveza, solidão...

A chuva é amarga e torturante para o mar,
Significa dor, tristeza, desilusão...

domingo, 14 de dezembro de 2008

O carvalho da ilusão - a Augusto dos Anjos;


Das minhas certezas... Ora! Nunca me foi dado o luxo de ter certezas..
Quanto mais agora. Como me perguntas de objetividades,
Se minh'alma sucumbe pelas transações sentimentais
A que meu ressequido coração anda inadequadamente submetido?

Pego um fósforo, mas não acendo um cigarro. Antes quis
Abandonar o fogo a meu redor, e assistir as flamas purificantes
Consumindo ardentemente a vil matéria. Nunca mais haverá
Bocas que beijam ou escarram, ou mãos que afagam ou apedrejam.

Consumam-se, vícios do corpo, doenças do mundo!
Consuma-se, matéria perdida, que nos conduz ao abismo
Da crueldade, da infâmia, da ignorância e da descrença!
Leve-me contigo, fogo sagrado... Minh'alma há de estar intacta.

De tanto não mais suportar as variações desse mundo concreto,
Pego a raiz dos erros humanos e, com vigorosos golpes,
Deito o imenso carvalho da ilusão ao chão. A terra,
Piedosa mãe, nos há de absorver e reconstruir em nova Harmonia.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

My angel of music..

Sonho com sua voz cantando, sutilmente, as cantigas ancestrais que incitam o vibrar calmo de minha alma. Nesse sonho, mergulho em águas profundas e pacíficas, e me deixo desaparecer, flutuando nas leves correntes que me conduzem aos abismos perdidos. Sua alma, o mais profundo e perdido abismo. É lá o reino mágico onde quero chegar, e nunca mais de lá sair.

Na minha jornada de sonhos, anseios, desejos vãos e tentativas frustradas, encontro com meus medos, os monstros que me assombram cruelmente. A insegurança me segura os pés, e não me permite seguir em frente... Fico no limiar do sonho alcançado, e todos os vícios ainda me prendem ao terrível mundo que quero, desesperadamente, deixar para trás.


Mas sua voz... "Veludo raro a acariciar meus sentidos". Sua música, essência de sua alma, pequena centelha de toda a luz que você contém... Sua voz é uma estrela pequenina, de um brilho azul e puro, revigorantemente belo. O encanto que vem das notas musicais que você profere, tão seguro e tão surreal, é a razão da força que tento retirar do fundo de minha alma adormecida. O bálsamo que me é oferecido aos sentidos permite-me tentar quebrar as correntes, e mergulhar ainda mais fundo, mais fundo. Esquecer a ilusória luz do dia para encontrar a nascente da vida manifestada mais sagrada que pode existir - você. Mergulharei, profunda e incessantemente, até encontrar com o seu verdadeiro ser. Todo o restante pode ficar para trás, pois eu já terei encontrado o motivo para a minha - antes tão vil - existência.







[...]

domingo, 30 de novembro de 2008

Nostalgia;

O passado e o futuro, duas névoas de cores e perfumes distintos, inebriantes... Confundem os sentidos, e misturam-se como dois amantes, pairando levemente sobre a nossa mente. Tudo o que não podemos alcançar; nem passado, nem futuro. Respiramo-los, e apenas; eles nos escapam do toque concreto. Incitam nossos delírios, mas são cruelmente irreais.

Lembranças e planos. Despertam e entorpecem corpo e alma; envenenam a razão, e a emoção fica livre em seus devaneios, completamente aberta aos golpes da melancolia – nostálgicos sentires. É possível, e tão fácil, ter saudades das lindas lembranças... E o futuro, também não nos provoca saudade?

Sonha-se tanto com determinado objetivo, alguns planos nos são tão antigos que já se entranharam em nossa alma; são partes de nós. Por mais que nunca se houvessem concretizado, viraram lembrança tão tangível que é quase impossível negar que haja uma “nostalgia pelo futuro”. Desejo irremediável, do qual jamais desistiremos. É essa a névoa composta pelas cores e sabores que se confundem. No fim, tudo é um sonho único. Sonhar é o que desfaz todas as vãs tentativas de classificar a passagem do tempo. Sonhar é a única explicação para as asas que criamos, que nos levam além de qualquer racionalidade ligada à matéria.


E depois dos magníficos vôos, pousamos e repousamos. Então vem aquela sensação que dói no peito, que grita na alma, que comprime a mente e enregela as asas. Aquela sensação de impotência perante a névoa que se forma sobre a mente, e que se expande para todo o arredor. É a vontade de conter nas mãos do presente algo fantasmagórico, irreal, que pertence a outra dimensão, a outro padrão de existência. Nostalgia. Saudade dolorida. Nada mais deliciosamente cruel, nada mais contraditoriamente reconfortante.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O fim; [?]

Estabelece-se o acordo tácito e irrevogável entre minha emoção e o extremo de minha razão; basta.
Minha consciência já não participa das decisões do submundo de meu inconsciente,
E assim permaneço: à mercê das variações de tudo o que eu não posso decidir,
Caminhando perdida entre os mistérios dos meus pensamentos.

Há palavras e mais palavras que nada dizem,
Verborragia completa para disfarçar o meu desespero.
Vocábulos falhos, instintivos e totalmente arrogantes,
Tentam traduzir, em vão, a essência da tormenta que me assola.

Sinto-me trêmula pelo impulso incontrolável de descrever, sem pausas ou poesia,
Essas percepções que cismam em firmarem-se racionalmente em meus dedos.
Desferindo golpes precisos no teclado, vejo minha loucura concretizada,
E leio, maquinalmente, sensações que me são vagamente familiares.

Pois que tudo se tornou, do que era minha paixão literária,
O fruto da automatização do meu estro;
Perdi todo o meu lirismo para o tentador lado pragmático e seco da vida.
Sim, confesso, perdi toda a sensibilidade. Não há mais nada natural em mim.

Ao meu [inexistente] redentor;

Entre devagar, pise calmamente...
Não há pressa em desvendar o mistério.
Ande devagar, a porta está aberta,
Limpe seus pés, esqueça do que há lá fora.

Vislumbre com cuidado o mundo adormecido
Que se abre, secretamente, à sua frente.
Silêncio... Não deixe que sequer um ruído
Se precipite em despertar o coração ferido...

Entre no mundo maculado, cheio de dor,
Em que se transmutou a minha alma.
Entre com calma, não se aflija,
Aqui o chamei porque tenho um pedido a fazer.

Recolha os movimentos bruscos, pare-os,
Cuide para que tudo seja leve e pacífico...
Por favor, peço-lhe tamanho cuidado,
Pois qualquer outra dor me seria insustentável.

Aqui o chamei, mago querido,
E este é o meu pedido: ajude-me.
Vê este mundo silencioso e triste?
Minh’alma não foi sempre assim,

E não quero, mais, ficar adormecida
Em toda a dolorida frieza de meu exílio...
Quero respirar, quero novamente ver as cores,
Quero redescobrir os sabores antigos...

Mas estou tão fechada, tão perdida!
Abri as portas de meu ser para você
Pois sei da cura que a sua doçura traz.
Mago querido, sei do amor que sua alma encerra...

Pedi que, com suavidade, desvendasse
Os tortuosos caminhos que conduzem
Ao coração de minha dor. Suas mãos,
Imaculadas e nobres, hão de ser meu milagre.

Mago querido, acalme-se, sente-se aqui.
Permaneça em mim, cuide de minhas dores,
Faça com que meus pulsantes ferimentos
Cicatrizem, finalmente se fechem...

Seque as cascatas de minhas lágrimas
Que correm, tão desesperadoramente ininterruptas...
Espalhe por sobre o chão sementes de paz,
E cubra-as, cuidadosamente, com nuvens de algodão.

Aceite meu humilde pedido, importe-se comigo;
Você é minha luz e esperança.
As lembranças do mundo antigo, pleno e feliz,
Estão, para mim, todas em você.

Você foi e ainda é a minha cura,
Minha chance de reerguer os olhos
E contemplar, sem temer, o horizonte...

Convidei-o ao meu mistério, a você fiz uma prece;
Rezei baixinho, silenciosa, comovida,
De braços abertos, esperando minha redenção.



{Seus olhos brilhantes recriam, em mim,
Toda a vontade de sonhar
Com a reconstrução de minha alma dilacerada.
Sempre serei a você, de todas as vis mortais, a mais grata.}

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Leia apenas se tiver plena certeza do que está fazendo; não recomendo esses meus devaneios a ninguém.

Às vezes é só tristeza, mas dessa vez está doendo de verdade. Dessa vez eu tive real vontade de me acabar: em lágrimas, em gritos, em um mau humor intransponível, em um desespero mudo, em um imenso descaso para com as minhas responsabilidades, em uma absoluta indiferença por tudo o que é vivo. Dessa vez eu quis desaparecer por completo, desfazer-me como vapor que se dissolve na atmosfera; não deixar um rastro sequer, uma sombra sequer, qualquer vestígio que lembre aos que respiram a minha infame existência.
Às vezes é depressão, doença que se cura com remédios como qualquer outra. Como essa maldita doença que me tira o ar; asma. Mas eu sempre tive asma, eu nunca respirei. Meu corpo e minha alma nunca respiraram, verdadeiramente. Sufocada, sempre, pela asma do corpo e da alma; completamente sem remédio. Igual a essa minha depressão, a qual a impiedade chamou ‘conveniente’ – eu não tenho remédio algum. Não me deixam querer ter remédios concretos e, imagine, eu estou recusando os remédios imateriais. Pura burrice minha. Pura intransigência, ignorância, mau humor genuíno. Pura vontade de permanecer mal, porque isso parece bonito. Porque, talvez, as pessoas parem de rir da minha cara de idiota boazinha.
No mais, creio querer morrer, ainda. Mas isso vai passar, porque eu sei que estou com os meus instintos descontrolados.
E eu escrevo essas linhas apertadas em letras mínimas, todas tímidas, amedrontadas, porque elas concretizam o meu estado de espírito. Diminuto, pequeno, acuado. Completamente covarde.
Não quero que ninguém entenda minhas elucubrações perdidas. Na verdade, nem sei o porquê de estar escrevendo; não quero que ninguém se infecte com essa maldição que se derramou sobre mim. Mas dói, e guardar a dor está mais do que insustentável.

Noite horrenda, amaldiçoada seja! Foi ela que desencadeou todo o meu processo de martírio, desde a imersão no submundo da personalidade das pessoas até a afronta que fiz aos que me amam. Uma coisa está diretamente ligada à outra, enfim.
O cheiro doce e sufocante do cigarro ainda está entranhado nas minhas narinas e nas roupas que, por hora, não consegui lavar secretamente. Esse cheiro, inebriante e insuportável, conseguiu fazer com que a minha falta de ar e de lucidez se agravassem; eu estou doente, de corpo e alma, por tudo o que ele representa, concretamente ou não.
As pessoas se acabando ao meu redor me fizeram ainda mais debilitada. Os dementes que me roubavam os insensatos argumentos noturnos sugaram minhas energias escassas. Aquele que não faz idéia alguma de mim [e que me confessou isso com os requintes da mais inimaginável crueldade] está feliz, e eu estou triste. Mas nem é isso que acaba comigo. Na verdade, eu quero mais é que ele se consuma naquela vida medíocre que leva. Engraçado, eu até tinha algum apreço por ele. Nem sei mais o que é que ele me desperta. Mas isso não vem ao caso, enfim. Eu estou em uma profunda repulsa das pessoas, de maneira geral. Eu não quero sair de casa, eu não quero sair da cama, eu não quero que meu corpo esteja desperto. Eu só quero dormir, dormir, e conto as horas para que as noites de sono cheguem logo. E cada segundo se arrasta, e eu estou numa enorme impaciência perante a vida e um imensurável desespero de permanecer pseudo-respirando. Não posso acabar com isso de uma vez? Dê-me um cigarro para que eu o fume compulsivamente, e outro e mais outro, e me deixe acabar logo com essa tortura de existir na concretização da vil matéria.
E não é só isso. Não são só as pessoas que me ignoram; há também as pessoas que me incomodaram. Os beijos inconvenientes que ainda me ferem os lábios, os braços que me puxaram para um enlace que eu rejeito, abomino, tenho verdadeiro asco; tudo ainda me envergonha, me deixa constrita na lembrança que eu quero apagar e que me aperta, mais e mais, e me envolve com inúmeros tentáculos. Não estou mais conseguindo reagir com a minha indiferença impaciente. E ninguém sequer pensa na minha existência. Foda-se, eu não quero pensar na existência de ninguém, também. Eu não quero pensar em nada.
E ainda tenho, também, a terrível recordação de meus irmãos e minha mãe, sentados à minha frente, ouvindo os meus lamentos, os meus gritos, a minha irracionalidade, o meu absoluto desespero sem fundamentos, os meus julgamentos indignos, a minha aspereza e o meu rigor. Eu sou uma estúpida completa. Acabei-me em lágrimas ridículas, e me sinto agredida por mim mesma. Sinto-me imutavelmente inerte, como se todo o mundo houvesse despencado sobre mim e me impossibilitasse de mover-me por conta própria – eternamente. Todo o peso do mundo falho e inconstante da minha personalidade esmagou os meus sentidos, destruiu-os, e eu não vou me recuperar jamais. Mas a verdade é que eu mereço tudo isso. Eu mereço ser castigada com as palavras mais cruéis, com os golpes mais baixos, porque eu sou medíocre e cruel.
E eu vou fazer drama, sim, e não estou preocupada com nada porque, FODA-SE, eu não vou pensar em mais nada agora. Eu vou ser egoísta a meu bel-prazer, e vou fazer todo o drama que existir porque não dá para ser trágica, porque eu não sei ser ainda mais trágica, porque eu sou uma pretensiosa que acha que tem capacidade de traduzir sentimentos por palavras, mas isso é pura arrogância minha. Porque eu sou incapaz em tudo o que há na vida, completa e plenamente incapaz, e essa é a minha verdade incontestável.

A quem leu isso, perdoe-me. Eu fui extremamente estúpida – mais uma vez. É que eu não podia guardar todo esse sentimento ruim em mim, por mais que isso não seja uma desculpa para ser tão ignorante e indelicada.
É que a minha alma está muito triste. Pelos últimos acontecimentos – agressões massivas a ela – e por aquela outra angústia, indizível sentir.
Por carência minha - ou não - eu preciso de um abraço. De uma palavra amena. De algo que me faça esquecer a terrível condição em que me encontro. Algo que me faça, mais uma vez, despertar a alma. Porque minhas defesas foram – e estão sendo – impiedosamente atacadas. Eu estou fraquíssima. E eu pensei estar mudando. Infelizmente, as coisas não são como a gente espera; é o que dizem. Fique com a frase clichê para terminar. Eu não sou capaz de ir muito além disso.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

.

Sinto um ponto de angústia. Bem aqui, perto do peito, meio próximo ao coração. É algo tão físico, tão concreto, que se eu pressionar esse ponto sinto dor. E é uma dor bem forte; alojou-se ali e concentrou-se e não pára de se tornar mais denso, mais denso e mais profundo. Como um tumor invisível aos olhos e às medidas médicas, mas extremamente real e dolorido para mim.

Não sei o que é que alimenta essa angústia. Pois que o ódio que eu sinto de muitas coisas da vida não é capaz de me deixar doente; no fundo, sei que não odeio. Tenho um amor imenso e uma compaixão desmedida pelas coisas que me matam. Porque, no fundo, sei que sou mais forte do que muitas dessas mediocridades da vida.

Mas esse ponto cresce, e se transforma em algo mais e mais dolorido a cada dia. Não sei se há algum tipo de expansão, mas sinto que meu coração está sendo afetado, de alguma forma, por essa coisa indefinida. “Coisa” é uma palavra suficientemente vaga para expressar meu grau de confusão e inconsciência perante a real natureza desse sentimento.

Pense em um buraco negro. Daqueles bem terríveis. Pois então, minha mente já foi absorvida pelo projeto de buraco negro que está se formando em meu peito. Contraditoriamente, meu coração, que está mais próximo da dor, ainda não foi completamente afetado por ela. Parece-me que esse meu potencial para amar, independentemente das circunstâncias, tornou-se uma defesa minha, sistema imunológico dos meus sentimentos. Meus pensamentos, no entanto, já estão perdidos. E não sei se há muitas chances de recuperá-los.

Há ainda a minha capacidade de me desprender do meu corpo. Mas já não consigo analisar racionalmente o que minha alma vê. Sinto que estou tão desfigurada, que não posso mais me reconhecer. É uma tristeza insana que me distorce o semblante. Minha alma, porém, não está distorcida – ainda. E espero que nunca esteja.

[...]

Indiferença. Isso é o que está me matando.

Talvez carência, mas não de maneira mórbida e obsessiva.

É que eu queria que alguém cuidasse de mim. Mas eu olho pros lados, e estão todos muito ocupados com seus próprios problemas e com milhares de problemas dos outros.

Talvez pensem, “ela é forte, sabe se cuidar”. Eu pensava isso. Eu pensei não precisar de ninguém.

Mas é que as pessoas que eu pensei que me amariam incondicionalmente estão virando as costas e se recusando a ver a minha decadência. Ocupados demais.

Ninguém quer me ver, tentar transpor a barreira da minha nulidade e me resgatar de toda essa indiferença que me apaga do mundo.

Eu sou um fantasma nessa vida. Um fantasma que ama o mundo todo, e que ninguém vê.

Não que eu queria retribuição pelo amor que eu tenho e dedico. Não é disso que eu preciso.

Eu só queria alguém que cuidasse de mim, porque eu não quero ser sozinha. Eu não gosto de ser sozinha; ninguém gosta. Isso não é natural.

Mas tudo me impele a ser sozinha, e descrente da reciprocidade dos meus sentimentos mais nobres.

Minha luz está se apagando, cada vez mais... Sou um brilho trêmulo e vago no meio da escuridão da indiferença. Os ventos estão soprando fortemente. Não sei até quando agüentarei. Abraçarei logo a tempestade, e me farei eternamente fria. Gélida e cinzenta. Como os olhares que me recepcionam toda vez que busco ajuda alheia.

Ah! Isso está me doendo tanto, tanto...

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Another madness' face;

Deixas-me consternada - eu, que já não sei de mais nada!
Eu, aqui no mundo jogada,
Concebida sem a piedade do pensar,
Fruto falho da paixão irrefreável,
Desmedida e inconseqüente...

Deixas-me consternada, querido maldito,
Pois que ao pensar em ti,
Navego por mares revoltos,
Danço em ritmos tão hostis...
Meus pés pisam pedras e dores,
Eu, que já sou tão só, tão perdida,
Sou ainda mais tão abjeta, por ti...
Eu, filha da dor, da paixão e da indiferença.


Deixas-me ainda mais tão louca, querido maldito...
Pois sonho contigo, e desejo ser mais fraca,
Vil e amaldiçoada...
Meus lábios beijam lágrimas noturnas,
Sons confusos entorpecem-me os sentidos...
O vento abraça-me no seu alento
Confuso, inconstante e volúvel...

Permito-me ser embalada por essas variações.
Tu me deixas assim, além da razão,
Aquém da emoção,
Em um estado ininteligível,
Inenarrável e, principalmente,
Insuportável;

Esse é meu fardo bendito, que carrego
Com um orgulho de mártir condenada,
Que mais se redime dos pecados
À medida em que a cruz se faz mais pesada.

Deixas-me abaixo de qualquer expectativa,
Além de qualquer compreensão humana.
Sou a encarnação da desdita,
A síntese do amor perdido,
Braços frios e trêmulos,
Sedentos de calor,
Que almejam tudo e alcançam o nada...

Querido maldito, és meu deus e perdição.


segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Fragmento de uma reflexão feita em um dia que choveu e que eu me recusei a ver a chuva.


O que mais me assusta na minha condição atual é a extrema lucidez com que avalio minhas tristezas e dores. Isso deve ser um grau de loucura, talvez.
Não que eu não as sinta. É que elas já são parte de mim de tal maneira que aprendi a entendê-las com uma visão distinta, separada. Elas não são mais apenas emoções - são sentimentos inerentes a mim, os quais eu criei e dei certa independência. São como filhas, as quais eu compreendo em sua fase de expansão e tomada de consciência própria. Tem uma concretização um tanto quanto incomum; alguns podem achar isso ruim. Eu acho, no mínimo, confuso.


Puríssimo racionalismo da minha parte, algo que realmente não me caracterizava. Mas eu sempre tive um excesso de sentimentalismo; sem saber o que fazer com ele - por não ter nenhuma possibilidade de libertá-lo -, fui perscrutá-lo, dissecá-lo, conhecê-lo profundamente em suas misteriosas entranhas. Então, comecei a enxergá-lo com outros olhos, olhos analíticos. E por mais que eu não goste muito bem do que veja - até por não entender direito - eu simplesmente não consigo livrar-me dessas correntes que me prendem ao passado. Eu consigo chorar consciente de minhas lágrimas; eu vejo que isso é irracional, como se me desprendesse do meu corpo e visse uma coisinha sórdida e ridícula derramando um pranto inexplicável. Essa sou eu, e não me reconheço. Isso é extremamente inquietante. É uma aflição que beira a interrogação sobre o infinito. Esse limite entre razão e sentimento é o meu abismo; quando consigo, agarro-me a um galho e consigo frear um pouco minha queda. Mas, no momento, estou completamente abandonada, queda-livre em direção ao nada. Não sei onde será o [meu] fim.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Hoje é dia de Cecília! :D






Timidez;




Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.


Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras distantes...

- palavras que não direi.


Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponhos vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.


E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo
até não se sabe quando...

- e um dia me acabarei.







[Cecília Meireles para os momentos mais diversos, lúcidos ou sonhadores.]
















sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Para a sua chegada;



Meu pálido rosto de monja, antes absorto no labor, desperta e emociona-se levemente por um momento – duas nascentes de rios rolam de meus olhos para desaguar em minha boca, um pacífico oceano. Vasto, profundo, de uma riquíssima fauna de sentimentos. Ligeira nostalgia brota de minha alma, para encontrar com as outras sensações e confortar-se no esquecimento mudo e misterioso. Nenhuma saudade mais poderia ter lugar em mim.

Cuido do meu templo com gestos leves, simbólicos, muito vivos; quero neles depositar todo o meu esmero para com os Deuses. Eles sabem que, em meu ritual de purificação, estou preparando-me interna e externamente para a chegada de meu irmão, minha alma conjunta. Emociono-me, pois, com a honra de poder servir àquele que me completa.

O sentir que me enevoa os olhos e se confunde em minha boca é um reflexo de toda a esperança, calma e aflita, que senti por todo o tempo em que o esperei. Silenciosa, guardei-me inteiramente para o momento em que o teria, mais uma vez, junto a mim.

Meu monge vem visitar-me, e não há nada mais revigorante do que consagrar o lar que o acolherá. Quero que ele respire livre de qualquer vibração negativa; quero que ele se sinta abraçado por todo o Universo quando estiver aqui.

Poli cada objeto para dar-lhes mais brilho; perfumei cada canto com um aroma doce e fresco, como o que a chuva dá aos campos floridos. Acendi sete velas; três no altar principal, e quatro no degrau abaixo. Em cada pequena mesa disposta pelo templo, abri tecidos alvos e acendi velas sustentadas por dourados castiçais barrocos. As cortinas estavam limpas, guardando as janelas e os adornos laterais em sua sombra azulada. Estava purificado o descanso para a sua alma.

Em um quarto à parte, preparei para ele um leito largo, todo forrado de linho branco. Ao seu pé, arranjei lírios róseos, e chinelos de algodão. Limpei cuidadosamente a lareira, e em um balde prateado deixei um pouco de lenha. Na mesa de cabeceira, uma toalha rendada pendia levemente; depositei nela uma bandeja, deixei água fresca e um copo de cristal. Na prateleira, arrumei alguns livros e um castiçal maior; com uma reverência, fechei a porta do quarto. Estava purificado o descanso para seu corpo.

Ele chegará hoje à noite. Ajoelhei-me perante o altar, e levei minhas palavras sagradas aos Deuses – roguei a eles que fizessem do nosso reencontro uma harmoniosa cerimônia. Que tudo acontecesse como fosse da divina vontade, e que esta fosse bela e justa. Emocionei-me uma vez mais; cobri meu rosto com véus fluidos e, sentando-me em meditação, aguardei pelo momento de sua chegada.

Passaram-se duas horas. Uma chuva fina começou a cair; ouvi um leve ruído vir da porta principal. Soou um sino brando, e minha alma encheu-se do mais puro júbilo – meu monge havia chegado.

Abri a porta; seus olhos brilhavam, e uma pequena lágrima desceu de seu olho direito. Enfim, juntos novamente. Reverenciamos os Deuses e, tomando suas mãos nas minhas, entramos. Fizemos uma prece, e recolhemo-nos à sala adjacente. Lá chegando, abraçamo-nos sutilmente, em um calor que anulava a densa chuva que se formara. Ele afastou com delicadeza meus véus, e encostou seus lábios frios em minha face; quando recuou, ergui minhas mãos pálidas e toquei seu rosto. Subitamente confortado, fechou seus grandes olhos azuis - pareceu-me que, naquele momento, a sala perdia um pouco de sua luz. Pedaço de céu havia naqueles olhos sagrados! Convidei-o a sentar perto da grande lareira; ele acomodou-se numa poltrona e ajoelhei-me aos seus pés, deitando minha cabeça em seu colo. Ele afagou-me cabelos com tanto cuidado que seus dedos pareciam ser feitos de água.

Reencontrados, sentimo-nos em um conforto transcendente. Eu não precisaria de qualquer outro descanso; ele estava tranqüilo e feliz ao meu lado. Por horas e horas, em silêncio, aquietamos as saudades que nos agitavam, e nem nos demos conta quando nossos corpos adormeceram. Nossas almas já estavam noutro plano, passeando pelos campos arquetípicos, respirando a Natureza ideal. Enfim, juntos novamente. Esse é o Amor que nos inspirou e que nos há de inspirar a alma, por toda a eternidade.

domingo, 19 de outubro de 2008

Satur[n]days;




Hoje chove; é um dia triste. Pesado, com um pesar infinito. Estamos em plena primavera e chove vigorosamente; isso derrota qualquer vigor humano. Acho que o Sol e os espíritos da Primavera estão adormecidos – mas isso não parece deveras estranho? O que será que as flores, ao se esconderem, querem nos revelar? Queria suas cores para colorir meu interior cinzento.


Há um vento frio, cortante, que entra pela fresta da porta e enregela meus pés. Logo eu penso no Sol que há em mim; penso em como ele deveria estar aceso, iluminando-me e aquecendo-me por dentro... Mas acho que um eclipse me acomete. Saturno está cobrindo minha fonte de energia – sinto, então, ainda mais frio. O Deus do tempo rege meus ciclos, e determina o inverno que há de acontecer em mim.


A escola literária romântica me é tão concreta que a Natureza, de fato, exprime meu estado emocional-sentimental. Se eu precisasse, nesse momento, descrever a paisagem que se abre à minha janela, retrataria um dia cinza, com uma névoa pairando no ar, daquelas que congelam todos os ânimos... Uma chuva persistente, ora forte, ora fraca, que faz com que as minhas energias oscilem de acordo com o seu movimento. Prédios apagados – artificiais. Fosse essa uma paisagem completamente natural, creio que o meu inverno seria mais brando... “Fugere Urbem.” Hei de fugir, quando estiver pronta para florescer.


Mas minha alma... Ela está incólume a essas variações literárias. Ela serve aos Deuses, e a eles obedece – por isso o seu Sol, apesar de eclipsado, permanece em um brilho latente, como uma esperança da nova primavera que virá. Deixo meus outros corpos flutuarem nessas variações do mundo manifestado, mas não ferirei minha alma com esses efeitos vãos. Honrarei os Deuses, por mais que Plutão e Saturno estejam tentando ofuscar a chama solar que me aquece. Não serão, pois, justos ao lançarem-me esse inverno compulsório?


{Logo saberei sobre os resultados dessa intervenção dos Deuses.}












~[continua.]

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Reflexões sob uma chuva de verão;


A previsibilidade é algo que já começa a me incomodar. Ora, eu não preciso ser assim, absurdamente sentimental, a todo momento... Porém, do que mais falar?

Há a vida. O amor é um dos seus componentes - o componente prioritário para mim, posso dizer, apesar de todos os contratempos pelos quais passei em função dele.

Mas há a morte, há a riqueza, a pobreza, a alma, o tempo... E os múltiplos motes que eles geram.

E dizer sobre eles é tão vão! Não posso confirmá-los profundamente em mim e expressá-los com relativa importância, porque não os vivi em seus extremos, tal como - penso que - fiz com o amor. Na verdade, não quero viver os extremos de outras coisas. Bastam-me os terrores que a exacerbação do amor gera em mim.

Mas a diversidade criativa bate à minha porta e me cobra outros dizeres. "Chega de todo esse sentimentalismo inútil", ela me diz... Com uma petulância terrível de dizer que meus escritos são inúteis! E é só porque isso fere o meu orgulho que dou atenção a essa reprimenda da Musa. Porque, bem no fundo, quase renegado, tenho um sentimento que me diz periodicamente: "você precisa sair deste caminho. A vida não é feita só do amor e suas ilusões, opostos e fracassos. Não dá para viver alimentado apenas por loucuras e obsessões."

Então acredito que há muito a ser vivido, que estou presa à sensações muito restritas e surreais. Quero me surpreender mais com a vida.

Viver não é algo completamente imprevisível?

O pensamento pode alçar vôos maiores, para além dessas divagações primárias.

Pois então, antes que eu diga mais alguma coisa, dê-me um tempo para viver.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tristeza, filha da minha alma.


Alguns dias de péssimo humor e a vontade de tomar mais uma dose de conhaque. “Pare agora”, disseram-me; mas há uma dor que pulsa. Ela vive, cresce e me domina – alguns dias de péssimo humor, eu disse. Não é só isso. São anos e mais anos de dor, e nem todo o conhaque do mundo pode entorpecer minha mente e me fazer esquecer a criatura que estou gestando como a uma criança – a tristeza. Filha da minha alma.

“Pare agora!”, disseram-me energicamente. Larguei-me em cima da mesa do bar e não vi mais nada. Sei que meus olhos estavam encharcados de lágrimas, meu corpo tremia e as imagens transformaram-se em um borrão confuso e amedrontador. Não havia mais cigarros; as garrafas estavam espalhadas pelo chão, derramando o meu remédio para matar a realidade. “Que desperdício”, pensei, um tanto quanto inconscientemente. Na verdade, eu já não sabia bem o que estava me acontecendo... “Quem vai pagar a conta?” eu perguntei para algum estranho. Ouvi uma voz acolhedora: “Não se preocupe, eu vou te levar para casa.”

“Eu não quero ser levada para casa! Deixe-me aqui, apodrecendo em meio à miséria da alma humana, deixe-me matar o restante da humanidade que há em mim!”, eu tentei gritar; só consegui balbuciar palavras sem sentido. Já estava dentro de algum carro – ou algum veículo que se movimentava rapidamente. Não estava ciente dos arredores; eu não estive ciente de nada nesses últimos tempos. Só queria morrer, mas não era suficientemente corajosa para tomar alguma atitude mais concreta.

A tristeza... Condenado fruto da união entre o Amor e a minha alma. Ela estava tomando proporções insuportáveis; sugava todas as minhas energias. Tirava-me toda a vitalidade... E como abortar esse ser? Afinal, eu não sabia se realmente queria me libertar dele – era a última ligação que eu tinha com o meu passado, minhas saudosas desventuras de outrora... Que se tornaram meu fardo maligno. Essa contradição girava na minha mente, pisando em minha racionalidade, não me deixando avaliar todos os prós, contras e afins da situação. Enquanto não me iluminava uma resolução qualquer, a tristeza crescia e eu agonizava lentamente.

Não vi os dias passarem. Três dias, para ser mais exata – foi o que ele me contou. Ele... O dono do carro e da voz acolhedora. Charles, ele se chamava. Contou-me tudo o que me havia ocorrido: o bar, as garrafas de conhaque, os cigarros, as palavras desesperadas, meu súbito desmaio, meu sono pesado, a suspeita de eu ter morrido... “Eu teria ficado grata se isso tivesse acontecido”, eu disse secamente. Ele me olhou com uns olhos chorosos, cheios de piedade e compreensão, que estavam me deixando realmente nervosa e confusa. “É hora de você ir para casa”, ele me disse, mas algo em mim gritava que eu não poderia ficar sozinha. Que algo de muito ruim iria acontecer – só uma intuição. E como há tempos eu ignoro minha intuição, resolvi me recompor; agradeci sincera e modestamente àquele a quem eu devia minha vida, virei-lhe as costas e fui embora. Ouvi-o dizer: “se precisar de mim, me procure. Você tem meu telefone na sua bolsa”, e eu o ignorei. Não sei explicar o porquê de ter agido assim. Apesar de todas as amarguras, eu nunca havia deixado de ser no mínimo educada, com quem quer que fosse. Mas eu o desprezei, com uma absurda convicção de que ele me faria mal. De onde viera esse sentimento doentio?

Pensei logo na tristeza que ainda me pesava terrivelmente. Entrei em um bar próximo, comprei um cigarro e fui a pé para casa. Observei em uma distração comum as espirais que a fumaça do cigarro desenhava no ar – pensei em Charles. Quem era ele? Por que não me deixou definhar na minha desejada miséria? Eu deveria tentar me reconstituir? Eu deveria matar as lembranças da minha desdita? A vida estava tentando me mostrar algo? Mas eu não acreditava mais na vida!

Minha cabeça doía. Sentia-me fraca, como se o peso de um mundo inteiro tivesse desabado em cima de mim; e talvez isso realmente tenha acontecido. O peso do mundo das minhas idéias e fantasias, repentinamente, despencou sobre mim, esmagando meus sonhos e esperanças. Restavam-me agora o arrependimento – de ter sido amarga com quem não merecia – e a leve fumaça, que se desfazia em suas espirais como se desfazia minha vontade de planejar um futuro.

Ainda distraída, pisei molemente no asfalto para atravessar a rua. Minhas pernas fraquejaram e eu caí. O mundo apagou-se, e novamente me foi imposto um sono profundo; tentativa louca do meu corpo de me fazer regenerar-me. Mas o que o meu físico não sabia é que já era tarde demais. Eu não tinha mais salvação, minha alma estava por um fio.

Acordei com a cabeça pulsando. “A tristeza está crescendo...”, foi a primeira coisa que consegui pensar. Quando realmente despertei, vi-me toda coberta de fios, uma máquina apitando e piscando. Um homem de branco anotando qualquer coisa em uma prancheta, e um rosto familiar – Charles. Ele pôs a mão no meu rosto, dizendo docemente: “Eu sabia que você não conseguiria ir muito longe.” Comecei a chorar desesperadamente. “O que está acontecendo comigo, afinal? Alguém pode me explicar?” eu gritei, mas Charles pediu que eu me acalmasse. “Tudo vai ficar bem, eu prometo.” “Não, eu não sou digna de que tudo fique bem, não sou digna de que você cuide de mim, eu deveria estar caída por aí; a sarjeta é o meu lar, enquanto a vida não me doa algum piedoso esquife.” Eu não tinha forças nem mesmo para chorar. Minha boca calou-se em uma mudez fraca. Meus olhos desmanchavam-se em lágrimas descontroladas... O médico veio com uma seringa, injetou um calmante qualquer no soro que me alimentava, e a última coisa que vi foi o rosto ligeiramente perturbado de Charles.

Mais um sono involuntário. Eu estava cansada de ser tratada, pela vida, como uma idiota; sentia-me tão estúpida! Obrigavam-me o tempo todo a dormir, pediam-me calma, e o que eu mais queria era desaparecer...

Nesse último “descanso” a que fui submetida tive um pesadelo terrível. Em uma retrospectiva macabra, vi dançarem em um ritmo loucamente rápido e contraditoriamente nítido todos os fatos que geraram meu estado de não-vida. Em uma pausa forçada, explico a tristeza que estou gestando, do momento de sua concepção até o seu estágio atual.

***

Há quatro anos minha mente é perturbada por um ser celeste. Conheci-o casualmente, e em pouco tempo ele se tornou a razão de minha existência – meu doce príncipe, como gostava de chamá-lo. A concretização do Amor, digno da idolatria mais apaixonada. Perdi-me em suas palavras, tão cheias de sonhos, esperanças, flores e romantismos; encantei-me com toda a vida que ele transmitia. Enquanto ele se fazia meu motivo de viver, secretamente eu arquitetava planos para quando ele soubesse o quanto eu o amava – como nos amaríamos santamente, como seríamos felizes! Nosso lar distante, em uma colina gelada de algum país esquecido... Não haveria mais nada além do meu doce príncipe a me acompanhar, o céu e as estrelas nos iluminando e protegendo, e o horizonte, para que sonhássemos com o progresso de nossas almas... Unidos em um laço consagrado pela eternidade do Universo. Eu me fiz uma noiva pura, resguardando os sentimentos mais nobres para doá-los todos a esse Amor ímpar. Eu sabia sorrir, e sorria freqüentemente, na inocência do meu imaginar. “Quem poderia negar esse meu amor desmedido?” Eu tinha tantas esperanças! Media-as na amplitude do amor que eu guardava por ele, meu príncipe, meu poeta... Mas bastou que eu dissesse concretamente “eu te amo”, para que ele me rechaçasse cruelmente, como se eu fosse um animal desprezível e asqueroso, como se eu pudesse macular sua nobreza... Como eu sofri, como eu sofro! Tornei-me amarga, fechada e sombria. Meus véus de noiva pura foram rasgados, fui despida e exposta às mediocridades da vida. Incorporei todos os vícios da alma humana, desejando que todo esse horror matasse os últimos resquícios do nobre amor que um dia eu possuí – nunca mais queria me lembrar dos efeitos que o Amor me causou, desde o primeiro momento em que decidi fazê-lo real. A fusão de todos esses elementos – a pureza de outrora, a desilusão amarga, o ódio resultante e minha inconsciente centelha de esperança - gerou a tristeza que hoje trago comigo. Filha da minha alma: assim a nomeei, pois minha alma carrega consigo as vivas contradições que, sintetizadas, deram vida a esse sentimento insano. Uma tristeza que já não possui dimensões, que engloba minha existência e a reduz a uma incômoda pedra prostrada no meio da estrada da vida.

Na minha letargia completa, vi esses últimos quatro anos desenhados no quadro da minha lembrança. Doloridos desenhos! Desejei pegar um punhal e rasgar esses quadros, apagar completamente essa composição criada pelos devaneios da minha alma inocente – ah! se eu soubesse o quão amargo seria o meu destino, jamais teria dado asas a um sentimento já fadado à má ventura. Sempre fui tão passional... Deixando meu racionalismo completamente adormecido, condenei todo o restante que me compunha.

***

“Minha vida acabou.” Essas foram as primeiras palavras que eu disse quando acordei. Vi o rosto de Charles me observando com um ar muito sério e preocupado. Levantei-me bruscamente, sentindo todos os fios soltando-se com violência da minha pele; minha cabeça girou e, completamente zonza, ia cair no chão – mas Charles me segurou. Abraçou-me com uma força que há muito eu não sentia em mim mesma; transmitiu-me uma segurança que me deixou ainda mais aflita. Estava tudo escuro, os médicos já haviam ido embora. Silêncio absoluto. Ele segurou meu corpo como se eu fosse uma boneca de pano; eu sentia-me ridícula. Ele me sentou na poltrona macia que se escondia na penumbra de um canto do quarto. “Você deve estar cansada de ficar deitada”, disse com um ar de gracejo. Para tentar me acalmar, eu imaginei. Mas eu sabia que a minha situação não permitia muitas brincadeiras.

“O que está acontecendo comigo?”

“Você não se lembra de nada, não é mesmo? Passei essa última semana cuidando de você. Tão frágil, tão delicada... Eu também quero saber o que está acontecendo com você. Não com a sua saúde, pois estou a par de todos esses detalhes – mais do que você imagina. Mas e sua alma? O que ela carrega? O que está acontecendo com você?”

“Você me questiona com uma familiaridade que me assusta. Quem é você, afinal?”

“Charles é o meu nome, como eu já te disse. O restante não importa.”

“É claro que importa! Estou sob os cuidados de um completo desconhecido, que poderia ter acabado comigo quando quisesse, mas que resolveu, não sei como nem porquê, cuidar para que eu sobrevivesse... O que você quer de mim?”

“Eu quero que você viva, minha querida. Meus zelos têm um fundamento o qual só poderá ser explicado quando você estiver plenamente recuperada; espere, por favor. Acalme-se, confie em mim. Prometo que, quando você não estiver mais correndo perigos sérios, eu te contarei tudo. Mas preciso de sua confiança nesse momento.”

“Minha vontade real era de desaparecer – espero que você saiba disso. Mas se há tanto empenho na manutenção da minha vida, por respeito a você deixo-me ser cuidada.”

“Prometo que você não se arrependerá, minha querida.”

Ele sorriu, estendeu-me os braços e deitou-me novamente no leito do quarto. Eu devia estar louca, por aceitar tão passivamente que um estranho oferecesse sua boa vontade sob justificativas tão pouco palpáveis. Mas eu dormi. Não sonhei, e parece que parte do peso que me esmagava o peito havia sido retirado; com uma sensação sutil de leveza, adormeci por mais alguns dias.

***

Charles estava, enfim, levando-me para a minha casa. Depois de o médico ter me explicado o que me acometera – meu organismo era realmente frágil para bebidas alcoólicas em excesso –, receitou-me uma pilha de remédios e mandou-me repousar; eu estava cansada de repousar, para falar a verdade. Mas todos me reprimiram com olhares tão severos que eu acatei imediatamente seus conselhos. Não precisei acertar as contas com o hospital; Charles já havia providenciado tudo. Agora eram as minhas pendências com ele as quais eu deveria acertar – e eu estava muito ansiosa por esse momento. Minha cabeça ainda pesava, mas a curiosidade me rendeu um milagre: eu me distraí, por alguns segundos, da minha implacável tristeza. Mal pude me conter quando Charles começou a dizer:

“Acho que eu te devo explicações, não é mesmo?”

Ao passo que respondi:

“Ainda bem que você não se esqueceu do que havia prometido.”

Ele suspirou. Parou o carro em frente ao meu prédio, abaixou a cabeça e perguntou-me:

“Você prefere que fiquemos aqui, ou quer que eu suba para contar mais calmamente?”

“Vamos subir.” – respondi, ligeiramente aflita.

Não sabia exatamente o porquê de estar confiando nele, mas sabia que não havia motivos para não confiar. Ele transmitia uma calma, uma serenidade que me fazia desvincular-me momentaneamente dos desejos e vícios. Descemos do carro, subimos lentamente as escadas – ele me guiara, segurando-me em cada lance de degraus – e abri a porta do meu apartamento. Entramos, sentamo-nos no sofá e Charles começou a se explicar, em um tom de voz doce e tranqüilo:

“Não sei se você sabe, mas somos vizinhos há quatro anos, desde quando você se mudou para cá. Todos os dias te observo calmamente; quando você sai para o trabalho, quando você volta para casa com um rosto cansado, olhos sempre tão tristes... E sei que você não foi sempre assim. Quando te vi pela primeira vez, você tinha uma alegria radiante, como quem acabara de descobrir o mundo; passados alguns meses, você encobriu-se com uma névoa de luto impossível de dissipar. Meus dias tornaram-se escuros, pois eu não podia enxergar a luz que antes você portava; não posso dizer que estava apaixonado, apesar disso. Você era para mim uma personagem da minha rotina, e compunha a harmonia dos meus dias. Cuidei de cada passo seu, sempre numa preocupação fraternal – queria que você estivesse bem, para que os meus dias voltassem a ser claros. Mas vi você se fechando cada vez mais, sempre muito curvada... Como se o peso da derrota te fizesse sucumbir. Você caminhava com um desânimo perceptível, e eu vivia inquieto, louco por saber qual era o terrível mal que te abatia com tanta violência. Mas nunca me atrevi a me aproximar, por medo de que você se assustasse; eu sempre fui muito sonhador, e não sabia se você me entenderia. Muitos já me chamaram de obsessivo, mas não vejo loucura no meu bem-querer. Espero que você me entenda. Nunca soube o seu nome, e nunca me apeguei a esses detalhes concretos... Porque não os julgava importantes. Mas depois de certo momento, comecei a sentir algo realmente estranho; eu estava transtornado com a sua tristeza. Eu queria, a qualquer custo, curá-la, para te ver sorrindo uma vez mais – percebi que estava apaixonado, enfim. Não sei se eu me recusava a aceitar isso, mas essa certeza confirmou-se em mim com tanto vigor que eu não pude refutá-la. Quando te vi descer, em prantos, para aquele bar imundo, percebi que deveria fazer alguma coisa, pois seria esse um momento decisivo, tanto na sua vida quanto na minha. Esperei para ver até quando você se entregaria ao torpor das bebidas, mesmo que te dissesse ‘pare agora...’ Você não parou. Eu pedi desesperadamente, ‘pare agora!’, e você caiu, completamente derrotada. Foi minha oportunidade de te pegar nos meus braços e cuidar de você, com todo o meu amor, para poder descobrir quais os mistérios que a sua tristeza guardava. Estamos aqui porque eu te amei, silenciosamente, e te amo agora, concretamente. Quando li seu nome – Isabella – na sua carteira de identidade, para que pudesse criar pretextos para te acompanhar nos processos hospitalares, inundou-me uma vontade de concretizar os meus sonhos. Talvez sem esperanças – como suponho que sejam os seus –, mas nunca ignorados. Permaneci ao seu lado a todo instante, com a promessa de que permaneceria firme em meus ideais, mesmo que você não pudesse corresponder ao meu amor. Meu desejo supremo era o de te ver sorrir novamente, e eu jamais desistirei disso.”

Fiquei sem reação. Meus olhos arregalaram-se absurdamente; como eu poderia imaginar isso? Senti vergonha da minha fraqueza ao ver que havia um sentimento mais forte e, conseqüentemente, mais nobre do que aquele que outrora senti. Tive que confessar-me, afinal...

“Charles, eu estou sem palavras. Não sei se posso te explicar sobre o que eu sinto, sobre essa tristeza que me acompanha há tanto tempo... Não sei como posso entender a devoção do seu amor por mim. Assusta-me, eu confesso; mas conforta-me inexplicavelmente. Durante esses terríveis dias em que permaneci letárgica e inconsciente, senti uma segurança, uma proteção que eu pensei não mais existir. Para o presente momento, só posso agradecer todo o bem que você me fez, e ainda me faz.”

“Minha querida, essas suas palavras são sagradas para mim. Sentir sua doçura, antes tão disfarçada, renova minhas esperanças; permita-me estar com você. Creio que, juntos, conheceremo-nos melhor, e saberemos curar nossas chagas.”

***

Aceitei o convite de Charles. Somos amigos, puros irmãos de alma – confidentes. Contei a ele sobre todo o meu tormento, e abortei a tristeza da minha alma; aos poucos estou recuperando minha vitalidade. Graças a um Amor que eu não imaginei que existiria; e não é que eu deveria acreditar na vida, apesar de todos os seus dissabores? Meu doce príncipe já não sabe mais da minha existência, e aos poucos vou apagando-o de mim; hoje ele é, simplesmente, Adam. E eu sou Isabella novamente, não uma simples mulher carregada de dor, ou uma fraca, desiludida, entregue às mediocridades da vida. Abri minha alma a Charles, e posso dizer que ele a conhece em cada peculiaridade. E sinto que o conheço também, de forma que nos amamos com a plenitude de um sentimento benéfico e harmonioso. Não sei a que ponto isso há de chegar; mas creio que nada poderia ter me transformado tão delicada e profundamente como fez o Amor calado que cuida, sempre à espreita, esperando o momento certo para nos salvar das fraquezas com que a vida nos prova. Sempre há a mão do Amor em tudo o que nos circunda, por mais desacreditados que estejamos. Essa será, para sempre, minha certeza e esperança.