sexta-feira, 30 de junho de 2023

dor em abismo

as dores da humanidade são as minhas dores
- sinto-as no meu coração amargurado e desiludido.
oscilo, é claro. numa velocidade
que faria qualquer criança espoleta
ir correndo chorar de medo no colo da mãe.

as dores da humanidade são as minhas dores.
vejo-nos nos espelhos da diferença
e percebo-nos tão semelhantemente
frios, gananciosos, mesquinhos,
egoístas, amargurados, magoados.

as dores da humanidade são as minhas dores
e também seu imenso lamento
transmutado em imagens, palavras, sons,
ou pensamentos tão fortes que atravessam,
como um uivo, as noites de lua cheia.

mas meu coração chora as dores das nossas dores:
nossa incapacidade de dar as mãos
e remodelarmo-nos
a partir dos nossos farrapos.


segunda-feira, 26 de junho de 2023

doe eyes

em mitologia
prefiro a harpia
águia tropical gigantesca
pura rapinagem aérea brasileira
tão monstruosamente real
que parece até mitológica

tenho certeza de que ela se afigura muito ameaçadora
para pequenos antílopes 
de temperamento nervoso e assustado

mas esse é só o nível das aparências

(nem parnasa, nem tão fã de bilac
meu humor é mais Augusto dos Anjos)

domingo, 18 de junho de 2023

the king of nothing

incompleteness screams
bleeding inside the deepest of my guts
while i weep and bend over myself
a gesture of full submission
to the void that is
the most solid part of me

wish i could recreate it
so freely
absence into presence
by means of a simple
rearrangement

Ailill mac Máta
i summon you
out of this excruciating pain
felt in the innermost core
of my three hearts

terça-feira, 13 de junho de 2023

onde?

pra onde você está indo
com tanta, tanta pressa
que prefere ir sozinho
para ir mais rápido
chegar primeiro
- onde, José
Bernardo
Miguel
Giselle
Samara
...
?

terça-feira, 6 de junho de 2023

quintíptico carioca

certo rio de janeiro é

um torso grego

em que me espalho
primeiro com medo
descosturando camadas
de tecidos ansiosos
que abafam meus histéricos
anseios
de engolir a cidade
com a boca faminta
pelo que é novantigo
notívago
um desejo frio
arrepio angustiado
ante o tanto que há
a versaberfazer
tão denso e concentrado
um atentado
contra os meus frágeis nervos

um obelisco de mármore

ao redor do qual orbito
irresistível magnetismo
opressivo campo gravitacional
que me esmaga na densidade
de sua massa erigida
no umbigo do novomundo

um cenário utópico

em que minhas fantasias aprendem a
se perder
muito, muito tempo depois
(tempo até demais)
de conseguirem se encontrar:
no espelho das vidraças
consigo mesmas
nas esquinas da ilusão
umas com as outras

uma cidade pós-apocalíptica

onde as formigas circulam
dia-e-noite, dia-a-dia
nos labirintos de alvenaria
com suas luzes infinitas
que disputam com as estrelas
estrelestroboscópicas
starlink vermelhibranco
a refletir a luz solar
como há éons faz
a lua

uma imensa sedução

aterradora visão
de suas baías e enseadas
cravejadas de berloques
de tantas décadas
séculos
resumidos na minha fissura
pela gigantesca e delicada
perna de cimento e metal