sexta-feira, 27 de março de 2020

Se a análise é o oposto da síntese

Em alguns pares de palavras eu sintetizo as minhas análises:

O que já foi jamais será de novo.
E se isso é uma sentença, é também uma esperança.
Se o que já foi está no passado,
A partir da memória, escreve-se o futuro desejado.
Se nada foi como desejaríamos,
Na negação mora a potência do criar:
O que desejamos, o contrário do que já foi.
Aceito a sombra, por desejar a luz
Aceito a solidão, por desejar o estarmos juntos
Aceito os desencontros
Pois eles jogam, bem no meio da nossa cara,
Todos os encontros que realmente desejamos.
Não tendo acesso ao meu desejo
Mergulho fundo no que almejo
Com a certeza de que, o que quer que seja,
Poderá ser construído
Tão-somente pelo meu querer.

domingo, 22 de março de 2020

Enfim, parece mesmo que a revolução será dos afetos.

Não havendo solidariedade, empatia, pensamento sobre o coletivo, ocupação emocional com o planeta Terra como um todo, não haverá jeito: não sobreviveremos.

Nos assusta a forma como o mundo virou de cabeça pra baixo, de dentro pra fora, todas as inversões possíveis: e como isso significa que, para sobrevivermos, devemos nos importar e, curiosamente, ficarmos DISTANTES uns dos outros, em termos físicos.

Em termos psíquicos, só sobreviveremos se pudermos contar com a presença afetiva, mas ausente dos corpos.

Viver como se fôssemos morrer – a ameaça só é mais real agora. Mas não é como se não pudéssemos morrer a qualquer momento, sempre, mesmo.

O que está mudando pra você?

domingo, 8 de março de 2020

Tenham CORAGEM!

Hoje, dia 08 de março, é definitivamente um dia como outro qualquer.
Ele não tem nenhuma conotação mística, nem é dia de fingir que as mulheres não são achincalhadas pelo nosso tempo histórico e dizer a elas o quanto elas são fortes e especiais.

Nós não somos fortes.
Nós não somos especiais.

Nós somos tão somente seres humanos

Que, devido a uma série de fatores históricos, somos achincalhadas TODOS OS DIAS, das formas mais diretas às mais sutis, todas elas de uma perversidade imensa.

Mas hoje é um dia que, midiaticamente, ganhou essa conotação política/de celebração, dependendo da consciência de quem faz uso dessa inscrição social.

Aí me bateu aqui na minha sensibilidade a vontade de desnudar mais um pouco o meu coração, versando sobre um tema que me dói e comove de formas que eu jamais serei capaz de colocar totalmente em palavras.

Primeiro, quero resgatar uma postagem anterior:

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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Plato revisited

Conta o mito da caverna de Platão que o sujeito que sai da caverna e denuncia a falsidade das sombras enquanto realidade absoluta - ele, esse sujeito, escolhe voltar. Em vez de desfrutar das delícias de viver em liberdade, ele escolhe voltar para libertar seus pares. E como é recebido em seu regresso?
Existem os que topam o desafio de quebrar suas próprias correntes em busca da liberdade - mas esses são a minoria. A maioria o acusa de TUDO: charlatão, místico, imaturo, irresponsável, feminista, comunista... mas, principalmente: louco, lunático, insano.
Quanto tempo esse sujeito vai dedicar à conquista daqueles que condenam o motor mesmo de sua possibilidade de ver além: a loucura?
Haverá tempo para desfrutar da dolorosa delícia de viver a partir de meios próprios - ou seja, a liberdade?
A grande chave da questão: depois de ver o mundo fora da caverna, não há mais como acreditar que as sombras são o real.

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Se vocês quiserem buscar o texto platônico, é só ir no livro VII d'A República. Lá vocês encontram o Sócrates contando a respeito da alegoria da caverna.

Essa historieta exemplar é um bocado interessante, mas não deve ser aplicada sem uma apropriada reflexão sobre sua inserção histórica.

O caso é que o "ver além" representa um conflito imenso para quem se coloca à disposição de praticá-lo. Nesse "dia internacional das mulheres", eu desejo que possamos ver além, mesmo sabendo que isso não é tão doce quanto as rosas e os chocolates que no dia de hoje nos são oferecidos. Eu desejo que o conhecimento não seja usado por ninguém, incluindo nós mesmas, como forma de violentar e manipular o outro. Já utilizaram o mito da caverna para me domesticar, para me apontar uma saída falsa, uma ruptura "menos dolorosa" dessas correntes que nos aprisionam.

LIBERTAR-SE DA ESCRAVIDÃO MENTAL NÃO É UM PROCESSO INDOLOR.

Mas eu estarei aqui, com o meu coração e os meus braços abertos, para acolher todos aqueles que escolherem se libertar - porque me acolheram, e eu sei como que isso é o que faz toda a diferença. A revolução será dos afetos, ou não será, volto a dizer.

Tenham coragem. Eu estou aqui.

quinta-feira, 5 de março de 2020

CUIDADO!

A pessoa que te dissuade de se formar intelectualmente tem inveja de você e/ou não quer o seu bem.

(Veja bem, eu já perdi amizades por causa disso. É algo realmente importante para a minha existência individual.)

Nós sabemos o quanto o processo de estudar é penoso. Amar o conhecimento exige dedicação o suficiente para que você abra mão de um prazer simples para expandir a sensibilidade para prazeres mais complexos. Exige paciência, concentração - vários atributos que o nosso estilo de vida capitalista contemporâneo vêm atrofiando cada vez mais com suas seduções anestesiantes.

Quem escolhe, de forma mais ou menos consciente, não se contentar em apenas receber o que é dito pelo senso comum como verdade posta e imutável, necessariamente vai precisar fazer um ESFORÇO pra isso. De fato, é muito mais cômodo repetir ad infinitum as imensas bobagens que a gente escuta por aí - é ATERRORIZANTE encarar a realidade em toda a sua angústia e contradição. Eu sei disso.

Daí o sujeito vira e diz que "um diploma não é tão importante assim".

É sério?

Em um país como o Brasil, com a nossa tenebrosa tradição colonial, com todo o projeto político de emburrecimento das massas promovido pelos diversos canais de comunicação aí postos (a Rede Globo como o exemplo mais óbvio, mas dá pra ser mais específico e ir achando níveis cada vez mais cruéis dos sistemas de dominação e violência simbólicas) e pelas políticas públicas (de governos que tendem cada vez mais a um autoritarismo fascista aniquilador das diferenças e, em última instância, da Natureza e do próprio ser humano), que vêm desmontando a educação (no sentido de FORMAÇÃO DO SER HUMANO PARA A AUTONOMIA DO PENSAMENTO) desde a base até o topo das nossas já frágeis estruturas

É SÉRIO que a pessoa tem a pachorra de dizer, em outras palavras,

"ei, você aí, que está cansado de ser explorado pelo seu patrão, você só precisa aprender a se comunicar melhor que a sua vida vai melhorar, você não precisa de um diploma"

Essa pessoa não foi encarar a realidade HUMANA do mercado de trabalho brasileiro.

Pode ter conversado com muitas pessoas, viu muitos casos individuais, ouviu muitas histórias, mas, com o seu diploma confortavelmente guardado debaixo do braço, tem a pachorra de dizer para o outro para não investir em algo que é muito mais importante do que um pretenso "sucesso financeiro".

Primeiramente, porque nós estamos presenciando a precarização de TODOS os postos de trabalho (todas as formas humanas, relativas aos "não-dententores dos meios de produção", de ganhar o pão nosso de cada dia, que Deus definitivamente não dá de graça), aprofundando radicalmente os nossos abismos sociais, e a desinformação que representa você dizer ao outro para não investir em si mesmo intelectualmente tem um cheiro quase fascista. Você quer seduzir o outro, dissuadindo-o de PENSAR porque o "sucesso financeiro" é mais importante?

(Isso porque eu ainda não falei das pessoas que ganham dinheiro com esse tipo sórdido de sedução, fica pra outra hora.)

Segundamente, convenhamos, o que é "sucesso financeiro" na fila das necessidades humanas? O que significa ser bem sucedido como ser humano?

Todos precisamos pagar as contas, isso é a grande verdade. Dentro do capitalismo, se você não faz parte do 1% que concentra a renda produzida pelo sangue, suor e lágrimas dos outros 99%, você está fodido pro resto da sua vida nesse sentido. Bem-vindo ao mundo como ele é.

Deixe-se seduzir pelas quinquilharias brilhantes da "burguesia" colonial (colares e espelhinhos, o que os portugueses ofereceram pros povos nativos brasileiros antes de LITERALMENTE estuprá-los), que compactua com a opressão promovida por aqueles que realmente têm "sucesso financeiro". Você realmente não precisa de um diploma, você precisa pagar 300 reais em uma garrafa de vinho e achar que isso é ter "sucesso".

Pra mim, sucesso é ter empatia com TODA a humanidade, não podendo admitir que existam famílias vivendo com o que você gasta mensalmente construindo seus pequenos castelos de segurança pequeno-burguesa hipócrita.

Beijos de luz, ou não.