segunda-feira, 1 de março de 2010

As cores [parte 2]

Sua vida resumia-se a uma eterna quebra de sonhos e expectativas.

Talvez isso a tenha feito perder-se no caminho da compreensão alheia, talvez isso a tenha confundido e desmanchado sua capacidade de ter pequenos sonhos, fazer pequenos planos. Não que ela vivesse sem projetos, mas a realidade concreta tornou-se um fardo – às vezes insustentável. Por isso às vezes fugia, por isso tentava mostrar-se através de detalhes excêntricos. Por isso as frustrações lhe eram tão terríveis, por isso seus sentimentos foram aguçados. Ela queria que o seu romantismo desse certo, ao menos uma vez. E essa vez não chegava, nunca.

O que não a impedia de ser otimista; ela, que por esse e vários outros motivos parecia ter um certo grau de insanidade. O que ela não entendia é que a sua interrogação tinha por companheira oculta, proporcionalmente inexplicável e imponente, uma esperança. Mas esta era menos perceptível à razão. A razão teimava em desesperar-se diante da interrogação. O que a salvava de perder-se era essa esperança, guia secreto através dos caminhos tortuosos. Talvez um dia ela se entenda o suficiente para considerar que não se perdeu completamente graças a algo que estava dentro dela, e não fora. Ela gosta de procurar soluções externas. Ela ainda precisa amadurecer...

Fora uma criança calma - até demais. Corria pouco, via muita televisão, principalmente as novelas que lhe roubavam o discernimento e a faziam acreditar em contos de fadas. Ainda assistia a muitos outros contos de fadas, e de maneira inconsciente tornava-se mais sentimental, passional – o que lhe trouxe uma sensibilidade importante. Tornou-se cuidadosa e gentil. Lia muitos livrinhos, com suas ilustrações fantásticas; gostava de rabiscar e colorir – sempre gostou muito das cores. Sua infância fora deveras fantasiosa.

Em contrapartida, teve uma adolescência rígida. Os contos de fadas não só se mostraram irreais como maléficos ao senso crítico que não aprendera a desenvolver, e que lhe era, então, extremamente cobrado. O primeiro beijo e a primeira vez foram um choque de realidade – uma realidade não-sonhada, com a qual ela não concordava, uma realidade que rompia com os seus sonhos mais puros. Mas ainda lia muito, e os livros não deixaram que a sua esperança morresse. Por mais que a “realidade dos fatos” fosse muito forte, não era o suficiente para fazê-la sucumbir à razão. Ela não aprendera a ser assim.

Tornou-se uma adulta internamente contraditória, e externamente decidida. Seus passos eram inseguros, mas nunca mal calculados. Era cuidadosa demais para permitir deslizar em coisas concretas. Bastavam-lhe os deslizes subjetivos que traziam os já citados conflitos. Sua vida prática era bem sucedida... Mas conservava, sentimentalmente, aquela adolescente que enlouquecia por não conseguir viver o que sonhava desde criança.

Foi morar sozinha para tentar espantar os resquícios da adolescência, mas os sentimentos e as sensações nunca mudavam. Eles estavam rigidamente consolidados em seu peito. Visitava os pais, os irmãos, e entre nostalgias descansava a mente e permitia-se ser menos séria em questões pragmáticas. Mas não, ela ainda não havia aprendido a viver levemente. Quem sabe quando conseguiria? Talvez só quando encontrasse respostas para a interrogação que ela mesma não compreendia. Isso parecia tão distante e irreal quanto os seus sonhos românticos.

E pintava as unhas para mostrar-se e esconder-se – isso era tão pueril! Mas parece que, por mais que ela lutasse, essa sua característica nunca haveria de abandoná-la. Tem raízes muito diversas e profundas, essa mania engraçada de não querer largar o sentimentalismo e suas representações.

Agora era, de certa forma, sozinha. Não sabia direito o que queria aprender com a solidão, que em partes era compulsória, mas tinha um peso de decisão. Sabia que precisava encarar as longas noites silenciosas, em que o sutil barulho do relógio por vezes a acalmava, e por vezes a amedrontava. Sabia que se controlasse seus impulsos de chorar, de ligar para conhecidos, de tentar apoiar-se em qualquer pessoa, seria finalmente forte o suficiente para manter o equilíbrio entre razão e emoção, tão almejado por ela – sempre tão impossível.

Mas nessa noite, o barulho do relógio foi cortado pelo grito estridente do telefone antigo, e um arrepio percorreu-lhe o corpo. Suas pernas ficaram pesadas, dormentes. A sua força seria posta à prova, e ela ainda não era forte o suficiente para encarar o que estava por vir. Mas apenas seu corpo recuou – ela, inexplicavelmente, não sentia medo.