sexta-feira, 22 de junho de 2018

Anotações

Sobre os tipos de janela romanesca através das quais podemos ver uma mesma paisagem: sacada, padrão, basculante, oval, vitral.

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O desenrolar da adultescência:

Fui uma criança muito séria, que repudiava sua condição de criança: queria crescer logo para ser levada a sério.
Adultesci, e ser quem sou hoje não corresponde às minhas expectativas infantis. Mas se a vida adulta não é fácil, ela guarda prazeres imensos que residem no trabalho mental. Ter poder é a melhor parte de não ser mais criança, apesar desse limbo extenso em que me encontro, presa ao calabouço de uma dependência que eu sempre desprezei.

sábado, 2 de junho de 2018

Sonhos quase vespertinos de um início de junho

As nuvens perfeitamente alinhadas num céu escuro de quase início de noite
Cortavam a janela formando um improvável horizonte
Que culminava, em seu extremo ocidente, no seu rosto,
Aparição fantasmagórica dentro do meu quarto também escuro,
Elemento final de uma continuidade de abstrações
Que, lânguida, eu observava, preenchida por um prazer seco:
Tudo é enevoado nas imagens oníricas
Uma fumaça cinza-azulada cobre as nuvens, os rostos, os corpos
As conexões que se formam são tão exóticas quanto podem ser
Mas nunca, nunca, nunca,
Nunca são casuais.

domingo, 27 de maio de 2018

ventos de maio

Se alguém pudesse me filmar durante algumas horas numa visão de cima, como um observador onisciente focado em uma única criatura - para perceber como as pessoas lidam com a dinâmica do cotidiano -, me veria rodando tontamente de um lado para o outro, sem saber exatamente o que fazer com a imensa dádiva das horas em que se respira.

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24/05/2018

Não sei o que quero de você, não sei o que quero de mim.
Abraçar esse imenso mal-estar e me proteger do bombardeio do real é tão necessário - mas como fazê-lo?
Me permitir estar saturnina e melancólica no mundo, a despeito de precisar de um colo que eu necessariamente vou ferir. Quem aceitaria se permitir ferir para, de fato, me acolher?
Quero um longo abraço silencioso dentro do qual eu livremente derrame essas lágrimas ácidas retidas nos meus olhos culpados e medrosos.
Eu não consigo sustentar minhas relações afetivas.
Eu não sei sustentar minhas relações afetivas.
Eu não tenho energia para sustentar minhas relações afetivas.
As relações afetivas me ferem de forma abissal.
Existe isso de você se deparar com alguém que não te permita ter nem a sombra de dúvida ou hesitação?
Quando é que eu conseguirei me colocar em relação sem que a dúvida me massacre TANTO a ponto de eu achar menos danoso para mim e para o outro que eu permaneça tão só comigo mesma (e arredores inevitáveis)?
Hoje eu sou só o verde dos olhos de Saturno, mergulhada profundamente entre os deuses estranhos e selvagens om os quais eu me identifico, entre os quais eu me sinto compreendida e em paz. De vermelho, só o sangue que se desprende tristemente das minhas entranhas e a tinta dessa caneta, que sequer tem a dignidade de uma tampa que proteja sua potência criadora da violência das intempéries.
Eu existo, e isso é uma dor infinita.
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As linhas do meu labirinto pessoal são duras como paredes de pedra - medievalmente pesadas. Mas úmidas, viscosas: cobertas de sangue escuro, mortificado pela bile negra que o contamina. Os rastros que deixo pelo caminho não tardam em falhar: o minotauro que me persegue devora os pedaços de mim que se desprendem a cada passo.
Faz muito frio aqui dentro.
Por que o seu fluido é menos sujo que o meu?
Gozar também é uma forma de sangrar e morrer.
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O labirinto é um jogo com regras?
É possível aprender as regras dos nossos labirintos internos?
É possível limpar as paredes do meu labirinto,
Substituir suas pesadas pedras por frondosas árvores de raízes muito bem plantadas e localizadas?

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Hoje eu não quero nada além de silêncio e palavras, minhas palavras e palavras dos autores que escrevem com a caneta e com a alma. Mais nada.

domingo, 13 de maio de 2018

Seu nome

É um susto passar os olhos pela minha estante
Nomes nomes nomes muitos nomes
E suas obras nomeando tantas coisas que nos pareciam inomináveis
E numa obra sobre desconstrução
(Essas coisas que descolam o significante do seu significado)
Me assusto com o seu nome:
Lembrança de saber-te tão presente nas minhas retinas
Ávidas por saber-te por perto
Ainda que apenas por escrito, apenas o seu nome
Signo descolado do seu significado
Porque a virtualidade é um processo horrendo de substituição do real

sábado, 12 de maio de 2018

01 saudade chamada: teoria do romance

A narrativa perfeita não deixa sobras nas suas emendas. O romance parece um processo tão natural e fluido quanto a própria vida. Ao longo do tempo, parece que o questionamento metaficcional só vai afastando a obra de arte da própria vida, denunciando seu caráter de artifício - o grande erro é achar que o artifício está separado da vida como ela é. No fundo, tudo o que a narrativa busca é a verossimilhança: parecer uma realidade possível. Por que existem narrativas surrealistas muito mais verossímeis do que certos filmes com pretenso objetivo realista?

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Caranguejos

Os olhos verdes de Saturno são apenas uma das pontas de uma delicada gradação. Até chegar à morena castanha dos olhos d'água, muita dor entra no espectro que existe entre Saturno, o castrado deus do tempo, e a ninfa lunar que mergulha nos mais profundos oceanos. De uma polaridade à outra, tanta dor, tanta incompreensão, corações tão esmigalhados pela angústia da vida. Esses dois pequenos deuses cotidianos habitam o mundo de forma diáfana, cada qual ao seu modo: ele, pantera solta a se esquivar em meio às trevas da floresta noturna; ela, tormenta que rasga os ares para desaguar como leve brisa de encontro à praia.
"Vejam só essa manhã tão cinza... A tempestade que chega é da cor dos seus olhos castanhos."
Observe só a imagem que ficou presa nas minhas retinas a partir desse registro poético, tão antigo, que me forneceu uma sensação antes mesmo de eu ter tempo de vivê-la: eu vi um céu castanho uma vez, há muitos anos. Lembro-me de esperar ansiosamente por uma tormenta que veio, sim, como se todo o céu estivesse desabando - a chuva vinha em todas as direções, lavava as ruas, os prédios, os rostos, os corpos, os olhos, as almas.
Dos saturninos olhos, fica a pupila-menina, tão redonda e brilhante e líquida, protegida por finas rugas de pálpebras acostumadas à insônia. Sua redoma tem a cor das folhas parcialmente ressequidas: ainda verdes, mas desbotadas da vivacidade de que dispõem quando em seu máximo esplendor. Já está no chão, um bocado esmigalhada, levada longe de sua árvore-mater por uma brisa silvestre. É a viva ruína da memória, que não nos permite esquecer a lei cíclica que rege toda a Natureza.
Essas delicadezas se protegem, comumente, em duras cascas, com poderosas pinças: seu poder de agarrar-se à vida tem toda a potência e a força das águas em que se navega, se desbrava, mas também se pode afogar em meio às tormentosas ondas. Sua fluida vida marinha resguarda-se em frios e estéreis aquários pelo medo de libertar-se - mergulhar é um perigo, por certo. Mas como resistir ao embalo de seu eterno balançar?
Neles mergulhados, nos encontramos com o núcleo da vida, princípio de aconchego, possibilidade de paz. Acautelar-se, no entanto, é mister: não se deve, jamais, prescindir do sopro da vida. Planarei, aérea, por sobre seus mistérios. Encontramo-nos breve mas significativamente, para que eu me lembre lembre lembre lembre, e os guarde no mais sagrado templo que há entre minha mente e meu coração.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Em meio ao labirinto... I

Vez em quando me surpreendo comigo mesma quando me pego pensando em você. Colocar a consciência em um pensamento que tão fugazmente vai e vem dentro da minha cabeça (e dentro do meu coração?) me dá algum arrepio, me deixa um tanto intrigada - o que é que você está fazendo aqui?
(These are not poppy-like-lines, for you to know that I'm still able to dream wide awake).
Te vejo montanha acima, desbravando o insondável mistério, seus pés se adiantando na garantia de proteção para todos - todos cabem direitinho dentro do seu grande coração.
Te vejo montanha abaixo, cansado, confuso, contando histórias que derretem e aquecem meu coração enregelado pelo frio e pela angústia de não me saber segura ao fim da caminhada.
Te vejo próximo, confessando o inconfessável, encontrando estranha interlocução nesse encontro que foi tão fácil e tão natural - seu coração é grande o suficiente para caberem tantas angústias quantas um guerreiro é capaz de carregar sem desabar.
Te vejo longe, longe, tão longe que eu quase posso me indagar se isso tudo, de fato, aconteceu. Um arrepio na espinha, o coração se contrai num esgar de pavor de quem se sabe muito próximo da loucura e muito longe de você.
Nos meus pensamentos você é forte e doce. Seus braços abrem caminhos externos e internos, afagam dores mas apontam para si, pedindo: entre dentro de mim e me ajude a me aquecer por dentro.
Iluminar conscientemente esses pensamentos já me pareceu tão estranho... Transformá-los nessas palavras concretiza qualquer coisa que eu mesma possuo de inconfessável, e que assim permanecerá: eis a minha mais intensa batalha atual. Mas você está guardado aqui dentro, enigma que ilumina e aquece, capaz de chorar e de lutar com o mesmo vigor. Reverência é o que lhe presto - em algum outro momento, dedico-lhe qualquer coisa transmutada a partir desse lampejo inicial (ou não?).

sexta-feira, 27 de abril de 2018

being a dastard?

Am I programmed for flirting?
Writing have been being such a necessity
Que eu não imaginei que tomaria essa proporção

É tempo de escrever
A parte que se estranha é aquela
Em que não se consegue estabelecer
Um canal de troca e comunicação

Should I give myself so promptly
To this urging desire?
What is this that makes me
Behave so improperly?

Here I am, here I go
I wasn't born for being such a dastard.
Was I?

domingo, 4 de fevereiro de 2018

poppy-like-lines

Certas destruições deliberadas possuem um desespero, intrínseco, daquele que é incapaz de compreender.
(Sobre a notícia do caminhão que invadiu a área restrita das linhas de Nazca.)
[https://super.abril.com.br/ciencia/caminhao-invade-area-restrita-e-destroi-linhas-de-nazca-no-peru/]
Principalmente no que trata de uma compreensão fora da nossa lógica formal cartesiana.
(Descartes deve estar batendo papo com Hitler, os dois no mesmo purgatório dos cometedores de crimes contra a humanidade em seu sentido mais abrangente.)
O DESESPERO DE NÃO SUCUMBIR ANTE UMA INTUIÇÃO.
Fomos horrivelmente desligados do que em nós há de mais profundo. Por isso dói ouvir, despreparado e espiritualmente amputado, a Voz do Silêncio.
E é por isso que DESCONSTRUÍMOS tudo. O nome disso é DESESPERO POR NÃO COMPREENDER:
1. A Natureza;
2. O Feminino;
3. O Sagrado.

- Desconstruir é diferente de destruir?
- "Construir" e "destruir" possuem a mesma raiz?
- A destruição é intrinsecamente maligna?
- A nossa época, a da "desconstrução" filosófica, acompanha o zeitgeist da "destruição" da Natureza. Por quê?

Quando será que conseguiremos desenvolver a Intuição para sofrermos menos, e sermos capazes de atingir um mínimo de dignidade humana?
Parece horrivelmente distante, e é isso que me traz tanto MEDO.
MEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDOMEDO
(Gostaria que essa repetição te fizesse perder o sentido, mas você é horrivelmente forte e presente dentro de mim.)
Será que o medo nunca vai me permitir ser feliz novamente?
O Pequeno Mapa do Tempo repete obsessivamente a palavra MEDO. Belchior é um medroso: daí a sua coragem. Ele quer cessar o sentimento de MEDO agindo conforme seu coração: sua INTUIÇÃO.