quarta-feira, 24 de junho de 2020

A denúncia dos ultrajes

Não desejo continuar guardando tudo aquilo que me foi dito e feito, permanecer confrontando e remoendo os ultrajes tão-somente comigo mesma nas minhas noites insones.
STOP SHAMING ME.
E quando eu iniciar as denúncias, réu após réu, vou galgar os degraus da minha tão desejada paz interior.
À custa de alguma guerra, essa que eu sempre evitei, e que tem se tornado cada vez mais urgente e inadiável.
AOS RESPONSÁVEIS, AS RESPONSABILIDADES! 

terça-feira, 23 de junho de 2020

Sonhos

Na noite passada, pela primeira vez, sonhei com o claustro pandêmico.
Nos sonhos anteriores, acordei atarantada com a livre mobilidade experimentada pelos espaços do sonho, confundidos com o real. No processo de despertar, a confusão pela transgressão não intencional.
Mas ontem estive no alto de um prédio em uma capital distante, observando a vida dos vizinhos também enclausurados.
O desejo de olhar o mundo do alto, o desejo de ver pessoas e suas experiências factuais, não apenas imaginadas pela minha mente exaurida, aprisionada entre as paredes brancas e frias do apartamento.
(Ou reportadas pelas performances digitais, diante das quais tenho sentido um cansaço imenso, imensurável, com simultânea e sofrível dependência por me ver sem opções e com dificuldades de amplificar o claustro recolhendo-me só à minha própria mente.)
Quantos traumas podem se somar a um testemunho da existência?
Se me fosse dado saber, talvez eu já tivesse enlouquecido de antemão.
Terei que enlouquecer um dia por vez, feliz ou infelizmente,
Até que eu desista de viver essa sucessão de tragédias,
Ou que a vida se me afigure menos trágica do que ela tem se mostrado até então.
(As esperanças são exíguas, contudo – ainda que não totalmente inexistentes, admito.)

segunda-feira, 22 de junho de 2020

A vida assombrada por demônios

As vozes internas são muitas, múltiplas, inúmeras, infinitas
Se sobrepõem, se atravessam, ecoam umas nas outras, moto contínuo do inferno psíquico
O que dessas vozes é:
Intuição?
Instinto?
Emoções?
Sentimentos?
A minha ancestralidade falando através de mim?
(Não sei, nunca soube discernir, e em tempos como esses os ruídos internos atingem níveis enlouquecedores)
A vida psíquica é um andar descalço em cima do fio de aguda navalha
Os pés, constantemente lacerados, sem que sejam necessários passos incautos ou bruscos
Cada movimento abre um novo talho sangrento por onde jorra o quente sangue do trauma de existir
Enquanto os demônios berram dentro dos meus ouvidos
Esmigalhando meu coração entre seus dedos impiedosos
E o que me resta é um trapo, farrapo do que um dia eu acreditei que poderia ser eu inscrita numa existência sem dor.

sábado, 6 de junho de 2020

[bell hooks] Ensinando a transgredir

Capítulo 3: Abraçar a mudança - O ensino num mundo multicultural

p. 63: "O multiculturalismo obriga os educadores a reconhecer as estreitas fronteiras que moldaram o modo como o conhecimento é partilhado na sala de aula. Obriga todos nós a reconhecer nossa cumplicidade na aceitação e perpetuação de todos os tipos de parcialidade e preconceito. Os alunos estão ansiosos para derrubar os obstáculos ao saber. Estão dispostos a se render ao maravilhamento de aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que vão contra a corrente. Quando nós, como educadores, deixamos que nossa pedagogia seja radicalmente transformada pelo reconhecimento da multiculturalidade do mundo, podemos dar aos alunos a educação que eles desejam e merecem. Podemos ensinar de um jeito que transforma a consciência, criando um clima de livre expressão que é a essência de uma educação em artes liberais verdadeiramente libertadora."

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Antes dessa citação, há uma parte do mesmo capítulo em que se discute a necessidade de se ter compaixão pelos alunos, uma vez que ensinar o pensamento crítico pode trazer dores quando reconhecemos traços retrógrados em pessoas que fazem parte do nosso circuito de afetos. Me lembrou de uma aluna que tive, nos idos de 2017. Aos 17, segundo ano do Ensino Médio, ela estava casada com um professor da escola. A partir de certo momento, ela se tornou hostil em relação a mim, e deixou de frequentar as minhas aulas. Eu não entendi, naquele momento, o porquê da hostilidade e do afastamento. Nesse mesmo ano eu pedi, para os trabalhos de redação, que os alunos produzissem diários para que eu pudesse conhecê-los melhor. Naquela época eu também não estava preparada para lecionar da forma como eu intuitivamente lecionava. Eu fui uma dessas alunas dispostas a se renderem ao "maravilhamento de aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que vão contra a corrente". Tive bons professores que, dentro das suas limitações e a despeito delas, me ensinaram a ter uma postura crítica diante da vida e do conhecimento. Quando eu mesma me tornei professora (aos 18, talvez jovem demais pra responsabilidade que a função demanda), nunca pude conceber que minha prática de ensino não fosse plural e crítica. Mas abraçar a mudança é um processo extremamente doloroso, eu sei, e nem todos estão preparados para isso. Temos que apostar no desejo de mudança, contudo. É lá que as nossas esperanças moram. É necessário ter muita, muita coragem para botar a mão na massa e fazer se concretizar o mundo em que acreditamos e que ardentemente desejamos.

A citação transcrita me lembrou de uma conversa que tive há alguns dias com um muito querido ex-aluno, em que ele me agradecia pelas discussões que tivemos em sala na mesma época do meu relato anterior, ainda que ele não soubesse valorizá-las no momento em que elas estavam acontecendo. É porque, no momento de tirar o véu, a percepção ampliada fere a estreiteza do nosso pensamento. Quando amadurecemos é que percebemos a importância de cruzar as fronteiras das nossas "ideias e hábitos de ser" (p. 61) para uma educação transgressora e libertadora. Até que esse amadurecimento chegue, qualquer que seja a experiência que o desencadeie, reagiremos com o instinto de preservação próprio daqueles que temem o desconhecido.

Talvez por isso que o "voto de confiança", em inglês, é o "leap of faith", o salto de fé. Mergulhar no desconhecido é um salto no escuro totalmente motivado pela esperança de que a vida pode e deve ser diferente daquelas estruturas que nos moldaram e aprisionaram até então.

É importante que o pedagogo deixe sempre muito claro, contudo, que o aluno não está sozinho nessa. Ele não precisa arcar sozinho com as consequências de deixar que as velhas estruturas desmoronem em suas vidas. Tendo essa percepção empática em vista, devemos nos organizar em comunidades em que todas as vozes sejam ouvidas. Mitigar a solidão da experiência humana, partilhar dores e perdas, fortalecer os afetos para que a mudança não seja paralisada pelo medo de que ela aconteça: "abraçar a mudança" de forma solidária e coletiva.

A todos os meus ex-alunos, alunos, conhecidos, amigos: saibam que eu estou aqui com vocês, por vocês. Não vamos esmorecer. Paradoxalmente, me parece que estamos melhores do que nunca, porque hoje posso perceber que, diante da necessidade, somos muitos os que clamam pela liberdade. Vamos construí-la juntos.

I'm a soothing star

Let Love find us,
But be open for it when it is time.

Que o Amor nos abençoe a todos nós
Nos envolva em sua luz criadora
Princípio de vida, equilíbrio do caos
Dinâmica da sinfonia das esferas

Que o Amor nos oriente,
Ocidente, acidente,
Acidifique, dissolva, solucione
Reestabeleça a beleza
De ser o que se é

Que o Amor brote de nós
Como semente ancestral
Plantada por aqueles que tinham
Mais esperanças do que as que temos hoje

Let Love be found
In the innermost of our core
May it rise and shine
Out of this deep, silent darkness of fear.