sexta-feira, 15 de março de 2024

os seus filhos gostam

quem diria!
Jorge Maravilha,
prenhe de razão,
sabia que as crianças precisavam de
menos raciocínio lógico
e
mais produção literária

<3

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

a dobradinha da tia Sônia

    Houve em dois dias, pelo menos, de que eu consigo me lembrar. O primeiro foi feijoada; o segundo, dobradinha. Houve também um Natal, com rabanadas - não sei se o mesmo em que, aos dezenove, percebi que acontece de as famílias serem casas fraturadas em sua medula.
    Enquanto lavava a louça, é claro: é no trabalho doméstico que nos irmanamos, as mulheres da família. Tentamos escrever histórias novas, prometendo aulas de inglês para as primas, mas a herança mais forte ainda está muito próxima em termos geracionais.
    Eu adoro dobradinha e feijoada. Gosto muito da ideia da família reunida, mas só no campo da idealização. Pode ser que haja famílias que caminhem bem sobre as próprias pernas: a minha, não. Retraímo-nos em um núcleo fundado na exploração do trabalho doméstico das mulheres e na depredação de sua autoestima - como é de nossa praxe dita civilizacional. E eu ainda tomo como falha pessoal a minha dificuldade de expandir meu passo pelo mundo...
    A vizinha berrou o dia inteiro com as duas meninas. Meu coração treme, nervoso. Meu cérebro se exaure imediatamente, derrotado, angustiado com a repetição do trauma. Tenho trinta e dois anos, mas meu corpo se lembra de muita coisa passada. Meu corpo é mais sábio que eu, e eu ainda não aprendi a escutá-lo.
    O que é feito do amor nesses contextos de violência e abuso? Eu não consigo entendê-lo bem, ainda. bell hooks diz que eles não coexistem, amor e violência. Mas na casa fraturada reuníamo-nos, vez em quando, ao redor do fogão de lenha com a panela fumegando cuidado. As mulheres... Algumas de nossas faces são as da guardiã violada, Medusa que grita para nos petrificar de horror.
    Além dos gritos e do choro desesperado de criança, de vez em quando também sobe, da casa da vizinha, um cheiro bom de comida boa...
    

domingo, 17 de dezembro de 2023

tomei vários drinks

com a grande pedra de gelo que você me deu.
confesso, foi a mais gelada de todas.
quando ela bateu bem no centro do meu peito
meu coração enrijeceu, petrificou.
eu quis morrer. falo sério.
então peguei a pedra e fui quebrando aos poucos,
acrescentando limão, água tônica e gin.
enquanto bebia, pensava
pensava
e pensava.
corri aos cadernos e encontrei
as palavras do dia em que 
tomei um drink com o gelo que outro me deu,
esse outro que é você repetido à exaustão
de um desejo completamente desprovido de autonomia.

chorei de angústia enquanto pensava,
até perceber que quem morreu, simbolicamente,
foi você.
o luto persiste, persistirá,
como o fazem os sonhos mortos,
as ilusões perdidas,
lembranças de um eu que só existe como fantasma.

"você já viu alguém mudar completamente?"
eu nunca vi, por mais que o tenha desejado
desde o mais fundo do meu coração gelado.

o que resta é um dia após o outro,
e renascer reinventando a si
sem pensar demais no depois de depois de amanhã.

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de 17 jan. 2023

fiz uma gin tônica com o gelo que você me deu

E enquanto sorvia o frescor da bebida
Pensei mil coisas
Sobre ansiedade, espera, paciência, conciliação
O que eu queria para mim - ou não
O que é aceitável ou não em mim, no outro
Revivi tantas situações dolorosas
Em que a impotência me atou as mãos
E a frustração se derramou no meu peito
Como o balde d'água com desinfetante que derrubei hoje
Nessa água escorregadia fui aos poucos
Inevitável, inapelavelmente
Cha   fur   dan   do
Até que me vi entregue, ridícula
Caída no chão
Minha roupa ensopada colada no corpo
O desinfetante irritando a minha pele
Mas havia nesse momento
Um amigo gentil
Que me ofereceu o mínimo, tão raro
De não me fazer me sentir pior comigo mesma
Do que eu já estava sentindo.
Sequei a bagunça com a dignidade que ainda me restava.
Quem dera o ridículo do derramamento e da chafurda
Nas más águas do ressentimento
Fossem acidentes tão simples de se resolver...




sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

cigana

perdida em solo estrangeiro
em que cores demarcam
histórias e territórios,
um onírico acerto de contas:
a agulha invisível do destino
perfura a pele
e o vermelho brota

rósea, mística aliança
firmada em outra dimensão

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

uma nova esfera

dos abismos plutonianos,
onde vibram os registros akáshicos,
uma pulsão maligna expele
um tipo desconhecido, até então,
de tristeza

não mais a filha da minha alma partida,
mas um sombrio filho de Omulu
que nos observa enquanto soam
os tiques taques
do relógio do juízo final