segunda-feira, 17 de maio de 2021

sleeping pills #02

The Family jewels (2010) - I

“Are you satisfied with an average life?”

“Sad inside.”

A ganância de “ser algo” que não se detém na vida mesquinha de repetir padrões pré-estabelecidos.

Nos últimos tempos venho cogitando quanto às possibilidades de também me acalmar quimicamente, para além do derramamento dessas palavras, que são velhas companheiras dos momentos em que eu só queria arrancar os cabelos, sair correndo, beber, fumar, feeling that I wanted to die.

A histeria nervosa de ser cobrada um milhão de coisas diferentes por esse mundo: que não mais me define, nem me permite me definir, enquanto eu mesma me perco nos círculos viciosos que me roubam a vida sem me dar a coragem de desistir dela.

O mundo aberto é o mundo da crise, em que tudo o que é sólido desmancha no ar. A tristeza envenena por dentro, angústia destilada pelo espírito do Tempo.

“How fast will you succeed?”

 O que é ser bem-sucedido? A velha falácia do “estude para ser alguém na vida”, quando somos simplesmente porque nascemos.

Pra onde vamos com tanta pressa? Pra onde estamos correndo, uns contra os outros?

“Garantindo o lugar no futuro?” Que futuro, se nossa pressa está deixando um imenso rastro de destruição?

Pode ser que eu morra sem sucesso, anônima, amanhã, porque o futuro não está garantido pra ninguém.

Do caminho para a iluminação: “viver o dia de hoje. Viver aqui e agora, principalmente”. 

domingo, 16 de maio de 2021

sleeping pills #01

 Exegese profana – Marina and the Diamonds – uma experiência sentimental

 

Para que eu me divirta em uma experiência auto-centrada, que é o modus operandi da nossa geração, de pessoas que se compartilham publicamente de forma mais ou menos honesta.

Eu mais ou menos honestamente escrevo isto, que chamo “exegese profana” por uma vocação de ser pernóstica – o gosto pelas palavras pomposas, saborear linguagem, mania nossa, de quem gosta, ama, sofre, sua e sangra palavras.

Exegese, porque se há algo que me provoca transcendência, para os céus e para os infernos da existência, esse algo é a arte. E estar com as pessoas, amá-las, também. O que eu também considero um tipo de arte.

Profana porque não é sagrada. Mesmo porque o sagrado pode ter o tom dogmático que eu, como a idealista que sei que sou, tendo a ter. Mas o dogmatismo me fez e me faz sofrer. É complexo estarmos radicalmente abertos para o outro – amor e medo andam de mãos dadas, afinal.

Meu plano também é pensar na questão da “iluminação profana” a partir do que Walter Benjamin diz no ensaio sobre o surrealismo. Não sei quando vou reler o texto para fazer o trabalho do fichamento e dizer, aqui, o que exatamente me encanta e instiga nesse conceito.

(Bobagem essa necessidade de tanta exatidão? Talvez. Talvez. Faz parte do processo. De qualquer forma, será necessário revisar o texto...)

Historicamente, na minha vida singularíssima, a ideia de “iluminação” sempre se me afigurou como uma possibilidade de sentir calma. Eu, que padeço dessa histeria nervosa que é ser uma mulher que não se define: o ciclo vicioso da dúvida enrola os meus pés publicamente nos tapetes das etiquetas. Interiormente, também. Não é de hoje que eu canto os horrores da humilhação e da vergonha.

(A iluminação é a “fusão da consciência individual com a consciência cósmica”, me disseram uma vez. Achei tão assombroso que exista tal possibilidade que jamais consegui esquecer essa definição.)

Mesmo aprisionada melancolicamente pela dúvida, tendo a ser radicalmente honesta comigo mesma, e radicalmente amorosa, como compromisso e práxis. Love and despair flood the deepest of my soul.

“Tendo” a ser, porque existem aquelas mentiras inconscientes que a gente não tem muito controle sobre o quanto as contamos pra nós mesmas sobre nós mesmas.

Para os outros, é tudo performance.

A vida interior é incomunicável, a linguagem é isto que agora eu leio, por sobre a qual me esparramo, e oferto, medrosa, a uns poucos que não sei se têm paciência pros meus excessos confessionais.

A confissão também é uma técnica. Humilhante, pra quem se leva muito a sério. Mas não sei rir de mim mesma porque não encontro o ponto em que eu controlo a autodegradação. Resquícios daquela juventude em que tudo é peso e trevas, que foi de onde eu vim, de onde eu tenho dificuldade de sair, no mais das vezes.

Conversar com outras vozes, abrir pontes, mas me divertir na minha viagem dentro de mim mesma, que é como eu costumava atravessar os dias de Saturno. Escrevendo para me traduzir pra mim.

Mas, tendo lido e lido ao longo da minha vida, são várias as vozes que falam dentro de mim, e que espocam no meu texto.

Como o verbo “espocar”, emprestado da Adélia Prado. Ou mesmo aquela citação de Fernando Pessoa ali em cima, a qual eu nem me dei ao trabalho de colocar entre aspas: roubei com o cinismo de quem não precisa se preocupar at all com qualquer rigor aqui e agora.

Durante algum tempo rezei para alguns textos, para algumas ideias, para alguns deuses, algumas deusas. Rezei com fervor. Mas também preguei meu próprio evangelho no obscuro e solitário espaço do meu blog pessoal, e em outras palavras que esparramei aqui e ali, por aí. Sempre com vergonha e medo. Mas sem coragem de abandonar o manejo das palavras, essas que curam, salvam, mas também danam.

(Outra ideia que me lembra uma dessas vozes, que eu conheço acusticamente, e cuja presença vai habitar pra sempre dentro das minhas melhores lembranças.)

A Marina é uma dessas vozes em que eu leio honestidade, coragem, paradoxo, fragilidade, entrega... É gratificante abrir a minha alma para a experiência de ler a alma de quem se oferece como um livro aberto. Eu li, e não posso deixar de render meu culto à beleza que percebi.

Temos nossos aedos eleitos, esses que traduzem aquilo de que nossa alma está inundada. Com as músicas da Marina, eu fiz travessias que não cabem nessas palavras aqui: as palavras compõem a obra, mas a obra é a máscara mortuária da concepção (citando o mesmo Walter Benjamin, mas do que ouvi Gilvan dizer).

Insuficientes, sim, mas não inválidas. Nem que seja para um exercício de mergulho no meu espelho d’água, mas em um lago compartilhado.

A experiência humana é simultaneamente singular e coletiva. Eis uma dimensão da existência que dá vários nós na minha modesta, porém ambiciosa percepção.

Vou contar pra mim mesma a minha própria história através da história dessa artista que surpreendentemente me traduz nas nuances mais contraditórias da minha própria personalidade.

Aqui eu poderia fazer a longa peroração astrológica sobre motivações mil, mas não vou entregar logo de cara essas minhas fixações nesse texto específico. Elas inevitavelmente virão espalhadas pelas leituras que eu propuser de cada uma das letras das músicas de cada um dos discos da Marina Diamandis. Não é como se eu não falasse disso o tempo todo, também (da fixação astrológica, quero dizer).

(A fixação pelo rigor é esse anseio infantil de ser levada a sério em um mundo que sempre me recusou o status de sujeito. Muito difícil emendar essas feridas.)

(Porém, hoje, ouvindo a D. declamando Matilde Campilho, ela me deu a ideia de que “fendas são lugares por onde a luz entra”. Vi outra publicação pela internet que se demorava sobre essa mesma noção, mas de forma menos lírica, mais crua e violenta. Não deixa de ser uma boa ideia, independentemente da abordagem, em especial nesse nosso tempo em que a maior parte dos dias e das notícias são de trevas e feridas fendidas nas nossas almas.)