sábado, 18 de abril de 2020

Do dia 14 de janeiro de 2020

O ser humano cindido ao meio

A divisão por dois é só o início de um desmoronamento que passa, ainda, pela fragmentação e pela pulverização. Em cada metade, parte, partícula ou átomo, o preço que constantemente se paga por constantemente ser necessário escolher um caminho por vez. Não sendo possível - aliás, sendo cada vez mais impossível - fazer com que cada microdecisão crie uma unidade coerente de discursos e ações, a sensação de fluxo equilibrado na passagem dos segundos fica cada vez mais distante. A angústia cresce pelo medo constante de o tempo passar e permanecermos escolhendo as opções que nos desagregam, em vez de manter em mente aquilo que nos pode trazer INTEGRIDADE.
Nos falta clareza. E ainda não sei como ser enfática o suficiente no sublinhar da necessidade de adquiri-la.
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Da Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han (2017):
O medo está para a angústia
Como a irritação está para a ira

Do dia 1° de janeiro de 2020

Passam os anos e há coisas que mudam, outras não. Olhar para trás transforma-se em um exercício cada vez mais doloroso, porque cada dia vivido cria uma nova memória - e em cada memória, uma potência de trauma da/pela perda.
O medo de viver deixa os dias mais seguros e mais cinzentos. Ensimesmar-se é confortável, a despeito da solidão; lançar-se ao mundo é arriscar criar laços que podem ou não se desmanchar.
Mas nós queremos criar laços novos, quando os antigos já representam angústias e dores suficientes?
Qual é o bright side de estar com o outro?

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Ensimesmar-se é necessariamente olhar para trás, então há o prazer do conforto misturado à dor da solidão.
Eu tenho medo de ver como o tempo passa. Mas recusar-me a ver e assumir o aspecto mais cru da realidade - essa é a trava que vai me impedir de encontrar sossego.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

SOBRE AS MARCAS DA NEUTRALIZAÇÃO LINGUÍSTICA DE GÊNERO

Um interlocutor do meu cotidiano atual me solicitou uma reflexão sobre esse fenômeno que consideramos, consensualmente, uma "idiotice": todes, todxs, tod@s, esses tipos de tentativa de neutralização das marcas de gênero em certos aspectos da nossa língua brasilis.

Daí eu fui conversar com duas pessoas que poderiam me oferecer bons argumentos a esse respeito, uma vez que eu nunca havia realmente parado pra pensar sobre essa questão. A Sammy, minha amiga querida, minha roommate, que se declara muito corajosamente "feminista radical" nas redes sociais, de que ela participa ativamente (@assombrasammy o Instagram); e meu querido pai, Antonio Peixoto, que também participa ativamente das redes sociais (@antoniohmpeixoto o Instagram) e é professor de língua portuguesa há um bocado de décadas.

Isso é o que eles me disseram, em linhas gerais, e eu quero deixar registrado pra quem também tiver interesse no tema e quiser prosseguir com a discussão.

SAMMY:

Pessoas disléxicas não conseguem entender o que você quer dizer com a substituição das vogais - fato concreto sobre a dificultação linguística pra quem já apresenta questões com a modalidade escrita (o léxico);
Usar os gêneros majoritariamente no feminino para marcar a resistência - porque o feminino é a oposição à regra da generalização masculina e do feminino como segundo sexo;
É uma idiotice porque se pretende a neutralização de algo que não é objetivamente neutro.

PAPI:

- Argumentos linguísticos básicos:

Não há respaldo para essas alterações nem na gramática, nem na linguística, nem na sociolinguística (a linguística chegou ao Brasil nos anos 80; a sociolinguística, pouco depois - e essas discussões sobre identidade de gênero são muitíssimo recentes - datam, talvez, da teoria Queer da Judith Butler);

A gramática normativa é machista: exemplo das regras de concordância nominal:
"1. Revista e jornal VELHOS ou VELHO ( referência a " jornal " , apenas ) ;
2. Jornal e revista VELHOS ou VELHA ( alusão a " revista " , apenas ) ;
3. Homens , mulheres , meninas e crianças EDUCADOS ou , concordando com o substantivo mais próximo , EDUCADAS . Há outras regras interessantes , mas acredito serem essas suficientes para a discussão em tela !" (PEIXOTO, Antonio, 2020)
Exemplos dos vocativos usados por líderes políticos ("Trabalhadores do Brasil" - Getúlio Vargas; "Brasileiras e brasileiros" - Sarney; "Minha gente" - Fernando Collor);

Alteração na modalidade escrita que não é praticável na modalidade oral é um contrassenso, porque o mais real da linguagem, que é a oralidade, não comporta esse tipo de alteração (o que queremos dizer com "neutralização de algo que não é objetivamente [historicamente, socialmente, politicamente] neutro").

-- A modalidade escrita é uma fixação artificial em normas do fenômeno linguístico, que é sócio-historicamente inscrito.

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Pode ser que essas ideias ainda se desdobrem em outras; é nesse pé que a pesquisa anda. Dúvidas, sugestões, pitacos e etc são bem-vindos.


Beijos.