terça-feira, 14 de dezembro de 2021

mal explícito

eu choro
meu segredo é que sou uma moça sentimental
faço escândalo, dou chilique, eu choro, eu canto, eu converso
escancaro o meu medo
dramatizo a minha dor
me excedo no sofrer
necessito de gente
que me oriente

se você me pergunta
"como vai?"
respondo sempre igual
"é... vamo indo"

mas quando você vai embora
corro meu rosto pro espelho
minhas vísceras choram

vejo Juiz de Fora
vejo Juiz de Fora

comovo, eu saldo, não mudo
meu sujo olho vermelho
eu fico parada
não fico calada
não fico quieta

canto, choro, converso
e tudo isso e muito mais
jogo num verso
intitulado mal explícito 

domingo, 12 de dezembro de 2021

a traição do inconsciente

Nos meus sonhos encontro com esse Outro que me chama e me fere,
Me subjuga à minha revelia
- Eu, que nunca soube me representar em causa própria,
E fiquei exigindo tanto do amor, em vez de me oferecer a ele.

"Nem amar eu sabia, nem amar eu sabia."

O tempo me tem ensinado muito sobre os meus desejos.
Tenho ensaiado, nas longas horas de sono a que me entrego, a entrega desperta:
A que vai me redimir para o Amor,
Esse por quem tanto, tão ardentemente anseio,
Sabendo-o, levando-o a cabo
Antes que a radicalidade do não-ser me arrebate dessa existência diáfana.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

derramamentos

vertem-se-de-mim
todas as minhas más águas de amor represadas.
(quase) todas elas tão más que me recordam uma fala:
"se todos foram tão ruins, talvez o problema seja você".
Sim, maldito. O problema sou eu,
a lo(s/v/n)er.

"Love is a losing game".

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Sou a mesma pessoa

Negligencio minhas frieiras
Pelo inocente gozo de coçá-las.
Trago os mesmos ombros tensos
E o mesmíssimo fino
Grito de horror
Permanentemente instalado
No fundo da minha garganta
– nem sempre abafado.
Sou a mesma pessoa.
A mesma tristeza úmida
Pende de meus olhos fundos.
O mesmo pasmo –
Mas, agora, envenenado.

A consciência do Inverno
Me trouxe, porém, novas palavras.
O mundo desencantado,
Só se o aguenta se se puder cantar
– ou gritar.




segunda-feira, 15 de novembro de 2021

música para embalar a alma

Não fosse nossa capacidade humana de fazer música,

Os pensamentos já teriam corroído os últimos resquícios da minha sensibilidade mais fina,

Deixando-me à deriva da loucura.

O que há em mim é sobretudo cansaço e desalento

Em face de um mundo em vias de atravessar seu ocaso.

(E eu que pensava que sofria... [Mas sofria deveras.]

Soubesse eu o que seria o desenrolar dos dias

- Soubesse eu que os dias efetivamente se desenrolam

E não ad aeternum.)

"O frio do que não sentirei morde o coração atual."

sábado, 13 de novembro de 2021

ética para um mundo em crise

 Amor não é licenciosidade. Ele não justifica tudo, ele não é o Absoluto.

Se existe toda uma gama de sentimentos e emoções e gestos e atos experimentados pelo ser humano em sua experiência de viver e existir

- E o Amor é apenas um deles -,

Ele deve orientar os traços que desenhamos em nossos limites.

O Amor é o reconhecimento honesto, sincero e respeitoso de nós mesmos e do outro.

transcendências

 "Deus é impecável" e Konder é "impenitente".

Se Deus abençoa o capitalismo, sou eu impenitente também.

Se Deus é a ausência do pecado, Deus e capitalismo são diametralmente opostos.

O deus minúsculo de Clarice me cabe suficientemente para a angústia que me envenena as horas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

sobre a necessidade das experiências coletivas

ou: sobre amadurecimento político


Agora que parece que a roda da minha vida encontrou algum eixo

- Eixo móvel, devo ressaltar, porque a vida está em movimento -, 

São muitas as recordações que me causam o pasmo do movimento da vida.


Hoje me recordava do encerramento de uma Jornada Literária, talvez,

Em que nos reunimos todos, palestrantes e plateia, ao fim da última conferência,

Fizemos uma grande roda ao redor do redondo jardim central dentro do prédio da faculdade de Letras.

Todos de mãos dadas, irmanados

- Eu incomodada, sem entender muito bem o propósito daquilo tudo,

Achando tudo meio exagerado.

Eu sentia, sinceramente, que não precisava de tanto. 

Doce ilusão. 


Hoje entendo

A necessidade de nos darmos as mãos e nos irmanarmos em esperança

De que dias melhores venham,

De que consigamos criar dias melhores.

Já era necessário, é claro, desde bem antes de eu ter a capacidade de compreender essa necessidade.

Bem antes deste evento que descrevi,

Ou mesmo antes,

Antes,

Bem antes,

Num passado não imemorial

Mas terrivelmente anterior ao despertar da minha consciência individual

Para o problema da crise da modernidade.



(Sozinha, minha consciência individual [quase] nada pode.

É uma dor, mas também uma alegria,

Esse despertar radical dos sentidos 

Que possibilita a vertiginosa prática de ler o mundo.)

domingo, 17 de outubro de 2021

Lilith e Eva

 


Do Dicionário de símbolos (p. 566) - Lua Negra:

"A Lua Negra, que é associada a Lilit, a primeira mulher de Adão, cujo sexo se abria no cérebro, está ligada às noções do intangível, do inacessível, da presença desmedida da ausência (e o inverso), da hiperlucidez dolorosa, de tão intensa. Mais que um centro de repulsão oculto, a Lua Negra encarna a solidão vertiginosa, o Vazio absoluto, que não é senão Cheio por Densidade.
Essa força imaterial é também a mancha cega aureolada de chamas negras, que aniquila o lugar onde gravita. Pode, entretanto, transfigurar a casa astrológica onde se encontra no tema natal, graças ao dom absoluto de si mesma, ou a sublimação. Outras vezes, quando recebe influxos maus, é a desintegração que a espreita.
Hadès associa a Lua Negra ao elemento pesado, tenebroso de Tamas: ela simbolizaria então a energia a vencer, a obscuridade a dissipar, o carma a purgar. Está sempre ligada a fenômenos extremos, oscilando entre a recusa e a fascinação. Se não atinge o Absoluto que ele procura apaixonadamente, o ser marcado pela Lua Negra prefere renunciar ao mundo, mesmo que ao preço de sua própria destruição ou do aniquilamento de outra pessoa. Mas se ele sabe transmutar o veneno em remédio, a Lua Negra permite o acesso à porta estreita que abre para intensa libertação, intensa luz... Jean Carteret, teórico das luminares negras, sublinha a relação entre a Lua Negra e o Unicórnio, que rasga ou fecunda divinamente, se o ser estiver purificado de suas paixões. A Lua Negra designa uma via perigosa, mas que pode conduzir de maneira abrupta ao centro luminoso do Ser e à Unidade.
A Lua Negra é o aspecto nefasto da Lua: símbolo do aniquilamento, das paixões tenebrosas e maléficas, das energias hostis a vencer, do Carma, do vazio absoluto, do buraco negro com seu poder assustador de atrair e absorver."

02/06/2021

[Vênus em Virgem]


If you wanna fuck me hard,

Please, please,

Fill in my soul with the 

Electricity of your body

But please,

Please,

Gimme a slight glimpse

of tender love.


03/06/2021

"There are two Ripenings ― one ― of sight ―

Whose forces Spheric wind

Until the Velvet product

Drop spicy to the ground ―

A homelier maturing ―

A process in the Bur ―

That teeth of Frosts alone disclose

In far October Air."

                                (Emily Dickinson)


06/06/2021

[Lilith em Capricórnio]


O estranho fetiche:

tesão pelo mal,

a virilidade violenta,

encarnações marciais

- essas mesmas que estão

destruindo o planeta Terra.


12/06/2021

[Mercúrio em Libra]


Minha voz começa a amargar

No fundo da garganta 

À medida que começa a encorpar

A engrossar

Tonitruante angústia 

De um ressentimento

Em vias de transbordar.

.

.

.

.

.

.

.

.

(Quando há de transbordar?)

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

8 de outubro de 2021 - parabéns para mim

 Comparando Normal people: romance (Sally Rooney) x série audiovisual (Hulu)


No romance, o discurso indireto livre (o "fluxo de consciência/monólogo interior"[?]) causa um efeito de muito maior penetração na psique de Connell e Marianne: enxergamos um ao outro e os arredores a partir de suas percepções subjetivas, e nos deixamos envenenar, por assim dizer, por suas emoções convulsivas. Na série, a riqueza de nuances de seus mundos interiores fica muito mais pálida, e o óbvio da atração que um sente pelo outro é colocado numa evidência que apaga ambiguidades e conflitos internos, deixando o desenvolvimento da relação entre eles muito mais linear - nos três primeiros episódios. O desenrolar da trama na série dá conta de explicitar as circunstâncias que os colocam em uma assimetria afetiva, desconectada do desejo mútuo, pulsante - mas que arrefece, ainda que brevemente, nos momentos em que a dor é mais pungente.

A obviedade da atração é percebida pelo espectador, mas posso dar o testemunho de que, realmente, os sentimentos do outro nunca parecem tão óbvios quando sua própria alma está despedaçada: "o coração do outro é terra em que ninguém pisa". Eis a importância de sabermos dar voz, contornos e palavras pras nossas emoções, o mais possível.


(Não sei também se tudo isso me parece tão mais óbvio visto que eu mesma superei a adolescência emocional, o que tem suas perdas - da inocência, principalmente, que me costumava ser tão cara, como uma cruel e falsa garantia de que "nada ia mudar" - mas também seus ganhos em lucidez e discernimento crítico, fundamentais para a interrupção de estruturas mentais arbitrariamente eternizadas, cujo deslocamento causa incômodo e dor, mas abre espaço e possibilidade de que um novo melhor e necessário venha.)


Nossa obscura mente juvenil (pequeno-burguesa?) tem por princípio uma flexibilidade ética e moral a qual nos permitimos durante as decisões problemáticas que tomamos, acreditando que nossos sofrimentos individuais justificam a banalização dos sentimentos do outro. O amadurecimento emocional consiste na responsabilidade afetiva assumida e sustentada: o que é anti-capitalista e revolucionário a seu modo.

Não é casual que Marianne volte para os estudos de história e ciência política, ainda que não consiga utilizar da consciência macropolítica para a transformação de sua micropolítica - se bem que, tendo o arco temporal do romance sido finalizado ao fim de seus períodos de formação superior, Marianne viveu sua juventude como todo pequeno-burguês millenial a vive: acometido pelas mais variadas afecções psíquicas. Ansiedade e depressão são fina e delicadamente retratadas tanto no romance quanto na série. Se deles soubéssemos para além dos seus 25 anos, poderíamos constatar os efeitos subjetivos de suas investigações contra-hegemônicas - nos outros outros livros de Sally Rooney, talvez?

Marianne vive a claustrofobia depressiva no nível sexual em suas experiências sado-masoquistas com diferentes namorados - mas não com Connell. O sentimento é apropriadamente elaborado em sua ambiguidade constitutiva a partir das amarrações entre desejo e poder que Sally Rooney desenha nas vozes internas das personagens - em especial na de Connell, que não precisa levar a demonstração de poder às vias físicas de fato, uma vez que ele teria um "domínio absoluto" sobre as emoções de Marianne. Confesso que esse aspecto me deixou levemente brochada, apesar de eu compreender. É mais um problema meu do que da escritora, certamente. Ou não. 

Marianne forma um todo coerente, ela demonstra uma integridade de caráter, ainda que esteja emocionalmente estilhaçada; Connell, por sua vez, e talvez devido à sua posição masculina, apresenta uma cisão interna que o bloqueia constantemente em suas tomadas de decisão, as quais se tornam incertas e hesitantes ("concretude tem a ver com o desejo" (ROQUE, 2018, p. 13), e esse traço é próprio do devir-mulher). As tomadas de decisão não deixam de acontecer, contudo, mesmo que agonizadas pela hesitação - essa que causa cisão, mas não estilhaçamento.

A ficção tentando ensinar o homem a chorar - "Erotismo, o devir-mulher da política"

"Erotismo também tem a ver com processos de cura" (ROQUE, 2018, p. 14), mas também: "Poderíamos estar vivendo num mundo ainda mais alienado e violento se as mulheres não realizassem o trabalho de ensinar aos homens que perderam o contato consigo mesmos como viver novamente. Esse trabalho do amor só é fútil quando os homens em questão se recusam a acordar, se recusam a crescer. Nesse ponto, é um gesto de amor-próprio das mulheres romper com a relação e seguir em frente" (HOOKS, 2020, p. 192). Impossível deixar de registrar, aqui, que Sally Rooney é uma escritora-mulher-mulher-escritora.


Referências

HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Tradução Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2020.

ROQUE, Tatiana. Erotismo e risco na política. São Paulo: n-1, 2018. Disponível em: https://www.n-1edicoes.org/cordeis/EROTISMO%20E%20RISCO%20NA%20POL%C3%8DTICA-18. 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

wish I could

not have to run down deep to these forbidden words

that hide themselves into this demi-language

that's a fucking deceiving double persona to the feelings that run wild

they run wild inside me 


(nausea)


i wish i could be honest

so heartedly honest

about all of this and everything else 

and quit, and cease the pain...









sábado, 14 de agosto de 2021

Sexta-feira 13, lua em whatever

O ser humano é cindido em dois: o hemisfério do eu, esquerdo, e o hemisfério do nós, direito.

Ligando-os, o corpo caloso: 3º olho na parte traseira da cabeça, nuca superior.

Mas ele não é um órgão externo como os olhos físicos: é o olho da mente, interior, DIALÓGICO, com a consciência da heterogeneidade, da duplicidade das coisas: seu caráter cinzento.

Liev Tolstói: "Toda a diversidade, todo o encanto, toda a beleza da vida é feita de sombra e de luz."

Safo: "E o amor nascia de sua beleza."

- Décio Pignatari: "Mas aí entra o problema da ciência": pensar com o lado esquerdo que ganha forma na mão direita levantada acima da cabeça.

Mas aí percebem o erro, e levam essa mão não mais ao canto superior direito, mas ao coração.

Como quem diz:

"I'm so sorry."

"Eu sinto muito."

Mas se o que vier depois não for uma acolhida radicalmente generosa,

Levar a mão ao coração equivalerá a lavar as mãos.

(No sentido metafórico, é claro.)

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Marielle Franco e Carlos Marighella: presentes!


 

[...]

Cada página, uma vitória.

Quem cozinhava o banquete?

A cada dez anos um grande homem.

Quem pagava a conta?

 

Tantas histórias.

Tantas questões. (BRECHT, 2012, p. 166)


A elaboração teórica do campo dos Estudos Culturais visa a compreensão da cultura não mais como algo apartado de uma vida cotidiana e material, como um cultivo de valores espirituais a ser preservado por uma elite intelectual: objetiva-se o entendimento das disputas político-econômicas no campo da produção de significados socialmente partilhados. Comentando a noção de Raymond Williams sobre uma “cultura em comum”, Maria Elisa Cevasco (2003) afirma que

 

O exemplo mais claro da dependência da criação de processos que são comuns à toda a sociedade é a linguagem; ela é uma prática social cujo significado é estendido e aprofundado por certos indivíduos, cuja criatividade depende do grupo social para sua inteligibilidade (CEVASCO, 2003, p. 20).

 

Tendo como ponto de apoio essa questão da produção de uma linguagem partilhada socialmente, coletivamente, e noticiada de uma maneira inédita ao considerarmos o que vem sendo o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação na era das mídias digitais, propomos uma elaboração crítica a respeito de um acontecimento da história recente brasileira. Uma organização autodenominada “Revolução Periférica” ateou fogo à estátua do bandeirante Borba Gato, na cidade de São Paulo, no dia 24 de julho de 2021[1]; nesse dia estavam ocorrendo, ao redor de todo o Brasil, manifestações contra o governo do presidente Jair Bolsonaro. Seis dias depois, é veiculada a notícia de que haviam sido depredados um mural com a imagem da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, e um monumento em homenagem a Carlos Marighella, guerrilheiro que atuava contra o regime militar brasileiro, assassinado em 1969[2]. Os dizeres pichados no mural, “666. Viva Borba Gato”, associam diretamente o segundo acontecimento como resposta ao primeiro; a mesma tinta vermelha espalhada sobre a imagem do rosto de Marielle Franco e sobre o monumento em homenagem a Marighella une os dois símbolos sob o mesmo signo da resposta violenta.

O que nos intrigou foi a precisão da resposta: ambas manifestações iconoclastas denotam uma consciência aguda das ideias que os três ícones sustentavam. De um lado, Borba Gato representando a história dos vencedores: o trecho do poema de Brecht que trazemos como epígrafe situa-nos ao lado de quem questiona a posição de privilégio histórico desses “grandes homens”. Compreendemos o ataque à estátua de Borba Gato como uma reverberação das manifestações ocorridas na Europa e nos Estados Unidos em decorrência do assassinato de George Floyd, homem negro estadunidense, ocorrido em 25 de maio de 2020. Doze dias depois, na cidade de Bristol, Inglaterra, a estátua de um comerciante de pessoas negras escravizadas foi derrubada e atirada ao mar, em um ato de protesto contra o racismo e a violência policial que vitimaram Floyd. O fluxo digital de informações permitiu que as notícias desses acontecimentos chegassem ao Brasil muito rapidamente, e a concretização de ato semelhante, aqui, atesta uma consciência política atenta e em movimento, ao contrário do que o senso comum poderia supor.

No ensaio intitulado “As raízes negras da liberdade”, Nikole Hannah-Jones (2020) disserta sobre a participação das pessoas negras na construção dos Estados Unidos como “a mais rica e mais poderosa nação do mundo”, abarcando as contribuições da mão de obra negra trabalhadora, bem como suas produções intelectuais e seus movimentos de resistência. À parte o que seu discurso preserva de um orgulho patriótico que serve a propósitos neoimperialistas, a autora faz um percurso histórico que ressalta a relevância dos negros estadunidenses para o estabelecimento do país como uma democracia. Dentre as contradições e violências desse processo, Hannah-Jones menciona a perseguição aos homens negros veteranos da Segunda Guerra Mundial – uma vez que esses homens tivessem vestido uma farda e defendido a bandeira estadunidense, eles se sentiriam compelidos a lutar pelo reconhecimento de sua participação na democracia estadunidense. O que se obteve foi bem diferente do reconhecimento esperado:

 

No auge do terror racial neste país, os norte-americanos negros não foram apenas assassinados, mas também castrados, queimados vivos e esquartejados, com partes de seus corpos exibidas nas vitrines de lojas. Essa violência tinha como objetivo aterrorizar e controlar as pessoas negras, e, talvez igualmente importante, servia como um bálsamo psicológico para a supremacia branca: seres humanos não seriam tratados dessa forma (HANNAH-JONES, 2020, não paginado).

 

Isabel Wilkerson (2020), no ensaio “A raça é a pele, e a casta, o osso”, evoca o caso do estrangulamento de George Floyd para desenvolver sua crítica ao sistema hierárquico que sustenta a desigualdade racial estadunidense, em consonância com o que Hannah-Jones apresenta em seu ensaio através de um apanhado histórico. O tratamento dispensado a Floyd reverbera essa antiga exibição pública da violência contra as pessoas negras como forma de, simultaneamente, aterrorizá-las e confortar as pessoas brancas: a demonstração da supremacia branca serve à manutenção das “castas” às quais a autora se refere.

No caso brasileiro que aqui evocamos é possível observar muitas semelhanças quanto às demonstrações de poder que buscam manter uma ordem vigente. Percebemos um movimento duplo de repressão às marcações de posicionamento dos representantes da “história dos vencidos”: por um lado, o ataque à memória de Marielle Franco e Carlos Marighella, duas pessoas negras que atuaram politicamente e foram brutalmente reprimidas por regimes brasileiros de tendência totalitária. Por outro lado, temos, ainda, a prisão de Paulo Galo, líder do movimento dos “entregadores antifascistas”, que vem buscando a organização e a politização dos trabalhadores que prestam serviços a aplicativos como o Ifood, o Rappi e o Uber. Paulo Galo assumiu a autoria do incêndio à estátua de Borba Gato junto a outros integrantes da Revolução Periférica e, a despeito de o Superior Tribunal de Justiça já haver determinado sua soltura, Paulo permanece preso.

Walter Benjamin, em suas teses “Sobre o conceito de história”, afirma que “O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que tampouco os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer.” (BENJAMIN, 2012, p. 244, grifo do autor). Carlos Marighella, Marielle Franco e Paulo Galo fazem parte desses historiadores que não deixam de resistir a um inimigo que não tem cessado de vencer.

Em seu último discurso, por ocasião das celebrações do 8 de março, enquanto trazia denúncias de violências cometidas pelo Estado contra as populações marginalizadas, Marielle Franco brada: “Não serei interrompida”[3]. Segundo Anne Carson (2020), no ensaio “O gênero do som”:

 

Colocar uma porta na boca das mulheres tem sido um importante projeto da cultura patriarcal desde a Antiguidade até os dias presentes. Sua estratégia principal é criar uma associação ideológica do som produzido pelas mulheres com o monstruoso, a desordem e a morte (CARSON, 2020, p. 117).

Vozes como a de Marielle Franco, que se insurgem na luta contra o racismo, a misoginia e o patriarcado, são silenciadas por representarem uma “desordem” em relação à história dos “grandes homens”.  George Packer, no ensaio “Os inimigos da livre expressão”, aponta: “Como o Charlie Hebdo demonstrou, a livre expressão, que constitui a base do trabalho de qualquer escritor, pode ser um osso muito duro de roer” (PACKER, 2020, p. 263). O medo oblitera a livre expressão, elemento essencial à construção de uma democracia mais sonhada do que vivida; haverá sempre quem se disponha a roer esse osso?



[3] Indicamos, aqui, a referência do texto integral de seu discurso, disponível em: http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/discvot.nsf/5d50d39bd976391b83256536006a2502/cd266fdef87ea5fc8325824a006d079d?OpenDocument (acesso em 07 ago. 2021). Acrescentamos também a referência a um vídeo que registra esse discurso, uma vez que ele guarda vestígios da potência de sua voz, que continua ecoando mesmo depois de sua autora ter sido silenciada: https://www.youtube.com/watch?v=5PwJHGBoxTM  (acesso em 07 ago. 2021).


sábado, 10 de julho de 2021

O oculto não existe

Tudo está dado para quem sabe ler 

As linhas do real, relatadas pela linguagem

- A despeito de sua insuficiência constitutiva.

Tudo se constrói como discurso

Mas o corpo, "the most real reality,

doomed to disappear",

Ele não se permite transcrever por completo.

Resta-nos viver, aguçando os sentidos,

Lendo as dobras e redobras da fractal organização cósmica,

Rejeitando tudo aquilo que não afirme

A vida em sua radical potência de ser.


sábado, 3 de julho de 2021

"Persephone is having sex in hell"

Vou-me embora.
Vou-me embora.
Vou-me embora pra Pasárgada.
Vou-me embora de Pasárgada.
Vou-me embora daqui.
"Arrancaria minha cara, de desgosto."
Toda a minha vergonha de
Talking back
Erguer a voz

Não há amor aqui
Não há amor anywhere.

Vou-me embora,
Mas não há para onde ir.

"I know it's over, still I cling
I don't know where else I can go"






domingo, 6 de junho de 2021

"eu nem gosto de acampar"

 Entre o eu e o outro, existe um muro de angústia.

O mesmo que o Pessoa relatava existir em torno do seu eu, enquanto paralisado pelo fosso do fundo de uma depressão sem fundo.

Ainda que não haja fosso, muro sempre há.

O próprio Pessoa buscou romper com essas paredes espalhando suas entranhas mentais em desdobramentos que ele nomeou "outros"

(E, de fato, há muitos eus e outros dentro de um Eu),

Mas a essência do muro que nos cerca a todos

É a tão-fina-quanto-densa incomunicabilidade do ser.

Aí, de fato, usamos dos pixels (visual) e da eletricidade (neuronal)

Para cobrir o outro das mais belas luzes

- configuradas pelos algoritmos dos nossos pensamentos automatizados. 

segunda-feira, 17 de maio de 2021

sleeping pills #02

The Family jewels (2010) - I

“Are you satisfied with an average life?”

“Sad inside.”

A ganância de “ser algo” que não se detém na vida mesquinha de repetir padrões pré-estabelecidos.

Nos últimos tempos venho cogitando quanto às possibilidades de também me acalmar quimicamente, para além do derramamento dessas palavras, que são velhas companheiras dos momentos em que eu só queria arrancar os cabelos, sair correndo, beber, fumar, feeling that I wanted to die.

A histeria nervosa de ser cobrada um milhão de coisas diferentes por esse mundo: que não mais me define, nem me permite me definir, enquanto eu mesma me perco nos círculos viciosos que me roubam a vida sem me dar a coragem de desistir dela.

O mundo aberto é o mundo da crise, em que tudo o que é sólido desmancha no ar. A tristeza envenena por dentro, angústia destilada pelo espírito do Tempo.

“How fast will you succeed?”

 O que é ser bem-sucedido? A velha falácia do “estude para ser alguém na vida”, quando somos simplesmente porque nascemos.

Pra onde vamos com tanta pressa? Pra onde estamos correndo, uns contra os outros?

“Garantindo o lugar no futuro?” Que futuro, se nossa pressa está deixando um imenso rastro de destruição?

Pode ser que eu morra sem sucesso, anônima, amanhã, porque o futuro não está garantido pra ninguém.

Do caminho para a iluminação: “viver o dia de hoje. Viver aqui e agora, principalmente”. 

domingo, 16 de maio de 2021

sleeping pills #01

 Exegese profana – Marina and the Diamonds – uma experiência sentimental

 

Para que eu me divirta em uma experiência auto-centrada, que é o modus operandi da nossa geração, de pessoas que se compartilham publicamente de forma mais ou menos honesta.

Eu mais ou menos honestamente escrevo isto, que chamo “exegese profana” por uma vocação de ser pernóstica – o gosto pelas palavras pomposas, saborear linguagem, mania nossa, de quem gosta, ama, sofre, sua e sangra palavras.

Exegese, porque se há algo que me provoca transcendência, para os céus e para os infernos da existência, esse algo é a arte. E estar com as pessoas, amá-las, também. O que eu também considero um tipo de arte.

Profana porque não é sagrada. Mesmo porque o sagrado pode ter o tom dogmático que eu, como a idealista que sei que sou, tendo a ter. Mas o dogmatismo me fez e me faz sofrer. É complexo estarmos radicalmente abertos para o outro – amor e medo andam de mãos dadas, afinal.

Meu plano também é pensar na questão da “iluminação profana” a partir do que Walter Benjamin diz no ensaio sobre o surrealismo. Não sei quando vou reler o texto para fazer o trabalho do fichamento e dizer, aqui, o que exatamente me encanta e instiga nesse conceito.

(Bobagem essa necessidade de tanta exatidão? Talvez. Talvez. Faz parte do processo. De qualquer forma, será necessário revisar o texto...)

Historicamente, na minha vida singularíssima, a ideia de “iluminação” sempre se me afigurou como uma possibilidade de sentir calma. Eu, que padeço dessa histeria nervosa que é ser uma mulher que não se define: o ciclo vicioso da dúvida enrola os meus pés publicamente nos tapetes das etiquetas. Interiormente, também. Não é de hoje que eu canto os horrores da humilhação e da vergonha.

(A iluminação é a “fusão da consciência individual com a consciência cósmica”, me disseram uma vez. Achei tão assombroso que exista tal possibilidade que jamais consegui esquecer essa definição.)

Mesmo aprisionada melancolicamente pela dúvida, tendo a ser radicalmente honesta comigo mesma, e radicalmente amorosa, como compromisso e práxis. Love and despair flood the deepest of my soul.

“Tendo” a ser, porque existem aquelas mentiras inconscientes que a gente não tem muito controle sobre o quanto as contamos pra nós mesmas sobre nós mesmas.

Para os outros, é tudo performance.

A vida interior é incomunicável, a linguagem é isto que agora eu leio, por sobre a qual me esparramo, e oferto, medrosa, a uns poucos que não sei se têm paciência pros meus excessos confessionais.

A confissão também é uma técnica. Humilhante, pra quem se leva muito a sério. Mas não sei rir de mim mesma porque não encontro o ponto em que eu controlo a autodegradação. Resquícios daquela juventude em que tudo é peso e trevas, que foi de onde eu vim, de onde eu tenho dificuldade de sair, no mais das vezes.

Conversar com outras vozes, abrir pontes, mas me divertir na minha viagem dentro de mim mesma, que é como eu costumava atravessar os dias de Saturno. Escrevendo para me traduzir pra mim.

Mas, tendo lido e lido ao longo da minha vida, são várias as vozes que falam dentro de mim, e que espocam no meu texto.

Como o verbo “espocar”, emprestado da Adélia Prado. Ou mesmo aquela citação de Fernando Pessoa ali em cima, a qual eu nem me dei ao trabalho de colocar entre aspas: roubei com o cinismo de quem não precisa se preocupar at all com qualquer rigor aqui e agora.

Durante algum tempo rezei para alguns textos, para algumas ideias, para alguns deuses, algumas deusas. Rezei com fervor. Mas também preguei meu próprio evangelho no obscuro e solitário espaço do meu blog pessoal, e em outras palavras que esparramei aqui e ali, por aí. Sempre com vergonha e medo. Mas sem coragem de abandonar o manejo das palavras, essas que curam, salvam, mas também danam.

(Outra ideia que me lembra uma dessas vozes, que eu conheço acusticamente, e cuja presença vai habitar pra sempre dentro das minhas melhores lembranças.)

A Marina é uma dessas vozes em que eu leio honestidade, coragem, paradoxo, fragilidade, entrega... É gratificante abrir a minha alma para a experiência de ler a alma de quem se oferece como um livro aberto. Eu li, e não posso deixar de render meu culto à beleza que percebi.

Temos nossos aedos eleitos, esses que traduzem aquilo de que nossa alma está inundada. Com as músicas da Marina, eu fiz travessias que não cabem nessas palavras aqui: as palavras compõem a obra, mas a obra é a máscara mortuária da concepção (citando o mesmo Walter Benjamin, mas do que ouvi Gilvan dizer).

Insuficientes, sim, mas não inválidas. Nem que seja para um exercício de mergulho no meu espelho d’água, mas em um lago compartilhado.

A experiência humana é simultaneamente singular e coletiva. Eis uma dimensão da existência que dá vários nós na minha modesta, porém ambiciosa percepção.

Vou contar pra mim mesma a minha própria história através da história dessa artista que surpreendentemente me traduz nas nuances mais contraditórias da minha própria personalidade.

Aqui eu poderia fazer a longa peroração astrológica sobre motivações mil, mas não vou entregar logo de cara essas minhas fixações nesse texto específico. Elas inevitavelmente virão espalhadas pelas leituras que eu propuser de cada uma das letras das músicas de cada um dos discos da Marina Diamandis. Não é como se eu não falasse disso o tempo todo, também (da fixação astrológica, quero dizer).

(A fixação pelo rigor é esse anseio infantil de ser levada a sério em um mundo que sempre me recusou o status de sujeito. Muito difícil emendar essas feridas.)

(Porém, hoje, ouvindo a D. declamando Matilde Campilho, ela me deu a ideia de que “fendas são lugares por onde a luz entra”. Vi outra publicação pela internet que se demorava sobre essa mesma noção, mas de forma menos lírica, mais crua e violenta. Não deixa de ser uma boa ideia, independentemente da abordagem, em especial nesse nosso tempo em que a maior parte dos dias e das notícias são de trevas e feridas fendidas nas nossas almas.)

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Some heavy saturndays

 I didn't even use to like myself to a degree in which I found it comfortable to recognize myself before the fucking mirror

(I still don't know if I'm able to cherish myself like the human being I'm faded to be)

oh! the horror of perfection!

I blame you for all of this sorrow that poisons my exhausted mind!

(and all of this exhaustion... it drains the blood out of my poor, poor heart...)

domingo, 11 de abril de 2021

Voltando ao solar Augusto dos Anjos

 Budismo moderno


Tome, Dr., esta tesoura, e... corte

Minha singularíssima pessoa.

Que importa a mim que a bicharia roa

Todo o meu coração, depois da morte?!


Ah! Um urubu pousou na minha sorte!

Também, das diatomáceas da lagoa

A criptógama cápsula se esbroa

Ao contato de bronca destra forte!


Dissolva-se, portanto, minha vida

Igualmente a uma célula caída

Na aberração de um óvulo infecundo;


Mas o agregado abstrato das saudades

Fique batendo nas perpétuas grades

Do último verso que eu fizer no mundo!


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Obra em domínio público.


O urubu [bom presságio budista, mas mau presságio na linguagem corrente, popular] pousa na sorte do poeta da mesma forma que uma bronca destra forte esbroa a criptógama cápsula que envolve as diatomáceas da lagoa [a bronca destra forte é uma força que desagrega as frágeis proteções do eu - os "pesados golpes do destino", segundo Benjamin] = angústia. O budismo moderno é a consciência dos grandes ciclos cósmicos que, não conseguindo escapar ao veneno da modernidade - a visão crítica -, tinge-se da cor desses venenos: é o sublime embebido de grotesco.

Outra coisa que não pude deixar de ver: os versos são grades que aprisionam o agregado de saudades, aquilo que sobrevive à morte do corpo do poeta.


Referências:

http://www.cchla.ufrn.br/shXVIII/artigos/GT05/Sandra%20S.F.%20Erickson.pdf

http://outros300.blogspot.com/2012/11/o-budismo-moderno-de-augusto-dos-anjos.html

domingo, 28 de março de 2021

Libra Full Moon

 I just wanna love in my own language.




sábado, 20 de março de 2021

Aries season

 


Equinócio de outono, 2021. A guerra também é mãe; o amor é Vênus, mas também Eros.


Se o equilíbrio é dinâmico, a guerra é o mecanismo de funcionamento do Tempo. Eros é o que discerne a matéria em sua variedade de entes - eu e outro, outro e eu (mas "EU é um outro") . Vênus, aquilo que regenera as feridas das batalhas. O ser humano só existe como tal em relação com outros (Kierkegaard).


(Precisamos de tempo de regeneração - estamos todos, tudo, Gaia: cansados. "Bandeira branca, amor".)



O fanatismo de Vênus

FANATISMO


Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.

Meus olhos andam cegos de te ver.

Não és sequer razão de meu viver

Pois que tu és já toda a minha vida!


Não vejo nada assim enlouquecida...

Passo no mundo, meu Amor, a ler

No mist'rioso livro do teu ser

A mesma história tantas vezes lida!...


"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."

Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim!


E, olhos postos em ti, digo de rastros:

"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

_____


Fechando ciclos, abrindo outros novos.

O amor romântico é visionário, idealista, utópico, raquítico e alheado.

Em si mesmo, acha a solução absoluta para tudo

Sem saber que "tudo" não tem solução.


“A guerra é mãe e rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros, em homens; de alguns faz escravos, de outros, homens livres.” [Heráclito de Éfeso]

_____

Como eu consigo mensurar o que de mim permaneceu ou mudou?

(Não consigo. Jamais conseguirei?)

_____

M.P.: O que permanece?

G. R.: A necessidade de fabular. 

M.P.: E o que muda?

G. R.: As formas de narrar e os sistemas de valores.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Devires

1. Heráclito de Éfeso: "Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio";

2. Murilo Mendes: "Nascer é muito comprido";

3. Fernando Pessoa: "Sinto-me nascido, a cada momento / para a eterna novidade do mundo";

4. Milton Nascimento: "Sei que nada será como antes amanhã";

5. Lulu Santos: "Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia";

6. Paulo Freire: "Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser";

7. Chico Buarque: "Faz tempo que a gente cultiva / A mais linda roseira que há / Mas eis que chega a roda-viva / E carrega a roseira pra lá";

8. Khalil Gibran: "A alma desdobra-se, como um lótus de inúmeras pétalas".


...

sobre máscaras

demonstrações de poder servem para separar os fiéis dos descontentes.

em nossa época, vestir a máscara é decisivo e paradoxal: na construção das causas e efeitos, desmascaram-se os fielmente violentos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

incomunicabilidades

produzir uma sequência de palavras para um interlocutor guarda um mistério que é o da tentativa de abrir pontes. os outros animais, também bichos de corpo, se comunicam de suas maneiras particulares - com olhares, sibilos, órgãos e frequências que talvez nós ainda não saibamos reconhecer.

(e talvez nunca venhamos a saber, visto que o ser humano tal como o conhecemos atualmente tem um impulso de destruição de tudo o que não seja a ponta da lança da produção de 'desenvolvimento tecnológico': homem branco defensor da propriedade privada)

mas o ser humano, há algum tempo, produziu essa tecnologia louca chamada linguagem, e a cisão que isso provocou no espírito uno foi como o fatídico ato de Pandora: todos os males foram libertos e consomem Gaia no afã da nossa angústia existencial.

cindido, incerto de que haja esperanças lá no fundo, o espírito tornou-se três: father, mother and the hideous progeny.

...

eu, a outsider freak, de hábitos e origens pequeno-burguesas, I feel excessive, or not enough.

não quero mais falar palavras vãs. não quero mais pensar desnecessariamente.

(onde mesmo eu devo eliminar excessos e preencher faltas?)

 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

amor esmigalhado

o desamor é pernicioso
porque envenena a alma,
toma-a por completo.
se a chama que possibilita o amor-próprio nunca se apaga, 
quando todo o restante é trevas, seu brilho é frio e solitário, como o das longínquas estrelas.
aceitamos as migalhas de amor porque
isso ainda é melhor do que amor nenhum:
contudo, o desvario da ganância, em sua perfídia,
faz com que o doador de migalhas se sinta superiormente generoso,
enquanto nós, os de amor mendicante,
só queríamos um terreno onde nossas sementes pudessem florescer.
os arredores são áridos, no entanto.

"meu amor, tudo em volta está deserto"

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

a estrutura lógica do labirinto:

 ponderar o imponderável

(inutilidade que petrifica)

domingo, 7 de fevereiro de 2021

oxytocin poisons my body

Abstract

Oxytocin has been best known for its roles in female reproduction. It is released in large amounts during labor, and after stimulation of the nipples. It is a facilitator for childbirth and breastfeeding. However, recent studies have begun to investigate oxytocin's role in various behaviors, including orgasm, social recognition, bonding, and maternal behaviors. This small nine amino acid peptide is now believed to be involved in a wide variety of physiological and pathological functions such as sexual activity, penile erection, ejaculation, pregnancy, uterine contraction, milk ejection, maternal behavior, social bonding, stress and probably many more, which makes oxytocin and its receptor potential candidates as targets for drug therapy. From an innocuous agent as an aid in labor and delivery, oxytocin has come a long way in being touted as the latest party drug. The hormone of labor during the course of the last 100 years has had multiple orgasms to be the hormone of love. Many more shall be seen in the times to come!


Keywords: Endocrinology, history, labor, love, obstetrics, oxytocin, pitocin


[https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3183515/]

a estátua de mármore

tem algo de Bernini, algo de Michelangelo
um encanto (inicial) de Galateia
espelho frio, mudo e ausente dos nossos desejos mais primários
(nossos, não - meus)
but, most of all, it's dazzlingly handsome



quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

raquitismo emocional

 é a funesta consequência das relações tóxicas


(As pessoas que te amam

te libertam

ou te aprisionam?)


(Já reparou como os prisioneiros, abandonados em seus cárceres, sofrendo penosas privações, vão se tornando cada vez mais minguados?)


relações saudáveis promovem nutrição emocional mútua.


Paz. ✿

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

it's about time

 o descompasso entre o meu tempo singular e o tempo do mundo

- esse que, de tão perturbador, já me levou às raias da loucura - 

eu acabo de mitigá-lo na percepção de sua heterogeneidade

- como o texto, dialógico, heterogêneo.

me foi dada a semi-divina oportunidade,

essa dádiva produtora de milagres

chamada tempo ocioso:

com ele, sondei as profundezas e os abismos do meu ser

na vertigem romântico-melancólica-narcisista dos mergulhos.

agora não há tempo mais de mergulhar:

as distâncias sondadas precisam brotar nas fissuras do texto

ofertado generosamente a quem servir possa.

Tomai e bebei: eis o sacrossanto veneno destilado do meu êxtase agônico.


(o peçonhento espírito do tempo mordeu meu coração) 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

àquele que

pensei que amasse o amor

(o que já era, por si só, terrível)

mas percebi que amava amar somente a si mesmo


em seu apartamento com cheiro de encanamento

descobri os tons com os quais hoje pinto

essas palavras envenenadas de desdém


no quarto escuro, êxtase e agonia

no claro da sala, o horror mal-disfarçado


cheiro podre de matéria orgânica diluída

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

a mulher cindida ao meio

after we finally got our shit together

começa novamente a fragmentação nesse primeiro movimento:

o de desfazer a ilusão do um pra entender que somos, no mínimo, duas

(e tudo bem)

domingo, 31 de janeiro de 2021

some ways of saying that

te estremeço 

te extraño 

I fall for you 










quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

once I thought I was in the game

 today, I'm not that sure anymore.


[O que é a auto-confiança, esse ente de todo misterioso, estranho e alheio a mim?]

sábado, 23 de janeiro de 2021

na vergonha mora o desejo

quem vive constrangido tem uma imensa vontade de se projetar para o mundo

as amarras estão enraizadas no mais fundo das sombras do inconsciente


devemos de fato mergulhar para desvendar a origem dos tentáculos em que nos enroscamos?

a dor de reconhecer de que são feitas as nossas prisões - é também vergonhosa

quais nós se podem reconhecer? quais precisam permanecer atados? quais se podem/devem desfazer?


[desejador(a)]

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

all about anger

Enquanto não me vem a coragem de falar sobre o amor

deixa eu despejar toda a frustração de sentir meus pés enlaçados nas etiquetas da vida pública

diante das quais eu me sinto em queda livre, minha cara constrangida mirando o mais sujo e rasteiro do chão da humilhação


a fúria são esses anos de frustrações que ardem, por vezes, nas minhas faces pálidas

uma rebelião se arma no meu coração

mas morre engasgada na minha garganta ininteligível


sacrossanta palavra que dana e que salva

minha perdição, minha peleja

amargo antídoto

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

About Love

I don't really know a lot about love 

(But I'm trying to)

But you're in my vein, you're in my blood

(You're in my heart, you're in my soul)

It feels so good, it hurts so much 


(Thnx, sweet Marina <3)