domingo, 11 de abril de 2021

Voltando ao solar Augusto dos Anjos

 Budismo moderno


Tome, Dr., esta tesoura, e... corte

Minha singularíssima pessoa.

Que importa a mim que a bicharia roa

Todo o meu coração, depois da morte?!


Ah! Um urubu pousou na minha sorte!

Também, das diatomáceas da lagoa

A criptógama cápsula se esbroa

Ao contato de bronca destra forte!


Dissolva-se, portanto, minha vida

Igualmente a uma célula caída

Na aberração de um óvulo infecundo;


Mas o agregado abstrato das saudades

Fique batendo nas perpétuas grades

Do último verso que eu fizer no mundo!


ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Obra em domínio público.


O urubu [bom presságio budista, mas mau presságio na linguagem corrente, popular] pousa na sorte do poeta da mesma forma que uma bronca destra forte esbroa a criptógama cápsula que envolve as diatomáceas da lagoa [a bronca destra forte é uma força que desagrega as frágeis proteções do eu - os "pesados golpes do destino", segundo Benjamin] = angústia. O budismo moderno é a consciência dos grandes ciclos cósmicos que, não conseguindo escapar ao veneno da modernidade - a visão crítica -, tinge-se da cor desses venenos: é o sublime embebido de grotesco.

Outra coisa que não pude deixar de ver: os versos são grades que aprisionam o agregado de saudades, aquilo que sobrevive à morte do corpo do poeta.


Referências:

http://www.cchla.ufrn.br/shXVIII/artigos/GT05/Sandra%20S.F.%20Erickson.pdf

http://outros300.blogspot.com/2012/11/o-budismo-moderno-de-augusto-dos-anjos.html

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