segunda-feira, 23 de junho de 2008

Sobre a vida e a morte.


Bati à porta, meio receosa do que eu provavelmente veria. Mas é necessário coragem para enfrentar essas dificuldades da vida – inclusive aquela, a mais incompreensível, silenciosa e cruel. Aquela que não é um mero empecilho; é o derradeiro dilema. Que possui um final mais que certo, e mais que indesejável.

Fui recebida com um olhar choroso; aflito, porém doce. “Clara está no quarto”, ele disse. Adentrei na casa escura, sombria – como se os espectros imateriais pudessem ser percebidos, senti-me ligeiramente desconfortável. Caminhei a passos restritos, tímidos, amedrontados, por mais que nada disso fosse necessário. Era quase uma solenidade. Um rito de passagem, do qual eu não desejaria ser testemunha; porém, a vida nos incumbe de dar alento àqueles que tanto nos alentaram durante a vida. Muito difícil lidar com esses detalhes. Muita tristeza para só um ambiente. Confesso minha pequena covardia.

Cheguei, enfim, ao quarto onde Clara jazia – pálida, imóvel... Parecia um anjo. As mãos esparramadas pela cama; os cabelos loiros, de caracóis opacos e sem viço, bagunçados e espalhados; respiração curta e ofegante. Um corpo que se agarrava aos últimos feixes de vida, e agonizava em um desespero mudo; tremia, e as vibrações quase diziam: “não quero morrer”. Ela era tão bela e jovem... “Uma saúde fragílima”, diziam. Nunca se espera que o pior aconteça. Jamais se imagina que a hora fatídica chegará – e tão cedo...

Aproximei-me da minha querida Clara, amiga de sorrisos sinceros, introspectiva porém amabilíssima. Segurei firmemente suas mãos geladas, e seus olhos lacrimosos sorriram fracos ao me verem; lampejos sutis da felicidade de outrora. Repousei minha cabeça em seu leito, aquecido pelos cobertores, resfriado pelo corpo mórbido. Depositei duas pequenas lágrimas, que rolaram pesadíssimas e se infiltraram nos cobertores – carregavam muito do pesar daquele momento. Elas inundaram a cama com todo o meu sofrer e indignação. “Isso não pode estar acontecendo...” minha alma repetia, e pude sentir perfeitamente que Clara ouvia meus pensamentos. Com um esforço magistral, ela sorriu o mais abertamente que pôde, me dizendo:

“Sei que nada é como desejamos, querida. A vida me deu essa sentença. Não pude mais resistir; tinha muita ânsia de ver e sentir mais, porém não me arrependo de deixar agora essa vida, pois sei que vivi da melhor maneira: fiz o que julgava certo, honrei meus princípios, e vi minhas virtudes se refletirem em atos nobres daqueles que me rodearam. Muito aprendi, e espero que muito tenha ensinado. Se talvez eu vivesse dias vazios, forçados, eles não teriam sentido, e corromperiam minha vida harmônica. Saiba que os deuses não são injustos; mantenha-me viva em seu coração, e eu jamais morrerei. Meu corpo não estará mais aqui, não faço questão de que lembrem meu nome; mas espero que fique viva a minha idéia, e tudo o que desejei de bom para o mundo. Que os bons ventos que tocam os corações nostálgicos espalhem a voz que um dia cantei, e que essa voz encante e motive as pessoas a seguirem seus sonhos mais nobres, transformando-os em atos de amor à humanidade... Tantos precisam de amor, minha querida! Não lamente tanto a minha morte. Alegre-se, pois eu vivi feliz; dedique-se agora a amar quem precisa, se quer de alguma forma honrar minha lembrança. Sob essa condição, onde eu estiver, sei que estarei feliz.”

Não sei como sua voz fraca conseguiu dizer essas palavras, que me comoveram de tal maneira que chorei copiosamente. Porém, as lágrimas não me impediram de ver seu rosto plácido se tornando mais e mais rígido, enquanto suas derradeiras lágrimas selaram seus olhos e sua boca em um eterno sono tranqüilo. Um último suspiro, e meu pequeno anjo se fora para sempre; não posso imaginar para onde, mas não sei se isso importa. Pude vê-la partir da maneira mais digna, e esse é o conforto para a minha alma. Suas últimas palavras tornaram-se o norte da minha vida, e espero honrá-las até que a minha hora chegue. Espero fazê-las reais para o maior número de pessoas, pois acredito que levar uma vida como minha querida Clara levou seja uma maneira muito correta e justa de se viver e dar sentido à essa condição.

domingo, 22 de junho de 2008

[?]

"I’ve been waiting for someone like you
But now you are slipping away...
Why does fate make us suffer?
There’s a curse between us, between me and you.."



Que maldição é essa que nos separa eternamente?

[Que maldição é essa que me separa eternamente do restante do mundo real?]

Releve. Eu não quero escrever hoje.





quarta-feira, 18 de junho de 2008

Pequena crônica de amor.


Hoje eu sonhei com você.


Foi algo meio triste. Toda a falta de sintonia de nossas almas, transcrita tão claramente pela minha subconsciência. A diferença substancial de nossos anseios - se é que eles existem.


Estávamos tão próximos! Deitados, descompromissados, irmãos. Calando os sentimentos. Eu afagava seus cabelos irreais; crespos, pesados. Carregados de pecados. Minhas mãos imaculadas desfiavam e desafiavam seus cabelos e seu passado - pecados e pudores, postos finalmente cara a cara. Tudo muito mágico.


Seus olhos lânguidos quase adormeciam sob os meus afagos. Meus olhos, sempre sorridentes, fixavam-se em você. Seu corpo estirado, meu corpo tenso e fechado. Apenas minhas mãos libertas, prontas e dispostas a sonhar. Sua face, adormecida, de descaso; minha face, acesa de alegria.


Até que, num momento vago, você se virou. Olhou em meus olhos, afirmando:

"Você gosta de mim."

"Muito."
Respondi tremendo, sorrindo.

Então você chegou mais perto - perigosamente. Meus lábios e meus dedos estavam vermelhos - não pintados, de maneira que eu te provocasse, mas naturalmente enrubescidos, pelo sangue que denunciava todo o meu medo, toda a minha insegurança. Ao ouvir minha resposta, você reagiu rapidamente. Despertou, como se esperasse por uma permissão. Pediu arrogantemente que eu me deixasse ser marcada pelos seus pecados. Mas não era nada disso o que eu queria.


Não te desejava; apenas te amava. Queria ser seu alento, não seu objeto. Você nunca teve e nunca terá consciência das minhas intenções; mas as suas, ah!, eu as conheço muito bem. E não quero comprová-las.


É, você me prendeu em seus braços, e tentou apossar-se de minha alma. Enquanto seus lábios sussurravam beijos em meu pescoço, livrei-me violentamente. Corri para longe. Você foi atrás de mim, confuso, enfurecido, orgulho ferido. Meus olhos gritaram, em desespero magoado: "não quero, não posso. Deixe-me em paz!" Sua insensibilidade é assim, tão incompreensível... Parti. Estático, você esperou que eu regressasse; o amor disse para eu jamais voltar, para não mais me ferir. Basta! Não vou mais tentar fazê-lo compreender.


Foi assim que sonhei com a condenação de nossas almas: eu, fadada à tarefa frustrada de acordar e amar um coração indiferente e seco. Você, sempre adormecido e suprimido pelos seus desejos e ilusões. Nenhum de nós saberá sobre a pureza do amor concreto, doado, recebido e recíproco. Essa será a sentença e o aprendizado de nossas vidas.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O [verdadeiro] amigo literário.




Eu sou um homem plácido, apesar de todas as adversidades da rotina. Cumpro com meus deveres cívicos, para que sempre tenha a minha paz - é o que eu mais prezo. Trabalho para ter minhas horas ociosas; meu presente. De minha consciência para meu ego. E vivo dessa maneira, oscilando entre dar importância a um ou outro lado do meu ser - buscando sempre um equilíbrio. Mas, muitas vezes, esse equilíbrio é deveras insosso. Passados os anos, perde a graça toda essa estabilidade. E, num dia controverso e mágico, um inesperado encontro me fez perder grande parte dessa falsa plenitude de minha vida.

Meus dias são assim; sempre foram, desde que eu finalmente me libertei da prisão familiar. E, por uma opção própria, de não sei qual de minhas faces, cultivo minha solidão. Ligações esporádicas para parentes são meu único contato social externo; não tenho amigos muito concretos. Não gosto de lidar com as pessoas, não tenho muitos artifícios para compreender e reagir a esse tipo de estímulo. No fim das contas, encontrei um nicho ecológico perfeito: trabalho em um laboratório fechado, impecável. Sem tormentos, sem muitas pessoas. Vivo em um apartamento afastado do centro da cidade, próximo ao meu trabalho. Comigo, as companhias perfeitas, os meus melhores amigos: meus livros. Nada mais do que isso. É a eles que dedico minhas horas ociosas; todas elas.
Meu ritual sagrado e intocável: caminhadas matutinas aos domingos. Saio às oito horas da manhã, vou ao parque das redondezas, volto para casa aproximadamente no horário do almoço. E, é claro, sempre acompanhado de um de meus amigos: Stendhal, Victor Hugo, Kafka, Huxley, Brontë, Shakespeare, Zola. Para com eles, não consigo ter nenhum tipo de preconceito, mas não me aventuro muito em livrarias populares. Aliás, não me aventuro em livrarias - todos os novos amigos que conquisto me são apresentados pela internet. Em poucos dias, chegam à minha casa. Muito prático.
Enfim, ir ao parque do meu bairro é meu momento ao ar livre. Não deixa de ser algo que me inspira - as árvores estão sempre poeticamente belas, e o banco de madeira, vazio, está sempre à minha espera, convidando-me ao deleite. Ultimamente, estava indo passear com Ulisses, de Joyce - pela terceira vez, eu creio. Mas o evento que transformou meus dias conseguiu realizar uma façanha que eu não imaginava que aconteceria - minha leitura seria interrompida. Um livro seria abandonado, incompleto. Alguém finalmente ia me arrancar lágrimas humanas. Bom, eu preciso fazer esse relato.

***

Normalmente volto para casa bem tarde, quando saio do laboratório. Quase à meia-noite; meu apartamento fica próximo ao parque. A noite de sexta-feira estava bem iluminada; o parque, quase vazio. Um espectro flutuava pelas margens das cercas, apenas. Não era macabro - do contrário, parecia um personagem vindo de meus livros. Um homem literário. Não costumo me interessar pelos transeuntes, mas as particularidades deste me chamaram a atenção - mais do que isso, a familiaridade que ele me transmitia. Sem mais, voltei para casa. Li, dormi.
Minha noite foi um tormento. Sonhei com a visão daquele homem; ele gritava desesperado, tentando me dizer algo que eu não compreendia. Estava muito distante, como se fosse arrastado por uma correnteza de pensamentos, e não conseguia uma estabilidade suficiente para me fazer entender o que ele tanto precisava dizer. Senti como se sonhasse uma eternidade com isso. Como se demorasse uma eternidade para eu entender algo muito importante para a minha vida.
Acordei arrasado, como se um ônibus houvesse passado por cima de mim. Minha garganta doía, como se eu muito houvesse gritado. Descobri que precisava ir ao laboratório; arrumei-me e saí. Mais um dia completo na paz do meu labor; porém, algo me incomodava. O sonho me deixou ligeiramente atordoado, minha placidez já não era mais a mesma, tão plena e digna de convicção. Consegui ocultar meus pensamentos.
Chegou a noite de sábado, e eu temia sair do laboratório. Temia sentir mais uma vez a presença do espectro que assombrou meu sono; não sei como reagiria. Mas, como o dia seguinte era o sagrado domingo, e como eu não poderia passar a noite no laboratório, saí. Minto – eu voei. Corri para casa, tolamente – o que eu deveria temer? Estava enlouquecendo. Isso não era um bom sinal. Enfim, não consegui dormir de novo antes de olhar pela janela, e sentir que o homem literário me observava, calmamente, das margens do parque.

***


Domingo, manhã. Joyce nos braços, fui à caminhada; já não estava tão preocupado mais, as noites é que me roubavam a calma. Andei tranqüilo, quase feliz; o dia estava realmente lindo. Sentei-me em um banco banhado sutilmente pelo sol, no qual as sombras que a árvore projetava dançavam ao sabor do vento. Tudo isso conseguiu me harmonizar um pouco. Comecei a ler, e me esqueci de tudo.

***


Chegou, então, o fatídico momento.
Eu estava distraído, só; já começava a ser exageradamente crítico quanto ao romance - meu preferido -, ao invés de me permitir o deleite da leitura. Mas era compulsivo: eu não conseguia parar. Até que meu coração disparou: havia alguém sentado ao meu lado. E eu nem percebera sua chegada.
Era ele.
O primeiro fato impossível aconteceu: eu fechei o livro por motivos externos. Depois disso, o que ocorreu foi uma sucessão de milagres indescritíveis, que mudaram para sempre a minha vida.

Abaixei o livro no meu colo, mas não tinha coragem sequer de me mover mais bruscamente do que um fluido movimento diafragmático. Suspirei – estava paralisado. Não de medo; não sei dizer de que. Mas há muito tempo que eu não sentia esse tipo de turbilhão de sentimentos. Nem meus amados livros me provocavam tanto mais essas reações. Meus olhos estavam baixos, e eu ensaiava uma maneira de levantar minha cabeça. Foi quando ele começou a falar.
“Veja, sei que você acha que não me conhece. Mas estou aqui porque preciso fazer algo – por você. Talvez você pense que não precise de mais nada do que a monotonia monocromática de sua vida; estamos sempre muito iludidos. Você vê poesia em seus livros, e raramente na pequena natureza que por vezes te circunda; isso não é felicidade.”
Eu recuei. Senti meu corpo se fechando. Talvez ele estivesse certo.
“Há alguns anos venho te observando. Sempre solitário, ostentando um sorriso tolo e triste, com um pedaço celulósico envolto carinhosamente nos braços; esse é seu único afeto, certo?”
Apertei Joyce em minhas mãos. Uma pequena raiva crescia em mim. Raiva de mim mesmo.
“Você construiu um mundo iludido e covarde. Sei disso. Moro em sua mente. Você não me conhece, mas sempre estive ao seu lado; calado. Nunca me foi permitido manifestar-me, mas sabia que, se eu não agisse, sua vida prosseguiria de maneira constantemente errada. Impossível de ser consertada. Eu precisava romper o silêncio ao qual você submeteu o seu bom-senso, sua consciência, sua capacidade de amar.”
As frustrações de anos solitários vinham, novamente, bater à minha porta.
“Diga-me, quantas vezes você viu o mar? Pense: quantas vezes você sofreu por um amor seu, o qual você conquistou? Já chorou a perda de um amigo? Já sentiu na pele os horrores de uma guerra?”
As primeiras lágrimas, há muitos anos suprimidas, começavam a brotar, tímidas, nos meus olhos.
“Não quero que você perca o seu potencial de viver humanamente; sei que ele está há muito adormecido, mas não está morto – ainda. Olhe ao seu redor. Perceba as pessoas – perceba a humanidade.”
Criei coragem, levantei meu rosto. Um novo mundo se abriu diante dos meus olhos; pessoas. Meu medo de sofrer me fez ignorá-las; fruto de lembranças passadas. Fatos remotos, ruins de serem lembrados. Mas, depois de tanto tempo, comecei a ver que elas não pareciam tão cruéis, tão ardilosas.
“Você reconhece o amor que elas merecem? Não se tranque no seu próprio universo, na sua vida vivida para contos alheios. Construa a sua vida, e não deseje ser alguém além de você mesmo; eu sei que você quer dar esse passo. Veja suas mãos frias; há muito elas pedem um abraço, certo? Você pode fazer alguém feliz, verdadeiramente. Você pode ser feliz de verdade. Qual é a graça que existe em não amar as pessoas? Tantas precisam apenas de um sorriso, apenas de um afago, uma palavra amiga... É importante amar. Assim, você se sente reciprocamente amado. Isso é o que nos preenche de vida, isso é o que colore os nossos dias. Permita-se sorrir com a felicidade de alguém concreto. Permita-se experimentar sensações realmente humanas.”
Meus olhos já estavam completamente marejados; as lágrimas escapavam furtivamente, como a nascente de um rio. Minha alma havia se transformado em um rio, que transbordava para o mundo; alguém finalmente abriu meus olhos, soltou-me do passado.
Quando criei coragem para olhar nos olhos daquele estranho ser, ao menos para perguntar quem ele era, ele já havia ido embora. Sem maiores cerimônias.
Permaneci estático no banco do parque, durante não sei quanto tempo – horas eternas, na minha mente.

***


Naquele dia, minha vida se passou como um livro de páginas escancaradas diante dos meus olhos. Eu me lia ferozmente – com raiva. Raiva por ter perdido tanto tempo, raiva por ter adormecido na felicidade ilusória. Mas, pela primeira vez, eu me sentia aliviado. Como se todo o meu passado engasgado finalmente tivesse sido engolido – digerido, absorvido. Experiências, não correntes. Não mais.
Vi minha querida mãe, abandonada pelo meu pai. Vi minha irmã chorando copiosamente, por ter sido rejeitada – vi meu irmão fracassado, não conseguindo se honrar com o trabalho. Esses fantasmas sempre me diziam: “Pessoas são más. Você não precisa depender de ninguém.” E eu levei isso aos extremos da loucura – fechei-me completamente para o mundo. Inclusive para as pessoas que mais precisavam de mim.
Nos livros, achei a possibilidade de conhecer um mundo sem pessoas concretas – eu quase via todas as maravilhas e aventuras que a vida proporcionava. A grande tristeza residia no “quase”, mas com pouco tempo ela foi calada pelo meu desejo de jamais sofrer. Cheguei ao ponto de estar cego. Eu não via, literalmente, ninguém. Nem quem estivesse exatamente à minha frente. Eu bloqueei qualquer possibilidade de contato humano, por medo. Mas nem poderia imaginar que assim é a vida; tudo nos faz aprender. Não só de lágrimas se vive, mas precisa-se delas para viver; bem como de sorrisos. Não somos estéreis, em nós brotam muitos sentimentos. E a mágica manhã de domingo permitiu que eu libertasse os meus.

Quando voltei a mim, já era tarde – regressei à minha casa, arrastando os pés.

***

Estava meio desnorteado; os pensamentos giravam em minha cabeça. Buscava uma ou outra certeza; por fim, quando me acalmei, soube exatamente o que fazer.
Meu telefone, vermelho, desbotado, jazendo mudo em um canto da sala; quase todo oculto pelos livros. Derrubei os muros. Liguei-o, e consegui ouvir os ecos da minha redenção. Vozes humanas, graças aos céus.
Liguei para minha mãe, minha família, meus irmãos. Velhos amigos. Todos acharam o fato muito estranho, mas eu precisava voltar à verdadeira estrada da vida. Timidamente, arrisquei convites, arquitetei simples planos de cafés ao meio-dia, depois do expediente. Dormi com a alma vibrante e incontida, sequiosa de vida. Como se eu houvesse redescoberto o mundo - o que aconteceu, de fato. Mal podia esperar pelo dia seguinte; antes, não prestava atenção sequer nas horas que se passavam. Tudo estéril; e agora, tudo tão vivo! Fiquei tonto com tantas possibilidades. Finalmente, eu estava acordado.

***

Passaram-se então os primeiros momentos da minha jornada de retorno à vida, e meus dias são muito mais frutíferos. Não plenos, nem completamente harmoniosos, mas não quero mais a aparência da harmonia. Quero vibrar e respirar, sentindo que isso tem algum significado. Não pude abandonar meu alento, mas os livros já não são minhas prioridades. Primo pela vida, não quero mais escapar dela. Uma incógnita literária me fez ver que é o amor, o sentir que constrói lembranças e esperanças. Vivências. Não mais ilusões. Consegui redimir-me do passado; agora, vejo lindas perspectivas de futuro. Nada mais tão egoísta. Agora sim posso dizer que sou plenamente feliz.
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[Não gostei muito do final. Comecei em um dia, terminei no outro, muito depois; não gosto de fazer isso. Quebra a continuidade. Mas enfim. É um dos maiores textos que escrevi; estou tentando. Meu aprendizado. Espero que gostem. :*]