quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

[Uma pausa para dois desabafos.]

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1) A modernidade banalizou o sentimento.
As crianças não sabem o que dizem. Os adultos não escolhem o que têm que manter em segredo. É necessário o segredo para ser cortês com as pessoas e justo com os mais jovens. É necessário o comedimento para se entender realmente o que é importante e verdadeiro, antes de concretizá-lo em palavras. Por que ninguém entende o perigo das palavras vazias? Isso porque ainda não me interroguei sobre o risco das ações impensadas.

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Um autor acha que pode colocar suas questões ridículas em mim e sair ileso só porque tem a defesa de ser renomado. Não. Ele me feriu com as suas palavras, mas eu tenho voz para condená-lo... Ele não sabe o que diz. Suas perguntas são tolas porque ele não tem padrão para fazer comparações. Ele tem uma visão voltada demais para os vícios do ser humano. Ele me irrita e me atrai, de certa forma... Como é esquisita essa relação com as ideias, principalmente com aquelas que nos inspiram sentimentos duplos.



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2)

Uma releitura de Pessoa, ao meu gosto e entendimento.

O poeta é um sonhador.
Sonha tão profundamente
Que chega a achar que é vida
O sonho que deveras mente.




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Em breve, talvez, a continuação de "As cores". A personagem anda perturbada demais para se manifestar sem ser injusta com os seus leitores.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

As cores [parte 1];



Os dias andam estranhos.

“Estranho” é um adjetivo polissêmico, e isso a agradava e completava e confortava. Se definisse para si que os dias estavam estranhos, não precisaria de maiores explicações, e seus atos excêntricos estariam, pelo menos em seu âmago, automaticamente perdoados. Um dia estranho englobava o erro e o perdão. E, mesmo assim, afirmar a estranheza do dia não possuía, sempre, conotações positivas. Quando “estranho” fosse igual a “diferente”, havia a quebra da rotina, e com isso ela se alegrava, qualquer que fosse a “diferença”. Mas o caso era outro...

Talvez porque sentisse que tal estranheza era o prenúncio de algo ruim, que a faria agir de maneira falha; mas a sua falha não seria por ela castigada, sequer notada, porque a tragédia iminente concentraria todas as suas atenções e ações. “Os dias andam estranhos” queria dizer que “algo (ruim) está para acontecer”, e isso afetaria seu mundo particular, quebrando suas confortáveis certezas.

Mas sensações não eram fatos (ainda), e o dia bonito pedia que ela afastasse os pensamentos nebulosos. Em seu momento quase ritualístico, pintou as unhas de azul-céu, bem claro e limpo quanto o que se abria janela afora. Terminando de se arrumar, atravessou o portal de madeira e sentiu uma brisa leve e o cheiro de café. O dia estranho – mas não intimidador – havia começado.

[E as suas previsões trágicas a faziam sentir-se meio suicida, meio masoquista. Quanto mais forte a intuição da vinda de algo ruim, com maior vigor ela se lançava ao dia.]

As horas sucederam-se sem maior alarde. Conviveu com pessoas: serviu-as, doou e recebeu, trocou informações e gentilezas. Sorriu para os pais, divertiu-se com os irmãos, conversou com os avós. Mas amanhã é segunda-feira, e há muito a ser feito para que a semana comece sem problemas técnicos. Beijos, até logo.

Foi para o apartamento solitário. Fora da casa da família tudo parecia ainda mais estranho, começava a ser um pouco amedrontador – e ela gostava do motor do medo, este possuía estranha relação com a curiosidade. Mas já eram dez horas da noite, e em sua cabeça insana e sistemática nada trágico de dimensões pessoais poderia acontecer numa noite/madrugada de domingo. Não no domingo, quando toda preguiça era desculpada.

Preparou-se para dormir, e já quase adormecia quando o telefone tocou. Ela não esperava que suas convicções absurdas fossem quebradas, tão abruptamente, pela vida. E foi mais ou menos isso o que aconteceu.

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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

As cores [introdução]

Esse é um projeto sem maiores pretensões. Espero conseguir continuá-lo.

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Ela gostava de pintar as unhas.

Era sua maneira de mostrar-se, ou de ser quem preferisse. Ela podia ser quem quisesse... Vibrante ou neutra, alegre ou melancólica. Suas cores a definiam, e dessa forma ela finalmente conseguiu se expressar – depois de muito tempo insistindo, em vão, em outras formas de fazer-se entender.

Ela tropeçava nas palavras. Sua escrita era confusa, sua fala era instável. Seus olhos fugiam involuntariamente dos outros olhares, sempre... Seus gestos eram às vezes vagos, às vezes rudes. Depois de tantas más interpretações, ela encontrou um mecanismo de permitir que os outros a percebessem corretamente.

E não sabia exatamente por que queria que os outros a entendessem. Havia qualquer coisa de carência ou necessidade de se comunicar de maneira limpa com o mundo que não a compreendia. Ou talvez só quisesse que alguém compartilhasse com ela os seus sentimentos, tão vastos, tão aprisionados.

Ela geralmente preferia as cores fortes e brilhantes. Não gostava de ser triste... Apesar de possuir uma interrogação estranha, inexplicável e indelével que a sufocava. Mas preferia suprimir tal interrogação – a vida a pedia que fosse otimista. Do contrário, tudo seria deveras e insuportavelmente cinzento.

No entanto... Nos últimos tempos, vem pintando as unhas de negro profundo. Ou a interrogação se descontrolou e a invadiu por completo, ou a vida se lhe parecia realmente cinzenta... Ela não sabia explicar. Não adiantava que a perguntassem, se a pergunta estava dentro dela mesma, inclusive. Ela sabia que doía, apenas, e não encontrava a causa da dor. Por isso o preto, no qual ela mergulhava... Talvez para se esconder, mais do que para se mostrar.

E vivia uma rotina que a pedia para sorrir, para andar, para respirar, e ela fazia tudo isso, mas sempre com um peso. E não adiantava que tentasse viver levemente, não adiantava que desejasse isso... Ela não aprendeu a querer viver levemente, porque não acreditava que sua interrogação tivesse uma resposta. E assim mantinha o seu luto discreto, por tudo que perdia em função do peso que não a deixava viver plenamente.

Houve um fator que desencadeasse tal luto, que bloqueasse os matizes que tornavam sua vida menos monocromática. Talvez ele fosse relevante... Se não possuísse consequências mais eminentes do que a causa. Ela era intensa em seus sentimentos vastos. Uma simples frustração poderia fazê-la fechar-se para a vida, e mergulhar em sensações que a levassem para longe da realidade. Ela era mestra em fugir, e o que a marcava era a contradição entre o querer mostrar-se ao mundo e o querer fugir da realidade. Talvez ela fosse uma insana com manias excêntricas. Talvez ela fosse uma alegoria para mostrar os conflitos de muitas pessoas que andam por aí, perdidas ou não. Talvez, talvez. Ou ela era simplesmente um devaneio, fruto de uma noite tediosa e triste.

Ou talvez ela queira dizer algo... Algo maior do que sua necessidade de expor os sentimentos. Algo que está muito além das cores de esmaltes que ela escolhe, além do seu luto inexplicável, além da sua interrogação inefável. Algo que estava perfeitamente descrito no amarelo-nascer-do-sol que ela usou nas pontas dos dedos em certa ocasião que oportunamente será narrada.




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