sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O amor interdito

Curiosamente, "interdizer", em vez de significar "dizer através de entrelinhas", quer dizer uma proibição. Uma interdição.
(Não é em entrelinhas que dizemos aquilo que é proibido?)
O que fazer dos nossos amores, esses, todos eles pautados em proibições vindas de várias instâncias, em especial (e mais perniciosamente) das nossas próprias, essas que moram nos nossos peitos e nas nossas mentes?
Se a relação com o outro se estabelece na linguagem, a supressão de potenciais expressões obscuras do desejo cala palavras que ficam lá, em suspenso, sem poder de manifestar-se, temperando com neuroses as nossas desesperadas formas de criar vínculos afetivos.
E a angústia permanece aqui e aí, plantada em algum lugar entre o coração e a boca do estômago, isolada em sua incomunicabilidade, mas fazendo-se doer em toda e cada tentativa de abrir pontes para além de nós.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Olá, boa noite,

Gostaria de comunicar que venho te perscrutando já há algum tempo, incansavelmente, sem conseguir te visualizar de forma definida. Identifico alguns rastros, analiso fragmentos de memória, omito outros, me perco em meio a névoas de confusão e culpa que embaçam as minhas lentes. Trago comigo alguns dos nossos papéis, os papéis de ontem e de hoje, alguns registros digitais, [memórias, memórias, memórias] e o pânico de tentar imaginar os papéis de amanhã.
Que histórias ainda vou contar sobre nós?
O que será que a Mayara do futuro vai pensar sobre as nossas decisões de agora?

Why can't I never leave the past behind?
[Alguns casos são mais ou menos (im)possíveis].
____

Existem tantas cicatrizes quanto existem dores para se sofrer.
Algumas levam menos tempo para fechar por completo, fazer a casquinha, sumir a mancha etc
Outras permanecem como feridas abertas por um looongo tempo
Como uma infecção permanente (como essa que eu carrego comigo, como uma tatuagem invisível, desde o dia em que você cravou uma espada no meu peito
Há um bocado de anos atrás).
Tem as que vão ficar abertas pra sempre mesmo,
Mas é importante saber reconhecê-las,
Ainda que olhar pro fundo do abismo seja profundamente doloroso.

domingo, 25 de agosto de 2019

"meu amor, tudo em volta está deserto"

Olho para o lado, e o meu amor também não está lá.
Mayara, tudo em volta está deserto, e você no centro dessa imensidão de nada, tanto por fora quanto por dentro.
Um coração consciente, oco, ciente da ausência interna e do isolamento externo.
Do que é feito aquilo que sobrou de mim, a casca solitária?

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Plato revisited

Conta o mito da caverna de Platão que o sujeito que sai da caverna e denuncia a falsidade das sombras enquanto realidade absoluta - ele, esse sujeito, escolhe voltar. Em vez de desfrutar das delícias de viver em liberdade, ele escolhe voltar para libertar seus pares. E como é recebido em seu regresso?
Existem os que topam o desafio de quebrar suas próprias correntes em busca da liberdade - mas esses são a minoria. A maioria o acusa de TUDO: charlatão, místico, imaturo, irresponsável, feminista, comunista... mas, principalmente: louco, lunático, insano.
Quanto tempo esse sujeito vai dedicar à conquista daqueles que condenam o motor mesmo de sua possibilidade de ver além: a loucura?
Haverá tempo para desfrutar da dolorosa delícia de viver a partir de meios próprios - ou seja, a liberdade?
A grande chave da questão: depois de ver o mundo fora da caverna, não há mais como acreditar que as sombras são o real.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

"Você nunca morreu por dentro?"

Aparentemente, eu morri, e agora estou num limbo estranho em que eu preciso passar um tempo antes de voltar à superfície.
Muito louca a aproximação dos 28, four times seven.

Sobre dar o testemunho

Existe algo mais perigoso do que a honestidade e a transparência?

Falar de si provoca avalanches.

bleeding the hell out of me right now

Tem um milhão de pequenas coisas que eu queria te dizer. Várias, que varariam noite afora. Ou não, porque nos tornamos assimétricos, de alguma forma. Ou o problema é que perdemos (tivemos que perder) a naturalidade por termo-nos dado excessivamente bem, nós, os nós de atualmente?
Existe um ruído intenso em todas as comunicações ao redor. O Mercúrio retrógrado pesou a barra das nossas tentativas de harmonização pela fala. Quando foi mesmo que eu me tornei a louca raivosa?
Logo eu, a louca melancólica!
Acendi uma tocha bem na minha cabeça, enquanto dentro de mim eu sou só o profundo azul marinho universal.
Há qualquer coisa que não vai bem na minha tentativa de dar o testemunho da minha existência.
Quando foi que comunicar-me tornou-se tão difícil?
Logo eu, a pessoa das palavras!
Me sinto ansiosa, nervosa, com frio, exausta.
E não poderia ser mais honesta.

(Exausta dos meus subterfúgios de linguagem
Quando o que há de mais precioso é poder aproximar os corações, tão-somente).

domingo, 28 de abril de 2019

raríssima nota insone #01

A luz da brasa do cigarro, penúltimo de um maço irresponsavelmente comprado e fumado, era a única luz então acesa antes que eu abrisse a tela do laptop. Me lembrou das práticas de concentração com a brasa do incenso, a penumbra da sala, a tentativa de limpar a mente apesar dos carros e motos que faziam barulho na rua movimentada atrás de mim.
Escrever veio como um consolo possível nessa noite quieta, escura, fim de um dia longuíssimo, exaustivo, cheio de emoções, lágrimas, esgotamentos. A mente não se acalma, contudo. Existem as contas a se pagar, todas elas. Mas as financeiras são as piores, porque não há compaixão que as perdoe, não há acusação que possa ser relativizada. Não há humanidade nesse brutal aspecto da vida, a necessidade de bancar os meios de vida com trabalhos que rendem muito menos do que o justo.
Entremeada à tensão já estabelecida em todos os músculos do meu corpo, a inquietude de quem sente com um coração ingênuo que ainda acredita no amor, na possibilidade de um projeto de vida conjunto, na necessidade de amar para que a vida ainda faça algum sentido.
But will love keep us alive?

quarta-feira, 10 de abril de 2019

É necessário escrever

"Viver não é necessário - é necessário criar"
"O trabalho do escritor incita-o a isolar-se"
"Navegar é preciso, viver não é preciso"

Quem abandonaria a vida em nome da criação? Muitos deles
Porém, muitos escolhem a vida, porque
"Quanto a escrever? Mais vale um cachorro vivo"

"Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."