quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Investigações filosóficas sobre um passado distante do meu coração

Talvez seja o efeito dos sonhos bizarros que tive essa noite
que acabaram por me deixar com essa sensação de fim de vida, de fim de mundo,
de fim de sentimento, sei lá,
Mas acabei me lembrando de  você, que foi o responsável pela minha
volta corajosa e independente ao Rio de Janeiro,
com quem eu experimentei pela primeira vez aquela sensação que não me larga
todas as vezes que eu vou à cidade maravilhosa
Que é a sensação de ser um pontinho isolado no meio de um universo colossal.

Fiquei rememorando os nossos encontros, do primeiro ao último
(E me espanta, agora, a nitidez com que me lembro de ambos)
E, buscando analisar com a mente da Mayara de agora
qual teria sido a natureza real dos seus sentimentos,
(eu, que quero saber a origem real e mitológica do universo e outras
impossibilidades)
Me deparo com uma nuvem vaga em que se misturam
contemplação
subjugamento (não sei se essa palavra existe)
paixão carnal desrespeitosamente descontrolada
algum tipo de afeto muito estranho, semelhante a um apego doentio
     ao que não foi nem nunca poderia ter sido
(Me deparo também com os meus próprios sentimentos, em que reinavam
um constante sentimento de humilhação
uma revolta interna nada resolvida
esse desejo do impossível que eu já citei
e uma triste necessidade de ser amada literariamente).

Não sei se existe algum momento de nossas vidas em que conseguimos nos livrar do passado
(vide, inclusive, esse meu ato de agora)
E essa percepção, junto a uma dolorosíssima maturidade recém-adquirida,
Talvez me façam me perdoar
E te compreender
Naquele momento de uma insuportável juventude.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

(sem título)

Talvez isso seja um relato pessoal
Mesclado com toques de ensaio sobre literatura
Ou sobre cultura de massa
Ou nada disso (ou tudo isso)
Com certeza não é um escrito com pretensões literárias
Mas tem ambições de um público amplo, talvez (ou não),
E de um público restrito (isso certamente),
Muito belo e charmoso, inclusive.

(Ao terminar de escrever, percebo que posso chamá-lo de uma espécie engraçada de carta.)


Escreve-se literatura por um sem-número de motivos. Nem como estudante apaixonada, já há tantos (posso até usar essa palavra, puxa vida) anos, tenho a possibilidade de listá-los. Nem pretendo fazer exatamente isso agora.

Me comovem, contudo, as aparições mínimas, como um pirilampear de vagalumes, da literatura na escuridão do cotidiano. Do fato, do relato, do insight que, de alguma forma, tem um valor literário reconhecido e, em função disso, desperta uma voz alheia ou interna: é preciso escrever sobre isso.

Qual será a natureza dessas aparições, eu não saberia dizer sem cair nos grandes clichês - me falta destreza para esse tipo de descrição. Sensibilidade não me falta. Pelo contrário: ela me veio de sobra no carregamento que os astros me entregaram tão logo eu vim parar nesse mundo que, na impossibilidade de descrevê-lo com mais paciência, chamo de louco. Só na loucura cabe tanto paradoxo simultâneo (somos tradicionalmente filhos do logos, respeitando nossa cultura ocidental).

Já fui mais dada a esse tipo de prática, a de traduzir em palavras um emaranhado de pensamentos fixos decorrentes de acontecimentos. Talvez uma excessiva auto-crítica e uma boa dose de covardia não me permitam me entregar a essa tentação à forma de outrora.

Mas não há muito como fazê-lo, por vezes. E na verdade, só estou aqui, agora, porque escutei em duas situações diferentes, em um curtíssimo espaço de tempo (que expressão engraçada essa!), a mesma sentença: você precisa escrever sobre isso (em que o pronome em questão não possui o mesmo referente, mas isso só vem ao caso de forma secundária).

(Como a escrita revela o escritor: estou dando voltas e voltas pouco objetivas, fazendo toda uma ambientação para justificar o meu discurso final. Deixo a análise para os analistas, contudo, se os houver.)

Pois aqui estou, mais me escondendo do que me mostrando, mais ocultando do que dizendo, dissertando motivada, em primeira instância, não pelo apelo alheio, mas - e aí entra a questão da cultura de massa - por uma imagem digital que, não mais que de repente (veja como me agradam os clichês literários), me incitou a suspirar de forma leve e agradável. Terceiro pirilampear: o decisivo, por ser uma voz interna, que eu tenho uma rebeldia muito própria na hora de decidir o que fazer. Alguns chamam isso de orgulho - outro conceito filosoficamente delicioso de se refletir sobre.

Não quero fazer um estudo de caso sobre os efeitos do Facebook nas nossas emoções. Até porque não quero me alongar muito mais, para não sofrer mais acusações (além das minhas próprias - todas cobertas de razão, devo dizer) de ser uma autêntica enroladora. Para os mais místicos, um não casual alinhamento dos planetas Marte e Mercúrio com a constelação de Libra serve de explicação suficiente para tantas voltas.

A imagem, a sentença, as motivações. Ao fim e ao cabo, o que eu gostaria de dizer é que, diferentemente da imensa maioria das lembranças romântico-afetivas que os meios digitais evocam em mim - tão carregadas de uma memória impregnada de auto-depreciação e revolta - ver a sua imagem me fez suspirar, e me fez lembrar de que me falaram para escrever o meu relato emocionado sobre você. E faço isso com uma boa vontade incomum. Faço isso por uma necessidade também, e principalmente, própria, como disse alguns parágrafos atrás. E isso me parece muitíssimo significativo.

Me comoveu essa aparição da necessidade de traduzir um discurso que, se ao ouvido alheio pareceu intenso, possui uma conotação tão leve para o meu logos e para o meu pathos. Talvez não sejam contraditórias essas duas características - leve e intenso. O andar felino, o voo de uma ave-do-paraíso: exemplos que talvez possam abranger os dois adjetivos. Se existe na Natureza, esse conceito soa válido à minha percepção das coisas do mundo.

Mas é só dessa forma, apenas isso tudo que eu vou dizer o que me pareceu que eu deveria dizer. Não sei o que te parecerá, sei muito pouca coisa, e nem se eu quisesse, seria possível sabê-lo exatamente agora, às vinte e uma horas e quarenta e um minutos do dia nove de novembro do ano de dois mil e dezesseis. Corrijo-me na minha sentença inicial: escreve-se por um sem-número de motivos. Escondi no meio da minha confusa verborragia meus particulares motivos. Corrijo-me pois não pretendi escrever literatura, afinal; mas foi sobre escrever, principalmente, que escrevi. Creio ser isso o que todo aquele que escreve termina por fazer - o grande exercício metalinguístico nosso de cada dia. Eis-me aqui, toda enrolada, terminando de escrever o que me pareceu que eu deveria dizer. Se necessário, outra hora eu volto. Sabe-se lá o que mais há de pirilampear no cotidiano, não é mesmo?

domingo, 16 de outubro de 2016

I feel exhausted

Vira e mexe eu apareço aqui no blog para reclamar da vida. É assim mesmo.
Se eu for analisar a trajetória desse meu pequeno espaço virtual, me parecerá perceptível que eu majoritariamente recorri às palavras no momento das minhas crises leves.
As crises pesadas me emudeceram de uma maneira assustadora.
A felicidade me faz querer viver, não escrever.

Essa constatação me dá, ao mesmo tempo, uma pequena esperança, mas com um tom triste de autocomiseração. Me sinto ridícula e impotente. Mas me sinto com vontade de dizer. Ainda que eu não saiba muito bem o que.

Minha exaustão deriva de uma preocupação boba que me faz, contudo, oscilar terrivelmente de humor. Não é um questionamento tão existencial assim. Mas não deixa de fazer parte da existência, afinal. Ou talvez seja a mais existencial de todas as questões corriqueiras. Sei lá.

É consideravelmente difícil estabelecer prioridades para os pensamentos que vão habitar as nossas mentes. Tem uma questão muito pontual que me incomoda diariamente. Mas eu não tenho coragem de admiti-la pra mim mesma - e sempre me debulho em lágrimas quando passo perto dela nas sessões de terapia.

Pode ser que eu esteja escrevendo por estar me sentindo profundamente sozinha. Acho que isso já explica muita coisa. Acho que eu já falei o que eu precisava falar.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

July 25th - um dia muito hoje, como todos os outros

"Tem carinho, tem afeto, tudo isso. Mas não estou envolvido. Não era isso o que você queria?"

Era exatamente isso o que eu queria. É exatamente isso o que eu estou sentindo, também, inclusive.

Mas existe um labirinto entre o que a gente quer (o ponto de chegada) e o que achamos que queremos (o ponto de partida). E nem sei se a gente chega a atravessar o labirinto no fim das contas. Então seria mais apropriado dizer que (por mais que o meu orgulho ainda prefira a primeira versão):

Acho que era isso o que eu queria, acho que é isso o que estou sentindo, também, inclusive. 

Porque, por mais que eu reflita - e eu penso à exaustão todos os sentimentos que batem à minha porta e até os que eu promovo voluntariamente -, nunca tenho certeza de nada, e nunca nada sai como o planejado.

(E eu também estou supondo a ideia inicial, né? Nem dela eu tenho certeza. Ela nunca foi proferida, só lida nas entrelinhas das ações de um passado que já não existe mais para a minha percepção linear do tempo.)

Sei lá o que é que eu tenho que fazer. Se pá eu vou deixar isso tudo pra lá. Já está circunscrito no passado, mesmo. Cada dia é um novo dia, tudo que passou só diz respeito a mim, e pra mim tudo isso morre em cada dia que nasce.

(Mentira?)

sábado, 16 de julho de 2016

Ela

[...]
E o mundo girando
E dançando para nós.
Já sonhei algumas vezes com músicas que eu nunca ouvi. Acontece de o meu cérebro compor músicas durante os seus passeios oníricos - costumam ser canções populares. Me lembrei desses dois últimos versos, cuja melodia me escapa (apesar de saber que o "nós" se esticava numa nota baixa, bem dramática), mas as palavras permaneceram de um jeito muito curioso. Elas tinham uma cadência um tanto melancólica, mas me pareceu uma ideia bela - o mundo girando, inexoravelmente, e esse giro ser um bailar feito apenas para mim e para ela. Gostar deve ter, por uma de suas infinitas definições, a ideia de que o mundo só existe para que se possa estar com a pessoa gostada (e eu não digo "amada" porque 1. é inapropriado para o momento; 2. acho esse sentimento forte demais; 3. acho que meio que já o desconheço).
Pensei em escrever um poema com esses dois versos finais, mas não sei se ainda me resta habilidade para tanto. O primeiro "e" que inicia esse penúltimo verso me desperta uma curiosidade gigantesca de saber o que, afinal de contas, o meu subconsciente estava dizendo a respeito dos sentimentos que ela me provoca - ela, que vem habitando os meus sonhos com alguma frequência, que habita minha vida de forma bela e pontual.
Pensei em escrever um poema para ela, e sabia que, ao mostrá-lo, ela ficaria felicíssima - até porque nós temos uma certeza incerta de que há algo muito indefinível e bonito que nos liga, e que deve nos ligar por algum tempo. Não sabemos dizer, ao certo, por quanto tempo (que eu gostaria que fosse toda essa pequena eternidade do espaço de uma vida) porque nada se afirma com certeza nessa vida estranha. Mas ela evoca em mim um gostar tão desobrigado, tão despreocupado, que deve ser por isso que ela está presente em mim de forma tão sutil e leve. E deve ser por isso que o mundo dança para nós.
A música não tinha título, esse que dei a esse texto, e que seria o título do potencial poema que eu escreveria. Mas eu sabia que a música e o baile e os meus sonhos tinham-na como mote. Ela foi o primeiro pensamento que me ocorreu assim que acordei no dia de hoje - de uma forma curiosa, eu sabia que era ela. E isso não me doer me parece algo suficientemente precioso, porque é bom demais ter sentimentos que não doem de forma alguma.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Conteúdo do subconsciente

Eu estava preparando um avião pequeno, que cabia apenas a mim, para fazer uma longa viagem de fuga. Eu já havia feito passeios pequenos, que não haviam me demandado tanto trabalho, mas ao longo do processo de preparo para a grande viagem (que seria algo como daqui a BH) eu percebi que, para fazer um voo mais longo, eu precisaria de mais elementos (básicos, como calçar um sapato fechado, colocar um capacete, um óculos para proteger os olhos, blusas de frio, tendo em vista que era um avião aberto, daqueles antigos – cujos pedais eram de madeira, inclusive). Eu curiosamente sabia pilotá-lo, mas mal, com certa dificuldade, e tinha essa insegurança de não ter certeza se conseguiria guiá-lo até o destino final (e acabei me recordando de conhecidos, não tão antigos, que dominavam uma prática relacionada). Foi ao longo da preparação que eu fui bolando soluções (de improviso) para os problemas que iam surgindo – até o ponto de usar o Google Maps como mapa de navegação aérea. Alguém, que já havia pilotado o avião, me alertou para os perigos do manejo, que eu me depararia com obstáculos e precisaria fazer manobras complicadas. Até que eu enfim conseguisse sair do lugar onde eu me encontrava – ou seja, decolar com o avião –, houve muitos percalços, e eu tive que decolar em fuga de um conflito que estava acontecendo no momento (que era claro, mas eu não consigo me lembrar agora do que se tratava). Quando enfim eu estava voando (e a sensação de voar era primorosa), a despeito dos meus esforços de controlar o avião, eu fui perdendo altitude, até perceber que havia ficado sem combustível. Curiosamente, parei num posto de abastecimento, em que vim a descobrir que o tanque do avião era diminuto, e o combustível era caríssimo (mas nada que eu não conseguisse pagar). Comprei um lanche, enchi o tanque, e continuei a viagem. Daí o avião parou dentro de um apartamento em que havia um homem (que eu não conheço) que queria me impedir de prosseguir viagem de todas as maneiras (e eu já não era mais “eu”, mas havia assumido outra identidade). Apesar de não ser mais “eu”, senti as dores das investidas violentas dele de me impedir prosseguir, que incluíam agulhas infectadas com as quais ele me espetou – uma bem na base da coluna, inclusive, que é a memória física que me restou mais forte. Por fim, consegui me desvencilhar, mas não sem o pesar e o luto pela agressão que eu havia sofrido, sabendo que eu teria que arcar com seus efeitos. Acordei sem chegar ao meu destino final, e sem haver amanhecido.


(Engraçado é que esse é o sonho noturno, que está em total consonância com o sonho vespertino, em que eu também fugia sob condições adversas - em cima do baú de um caminhão de carga, de bordas lisas, sem muito onde me segurar, que andava em alta velocidade. Mas pelo menos no sonho noturno era eu quem controlava o veículo.)

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Um poema antigo e atual

Marcha 

Cecília Meireles

As ordens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebraram as formas do sono
com a ideia do movimento.

Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.

Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
-- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.

Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga,
é tudo que tenho, entre o sol e o vento:
meu vestido, minha música,
meu sonho, meu alimento.

Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.

Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento...
Não há lagrima nem grito:
apenas consentimento.

Ah, quando eu penso em você...

terça-feira, 17 de maio de 2016

"Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro."

"Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento".

Existe todo um complexo emaranhado de pensamentos e sentimentos envolvidos nessas frases simples. Talvez eu consiga deixar tudo mais ou menos organizado - porque, afinal, a escrita é algo inerentemente linear (a despeito de toda a teoria dos hiperlinks etc etc).

Esse escrito me acompanha desde os idos da faculdade, quando eu fiz a matéria de Literatura Portuguesa pela primeira vez. Desde então, nunca mais tive sossego (com o perdão de um possível trocadilho) - seja porque essa carta descreve tão bem a forma como eu me sinto às vezes, seja porque eu odeio me ver refletida em tão doloridas palavras.

Mas a literatura é para isso - consolo para os dias em que só há um presente imóvel com um muro de angústia em torno. Não só para isso, certamente, mas não há um só dia em que eu sinto que eu nunca tive futuro que essa referência pessoana não se abrilhante na minha mente fatigada.

(Já discuti essa carta até na terapia, inclusive. Não consigo viver objetivamente quando me lembro da existência desse texto.)

Nos dias em que nunca tive futuro, há apenas dois caminhos possíveis:

1. O desespero absoluto, em que não há salvação, e o muro de angústia se abre (para baixo) num poço extremamente profundo que me conduz direto ao Hades e o seu chamado ao lado mais sombrio e obscuro e confuso da nossa constituição essencial (o que o inglês chama de core e que o português chama de âmago, em que o inglês curiosamente se torna mais bem sucedido porque - somos feitos de um milhão de referências diversificadas, afinal - tem aquela música antiga do Evanescence em que a Amy Lee canta, tão sofridamente, how can you see into my eyes like open doors / leading you down into my core, where I've become so numb... - ainda que não esteja ninguém olhando, de fato).

2. A resignação (que normalmente sucede o desespero absoluto quando, por algum golpe da vida, eu consigo abstrair essas questões existenciais enlouquecedoras pela necessidade de concluir alguma tarefa prática - o que me aponta para a necessidade de objetividade quando me perco no mar infinito, profundo e caótico da subjetividade individualista). Ela costuma me remeter a todos os saberes filosóficos que me acompanham já há tantos anos, num misto de culpa e esperança.


"A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá, e é esta a razão intima de todo o meu sofrimento."

Parece uma razão estranha para todo o sofrimento que se tenha, mas dói. Dói terrivelmente que a margem de cá nunca seja a de lá - dói que se seja apenas uma coisa, e nunca mais de um. Nunca mais do que uma única consciência presa a um único corpo por toda a eternidade estranha da existência - dói que não se possa ser nada além de si mesmo. (E se isso me dói, posso imaginar o quanto isso não angustiava o nosso querido Pessoa, que tentou tão bravamente se estilhaçar em vários brilhantes e conscientes-de-si cacos mas, no fim, não era ninguém além de um si-mesmo profundamente angustiado e incapaz de encontrar sossego no existir).

[Queria conseguir dissertar mais sobre isso, mas acho que preciso dedicar mais algumas horas de reflexão a essa questão que me deixa profundamente nervosa: estar presa dentro de mim mesma, e não poder ser ninguém além desse karma que os deuses me ofereceram]. 

Ao fim e ao cabo, parece-me que não ter futuro é a pior de todas as angústias, porque ela significa a morte - o nosso maior enigma enquanto seres viventes que jamais poderão, enquanto viventes, experienciá-la e refletir sobre ela (apesar de que, um dia desses aí para trás, eu me senti desfalecendo, quase como se fosse dormir de forma definitiva, e morrer me pareceu um tanto consolador num sentido de descanso). E sentir que não se tem futuro é também triste porque não se admite a possibilidade de mudança de estado - que só a passagem do tempo traz (na verdade, a passagem do tempo traz absolutamente tudo, porque não há um único instante em que o tempo não esteja passando, e essa percepção do escoamento dos segundos por entre os meus dedos cada vez mais envelhecidos me é uma fonte intensa de ansiedade - mesmo aos meus [não tão poucos] 24 anos). E, me disseram recentemente, o futuro não é algo que se projete, mas que se constrói com o exercício da Vontade própria - ou que se lhe é construído por um destino banal, caso não se assuma as rédeas da própria existência (e isso me parece uma perspectiva consideravelmente sombria).

"Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno".

Eu gostaria de, ao menos, estar presente num presente imóvel, sem uma mente que me projetasse para um futuro que eu não consigo manter sob o meu controle.

Me entristece que o Pessoa fosse tão absolutamente genial e tenha conhecido tantas coisas belas e sublimes e não tenha conseguido alcançar um mínimo de paz.

Eu oscilo. Karma de libriano: a balança, a busca pelo equilíbrio. (Ainda que eu esteja tentando me desvencilhar dos determinismos astrológicos, em função da profunda banalização pela qual a astrologia tem passado nos últimos tempos).

Porque pelo menos o muro de angústia me protegeria do escoamento dos segundos. Mas o meu sofrimento engloba o passado e o futuro, e me tira completamente a possibilidade de viver sem as projeções que me anulam a capacidade de desenvolvimento de um eixo que me transforme, de fato, em um indivíduo - no sentido de ser indivisa, encarnar a ideia de uma Unidade.

Individualmente isso não me preocupa tanto, porque desde que eu estive no Hades pela última vez (não que isso não deva acontecer novamente, eu suponho), eu tenho mais convicções do que nunca. Talvez eu tenha conseguido, finalmente, desenvolver uma convicção: a nossa profunda conexão com os ciclos da Natureza. E isso me deixa um pouco menos perdida. E aí talvez eu consiga ter algum futuro, em que eu, por fim, depois de muitos feitos, repouse no seio da mãe Terra, acalentada pelo pai Celestial, e que a minha Alma esteja envolvida por luz, pronta para descansar, até quando eu tenha que voltar para essa existência e viver tantas outras coisas que me permitam estar cada vez mais próxima da Unidade absoluta (na melhor das perspectivas, em que eu recentemente tenho depositado toda a minha capacidade de ter fé).


Minhas tendências obscuras vêm entremeadas, de forma muito estranha, com feixes de luz que me atravessam, me preenchendo de calma.


Acho que a razão íntima de todo o meu sofrimento está nas coisas que eu não posso controlar. O que não deixa de se relacionar com a questão das margens: não dá para mudar o meu passado e ser uma Mayara bem-resolvida emocionalmente, satisfatoriamente amada. Eu sempre serei a margem com um passado triste, de imobilidade, de demora em aprender, de longos períodos de frustração e solidão e dificuldade de lidar com os próprios sentimentos, apesar de conseguir racionalizá-los de forma satisfatória para a subjetividade nossa de cada dia. Se quero mudar isso para o meu futuro, como eu gostaria de também poder limpar isso do meu passado - mas o passado nem existe mais (isso se o tempo é linear, e não cíclico, e quanto a isso eu também não cheguei a uma reflexão satisfatória).

Toda essa angústia surgiu hoje de um futuro que eu não sei se eu vou conseguir alcançar (e é por isso que estou num daqueles dias em que nunca tive futuro, esse futuro que eu almejo tanto - inclusive porque não é o meu presente), porque não depende de mim. Eu tenho certeza de que vou alcançar tudo o que depender de mim. Mas essa aguda dor, dor sólida e premente de todos os dias, de todas as horas (exceto daquelas em que eu me ocupo de objetividades, dos mestres e da Alma Imortal - e ainda bem que elas existem), ela não depende de mim. E eu peço a todos os seres que me protegem que, por favor, aliviem-na, tirando todo esse pesar e medo do meu coração.

terça-feira, 19 de abril de 2016

April 19th, 2016

"A dor não pertence ao corpo, ela pertence à mente. Um corpo anestesiado não sente dor. A dor é meramente veículo de consciência."

E é por isso que, com o esquecimento, a dor cessa.
E de repente se esquece, como se nunca houvesse existido,
Ou como se a ferida, tão intensamente aberta, sangrante e pulsante,
Hoje não fosse mais que uma cicatriz quase apagada.

Então o cotidiano não dói,
Ed Sheeran não dói,
Chico não dói,
Tapioca não dói,
Crepe não dói,
O Granbery não dói,
O Rio de Janeiro não dói.

Sobrou uma raiva boba de mim mesma por ter sido tão tola,
Por me deixar ser carregada por águas tão frívolas.
Sobrou uma vontade (ligeira) de ser feliz
Mas, dessa vez, conduzida toda por mim mesma,
De uma forma cheia de auto-ternura,
Com impulsos intensos de auto-paixão,
Transbordando para quem quiser/puder/merecer sentir.

(Até porque a vida é muito mais urgente
E complexa e infinita e breve
E instigante e insaciável e incognoscível
E angustiante e fulfilling e desesperadora
Então nem tenho conseguido mais sentir essa dor
Das feridas abertas sangrantes e pulsantes.
O que me dói no fundo da minha alma
É o abismo imenso que eu descobri haver dentro de mim
E que não há porção de nada mensurável que eu possa usar
Para tentar aplacá-lo.)

domingo, 20 de março de 2016

Último dia de 2015 - chegada do outono

Andar por aí me faz perceber o quanto as pessoas são diferentes de mim
E então eu consigo, enfim, entender que eu não sou o único padrão de existência.
Essa percepção infantilmente egocêntrica nos habita até que compreendamos
Que o universo, definitivamente, não gira em torno do nosso umbigo
(Ainda bem).

Um agradecimento

Obrigada por me fazer descobrir o Chico. Não fosse você e todo o encantamento e toda a expectativa e toda a desilusão e toda a frustração, eu não precisaria de uma música que tocasse tão fundo na minha alma pra me acalentar. E essa foi a melhor forma de conhecer o Chico: sentindo-o profunda, amarga e terrivelmente.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Queira ou não queira, terminou o Carnaval.

Mesmo o que é inesquecível vai desbotando com a passagem do tempo
A vida ocupa a memória
E, mesmo que os diamantes ganhem seus pedestais,
O acúmulo de coloridas pedras
Ou mesmo das britas cinzentas que acabam aparecendo,
Impossibilita uma neatness do palácio da mente.

(Queria guardar tudo
- E não querer esquecer nada
É o que me faz perder o essencial.)

Viver numa cidade em que
Ainda que o Cosmos seja perfeitamente mágico
A magia seja desarticulada pela realidade objetiva

(Estou tentando arduamente,

Mas) tem cada vez menos graça.