domingo, 30 de janeiro de 2022

sábado, 29 de janeiro de 2022

o cabo de guerra


aterram-me as cores desse misterioso pôr do sol
- misterioso porque profundamente estrangeiro, extra-terrestre.

o cabo de guerra se configura a partir de duas forças opostas, complementares.
em nossa guerra atual, o impulso estrangeiro rumo ao misterioso, centrífugo,
está vencendo, destruindo-nos de dentro para fora,
como uma angustiante erupção.

a força centrípeta, acolhedora
- mas aterradora em sua neurose de controle -,
é arrastada pela vulcânica potência do desbravamento.
seu corpo materno, retalhado pelos aríetes,
perde a possibilidade de restaurar-se.

assim contemplamos os pores-do-sol estrangeiros:
às custas da nossa própria existência.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

pathways - not so open anymore

se a escolha é um triunfo do poder pessoal,
todo aquele que não a exercita está meramente submetido
sujeito
às intempéries e influxos do tempo-espaço em que se encontra.

muitos séculos de filosofia já se dedicaram ao problema do livre arbítrio.
eu, que tenho me permitido, agora, fazer usos mais agudos
do meu misterioso - para mim - poder pessoal,
percebo melhor o que foram minhas escolhas
mais ou menos conscientes.

às vezes desejo simplesmente me abandonar aos influxos.
toda uma vida nadando contra a corrente
para recuperar um tesouro perdido:
o dom imerecido do amor
- cansam-me os nervos tesos,
permanentemente tensionados pelos problemas de gênero
desde que adentrei o mundo sexuado na prática,
não mais nos devaneios da minha libido infantil.

tesão é manter-se teso,
mas o meu gozo se encontra no abandono,
um salto confiante no lago escuro
do desejo do outro.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

enumerações

à maneira de Osman Lins


1:
a cama, a cadeira, a poltrona - as estantes

2:
a coruja, o pensador angolano, os artefatos do Amazonas, a matrioska

3:
a testa direita, a mão direita, a perna esquerda - o raciocínio

4:
Vincent van Gogh, Ernest Hemingway, William Faulkner, J.D. Salinger

5:
Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Jorge Amado

6:
o amor, o aprendizado, a revolução - o luto


a saudade
a luta

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O amor é um trabalho silencioso

Consuma-se em pequenos gestos,
Em percepções aguçadas
De necessidades alheias
- Ou próprias - 
Que passariam despercebidas
Por alguém mais apressado
Ou mais indiferente

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

"A ausência é absoluta, mas a presença tem seus graus."

Se vida imita a arte, a teoria literária se aplica à vida facilmente.
(Salvas as devidas distinções entre o real e o ficcional.)

o buraco na alma

hoje meu coração não é mais um buraco negro
que é cheio por densidade e atrai e engolfa tudo.
hoje ele é uma ferida aberta
pela qual o sangue jorra com tanta pressão
que aumenta as lacerações das bordas da ferida
abrindo e rasgando e fazendo doer enquanto pulsa.

há um limite tolerável para as feridas da alma,
que conseguimos recuperar aos poucos,
com a paciência que uma cicatrização exige.
mas se a agressão passa dos limites,
talvez a alma não suporte a si mesma, ferida,
e, não resistindo,
se entregue ao descanso definitivo.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Challenge the archetypes

 "Pay attention to the archetypes you've been given. Change the plot."

Curiosamente, um saber baseado em arquétipos me diz para desafiá-los.
Me faz pensar que mesmo as rupturas a que nos propomos, também elas já foram mapeadas pelos psiconautas.


Criação é resistência, e resistência é ruptura.

Criar em um mundo em que tudo o que é sólido desmancha no ar exige uma nuance de caos,
Um pendor para o desbravamento
- Não de novas terras, novos terrenos, mas do fundo da alma humana, infinita
Como um lótus que se desdobra em inúmeras pétalas...

"Viagem ao fundo do desconhecido para encontrar o novo."

Até que o organismo feneça
- Mas a vida, ela perdura.


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pensamento
propensão
pênsil
pendor
peso
pesar

sob o signo da balança

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Mergulho na alma do poeta

"Num gesto que recria a feitura do homem
a mão no braço do poeta reintegra-o
à mesa de bar ao copo vazio à lente quebrada
ao conforto de um calor que transita
dos calos ao braço do braço aos olhos e destes
                                            ao próprio universo
                                                 reintegrado
            para além das partículas de vidro
                                              grudadas ao olho."

O gesto que reintegra o poeta ao universo - o poeta entregue ao desconsolo de sua angústia -
Essa angústia que o atinge como um raio - ele, que sugou até a última gota de sua garrafa -
Esse gesto
é um gesto de amor:
o conforto do calor do corpo do outro.

domingo, 16 de janeiro de 2022

"l(a leaf falls)oneliness"

Tivesse eu uma memória não apenas melhor do que essa que eu tenho,
Mas uma tão radicalmente acurada e potente que eu pudesse
Revisitar todas as nossas conversas e encontros
E pensar e repensar tudo o que você me disse e revelou e mostrou,
Tivesse eu essa capacidade,
O existir me pareceria um pouco menos inóspito e solitário.

sábado, 15 de janeiro de 2022

"The more you know, the less you need to say"

De 24 de agosto de 2021

A cura para o medo da morte

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(silêncio)




sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

"Is thinking your drug of choice?"

Tendo algum tipo particular de fé quando aposto na interconexão entre o ser humano e o cosmos
- O que é uma hipótese bem plausível, visto que somos poeira estelar - 
Não posso deixar de pensar que sim, pensar é como um vício.
"Amar é pensar", lê-se no poema aí na barra lateral.
Hoje já não concordo tanto mais com Caeiro nesse sentido,
Porque amar tornou-se, para mim, uma forma de agir.
Mas o tema do amor me obseda como 

o sol que ilumina
ao céu do meio-dia
o centro irradiador do meu ser, e também
minha forma de pensar, me expressar
sentir, lembrar
e agir, partindo pro ataque

Então penso, sinto, me deixo aquecer e me motivo a agir pela ideia do Amor.

However, I would say that sleeping is also my drug of choice,
No sentido compulsivo e incontrolável que "drug" evoca.
Não tendendo propriamente a comportamentos compulsivos,
Devo admitir que permaneço pensando sobre o amor
Nas longas horas a que me entrego à suspensão da consciência
Nos doces, solitários braços do sono, irmão da morte.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

não se negocia com Saturno

daria todos os meus livros + um dedo
queimaria tudo em uma grande fogueira cósmica mágica
esparzindo águas de cheiro com ervas
mandrágora, meimendro, beladona, whatever
para invocar só mais duas horas da sua doce,
firme, vertiginosa, inigualável, intensa

presença.




terça-feira, 11 de janeiro de 2022

o vazio inexplicável

"Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam 'não'
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar
Seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar"

Rest in power, my friend.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Dias de Saturno

A oração ao tempo de Caetano, em toda sua baiana malemolência, despe o melancólico deus de suas sombrias vestes. É um bom contraponto para o tom de tudo o que aqui se lê e observa.
A influência de Saturno está impregnada em tudo o que já fui, sou e ainda serei - em suas nuances mais obscuras, no mais das vezes.
Me pergunto sobre seus efeitos há muito, muito tempo. Poderia escavar um rosário de memórias - não sem alguma dificuldade, certamente. Me atenho a dois momentos significativos.
A (talvez não tão) famigerada música que deu título a este espaço virtual, em que persisto por eu mesma  nunca ter essencialmente mudado, ou sentido a necessidade dessa mudança de tom: talvez aos 16 ou 17, ponto nevrálgico da minha dor saturnina.
O encontro, aos 24 ou 25, com o romance de Osman Lins e seu melancólico encadeamento de ausências: inscrevi em meu próprio corpo a pungente percepção de que ele passa, como tudo há de passar ("O corpo é uma história: a do seu próprio curso.").
Durante o mestrado, não foram poucos os questionamentos mais existenciais do que literários que lancei para Gilvan, meu velho orientador, ele próprio um mensageiro de Saturno, a meu ver. Queria entender, principalmente, o que mudava e o que permanecia com a passagem do tempo: talvez vencido pela insistência, me deu uma resposta direta para algo que custou a ele muitos anos, páginas e experiências.
As respostas diretas praticamente nunca vinham. No constante desdobrar de contrapontos, meu velho me ensinou a pensar: para honrá-lo, não posso chamar essa habilidade de virtude. Ele me olharia com desdém.

Aos 30, com o retorno de Saturno, meu aniversário do deus do Tempo, o que antes era uma angústia, agora é percepção nítida, lúcida. Uma dor sublimada continua sendo dor. Aprender a ler o mundo é aprender a ver em cada pessoa, em cada rua, em cada nome, seu percurso: o que muda e o que permanece.

Mas tudo, tudo há de passar...


domingo, 9 de janeiro de 2022

A sereia cósmica

Segundo conta a mitologia dos filhos de Gaia da era pós-antropoceno,
A vaga de vida que anima seu planeta é uma sereia cósmica:
Seus longos cabelos holográficos refletem todo o espectro de cores visível ao olho humano,
Como um aleph minimalista: as formas são um excesso;
Seus fartos seios são a matriz que nutre todos os esfomeados da terra,
Atordoados ante o absoluto abandono em que se encontraram
Depois do ocaso do capitalismo;
A cauda de peixe permite que ela navegue pelo espaço sideral livremente
- Seu corpo é capaz de transitar por entre os mais diversos meios,
Sendo ele próprio feito da misteriosa matéria dos buracos negros:
Dominado o paradoxo presença-ausência, regula a si mesmo nas diferentes densidades.

(A cauda de peixe impede a cobiça dos comerciantes guerreiros, falocêntricos estupradores.
Mas ela é capaz de transmudar-se em esbelta dama que,
Nos inferninhos noturnos,
Entre drinks e tragos,
Se permite, também, a sua cota de prazer terreno.)

sábado, 8 de janeiro de 2022

dullness

congestão de pensamentos
junto à dolorosa hiperlucidez da estranheza da existência

revolvem-se-me as vísceras







sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

segue o seco

da desértica estepe em que se encontra minha alma peregrina
em contemplação extasíaca do sol negro da melancolia:
não a lua nova, aureolada pelo disco solar oculto,
mas o buraco negro, esmagadora força centrípeta, de onde nenhuma luz escapa.

[lá fora chove muito, mais, sempre mais...

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

atordoamento

permaneço ao pé de minha própria alma
interpelando-a, angustiada,
sobre o que é e será de mim nessa grande incógnita da existência.

uma imensa insatisfação permanece
pulsando oca, buraco negro como um coração ausente
que, cheio por densidade, me arrasta para dentro de mim
inapelavelmente.

permaneço longas e vazias horas
a contemplar o imensurável
a ponderar o imponderável:
inutilidade que petrifica.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

arredar pé

formado a partir do latim ad retro: arredar, recuar, afastar(-se), desviar.
Não sou uma pessoa particularmente obstinada ou teimosa - não é o que eu me pareço a mim.
Mas algumas cismas intuitivas me fazem fincar meus cascos no duro solo da obstinação alheia.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A nova denúncia dos ultrajes

À delicada e formosa dama não é ensinada, na ourivesaria de seu sublime caráter, 
a expressão de conspurcados sentimentos.
Na aurora do capitalismo tardio, esse que arrebatará a todos nós em tempo inferior ao fim de nossas vidas alongadas pelo mesmo desenvolvimento tecnológico que nos há de dizimar,
temos nós, as delicadas damas,
que aprendermos, às nossas próprias custas
(e com o auxílio umas das outras),
a denunciar o ultraje último com que nos vemos às voltas:
a condenação ao silêncio ante o renitente egoísmo do macho violador.

aprender ódio
aprender ira
aprender revolta
aprender vingança

e assim finalizar nossa saga neste planeta com alguma dignidade.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

domination/damnation

se nossas engrenagens emocionais necessariamente obedecem à pré-configuração a partir da qual viemos ao mundo - nós, os filhos de uma já tardia industrialização; nós, os que testemunharemos o apocalipse do sistema capitalista,

sentimos até a medula que o poder e a dominação - alô bell hooks, alô Bourdieu - estão na ordem do dia.

eu, filha do carbono e do amoníaco, que sofro, desde a epigênese da infância, a ambígua influência dos signos do zodíaco,

com todos os influxos venusianos que me são tão caros e próprios,

vejo-me às voltas com a lógica patriarcal machista supremacista branca, sádica, gananciosa,

sem saber muito bem como saciar a minha fome emocional, my greatest ambition:

"to be loved and to give that love in return".


domingo, 2 de janeiro de 2022

excruciating pain - hunger of the soul

a alma deve ser esse élan que integra nossas diferentes partes,
essas que conseguimos discernir:
o corpo, the most real reality,
de onde emana nossa individualidade,
composta pelo que temos de mais singular e de mais coletivo;
as emoções, que se permitem ver 
em nossas expressões faciais e gestos,
dos mais aos menos voluntários;
os pensamentos, os que comunicamos e calamos,
os que transformamos em arte e em destruição
- do mundo e de nós mesmos.

a fome da alma se aplaca quando:
o corpo está nutrido
as emoções, também
os pensamentos, idem

[fome do estômago, fome da cabeça, fome da alma]

sábado, 1 de janeiro de 2022

where honesty gets us

it got me back then
13 years ago
when sorrow consumed me just like it's doing right now
as if things couldn't change, indeed

i've been trying so hard to make myself look up
- at least a little bit - 
mas sinto, em dias da alma como hoje,
que sou a criança triste em quem a vida bateu,
que há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno
.

não é que eu não tenha mudado nada nessa última década e um pouquinho,
mas aquelas respostas e certezas que eu tanto almejava,
elas não vieram
- ou vieram, mas não da forma como eu esperava.

não sei se elas vêm, mesmo. talvez nunca.
talvez minha vida seja só mesmo essa longa espera por um ideal falido.

"O que há em mim é sobretudo cansaço."