domingo, 4 de setembro de 2022

[02 a 04/09, going spinwards - a direção do ciclone]

No breu - um drama patriarcal

Pensei que o breu fosse um lugar escuro como a noite, em que nos são reveladas nossas esquinas sombrias, mas, ao procurar no Google, descobri que breu é uma resina dourada, cor de âmbar, utilizada na música para melhor manuseio do arco (gerar atrito?) e emissão do som.
Mais uma surpresa.
Mas é o tipo de surpresa sem consistência, essa que se torna uma informação curiosa a ser partilhada alhures em um momento qualquer de conversa jogada fora.
O breu preto é uma resina, também. Analgésico, bom para dores reumáticas, dores de cabeça e musculares. Antiinflamatório.
Em mim, o breu da noite produziu uma inflamação como um espinho no cérebro ou um corte de navalha no coração.
Fantasias nascidas nas esquinas sombrias de um desejo selvagem, irracional, mas nunca, nunca malévolo. Não tiro prazer de pisar no orgulho alheio, mas não mais recuo de forma a esmagar o meu próprio orgulho. Também não sou de me entregar tão fácil, e me ofende ser tirada do meu sossego em nome de um capricho volátil.
Tenho sentimentos. Muitos, sérios, circunspectos, profundos.
Revisitei o caso do vestido de Drummond para encontrar um mote e também contar o meu caso, de quando estreei meu vestido rosa e vermelho e mergulhei no breu em busca das esquinas escuras do meu desejo.
Derramei-me, derramei em mim o néctar abundante, o torpor anestesiante que me conduziu à náusea e à entrega.
(A entrega cobra seu preço.)
Encontrei com o encontro. Palavras e ideias, o toque delicado no enlace dos corpos, no abraço das mãos. Cuidado e delícia.
Um prazer fugaz. Mas parece que a presença é tudo o que importa, mesmo que em única ocorrência... É o que parece. Não tenho certeza.
Voltei ao caso do vestido de Drummond e ele me lembrou algo que a Jean Rhys já me havia ensinado.
O drama patriarcal dos (des)encontros é isso de que o meu outro dispõe tão amplamente: o gozo da indiferença, a aversão aos excessos da entrega.
Perturbam o nosso espírito até obterem o troféu de uma dádiva a ser desdenhada.
A graça é o desdém, afinal. Amargo desamor a envenenar os corpos do capitalismo tardio. Poucos se dispõem ao salto no escuro a que Eros nos convoca.
Quanto a mim, eu temo e tremo. Mas se Eros me convoca, eu vou.
Doeu, doeu. Depois do salto o poço era seco e raso. Me feri, mas já não me arrependo. Aprendi um pouco mais sobre as regras do jogo e, apesar dos pesares, guardo o momento único da ferroada da crescente em Escorpião como um presente. Morri e renasci. Entendi melhor a dinâmica da espiral dos meus vendavais internos.
O vestido está ali, dobrado, à espera da próxima aventura, talvez do próximo salto.
Que não mais terá seus dedos esgueirando-se a caminho da minha pele, mas essa memória está aqui, gravada, como tatuagem. Que não me dá coragem - antes, cautela.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

:)