segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O segredo do oráculo

 Há quem veja oráculos até nas areias do deserto. Minhas leituras de Borges não foram em vão, no fim das contas - aquela miscelânea louca de símbolos em ruínas.

O oráculo é maravilhoso porque ele responde tudo e nada ao mesmo tempo. Boa parte da resposta depende da cadeia de interpretação simbólica (subjetiva, ideologicamente tendenciosa) sugerida pelo mago oracular; a outra parte vem através de atribuições arbitrárias de sentido a certos arquétipos "permanentes" da alma humana, cristalizados em certa linha discursiva ideologicamente construída: o percurso figurativo associado ao percurso temático. Essa associação é arbitrária (portanto, subjetiva e ideologicamente tendenciosa) e não deve ser lida de forma descontextualizada.

Por que o oráculo funciona? Porque ele lida, ao mesmo tempo, com muitas variáveis pseudo-homogeneizantes da alma humana. Todas elas são fissuradas pela possibilidade, pelo talvez, pela sua antítese, as quais preenchemos com os desejos mais íntimos da nossa subjetividade - na medida em que não lidamos com o ser e a alteridade ao mesmo tempo, via de regra.

Abrir o oráculo ou não é indiferente, por um lado: nada muda o curso dos acontecimentos, cada segundo engendra o próximo na angústia das nossas escolhas e não há magia externa a isso. Quando pedimos ajuda ao oráculo, pedimos a ele que nos ajude a concentrar nossa atenção sobre o jogo de forças de que somos compostos.

Esse jogo de forças é preexistente e independente do oráculo, e pode desprezar seu reducionismo discursivo e seu aspecto charlatanesco: usar do poder simbólico para transformar a angústia alheia em dinheiro não me parece algo de todo honesto. A não ser que você seja um oráculo totalmente destituído de interesses pessoais - mas se somos todos seres humanos, quem está sob total controle dos seus desejos egoístas?

Porque o oráculo honesto talvez possa ser um canal de tradução dos jogos de força que atravessam os indivíduos: se nada muda o curso dos acontecimentos, a decisão subjetiva de abrir um oráculo faz parte desse mesmo jogo de forças inevitável.

Por que a linguagem simbólica não é científica? Qual é a verdadeira relação da linguagem simbólica com a psicanálise? Porque a relação causa-efeito não é tão direta quanto se suspeita comumente ao falarmos das paixões edipianas.

O que a alma humana tem de mutável ou de constante?

Um comentário:

  1. Repetindo pergunta final agora até (não) achar uma resposta. Ótima reflexão, amiga!

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