segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Edifício Santana Avelar

Ao subir as escadas, meu coração quase saía pela boca.
Jamais vou conseguir me esquecer da primeira, de uma intermediária, e da última vez em que eu me olhei naquele espelho que ficava logo na entrada, embaixo do qual havia uma mesinha de mármore com um enfeite de flores artificiais.

A primeira reação - o medo.
A segunda reação - o gozo.
A terceira reação - o desespero.

Minha cara de quem ia fazer algo errado, na ida, e de quem havia feito algo errado mas que não conseguia se arrepender, na volta.

Acho que o único erro real era a culpa que me assolava e desolava toda vez que tínhamos nossos encontros furtivos - que tinham que ser, afinal, furtivos, essa palavra cheia de clandestinidade. Por que sempre me foi privada a possibilidade de sentir prazer na vida? Até hoje isso não me larga. Fica grudado na minha mente, de tal maneira cortante e pulsante, que isso se traduz de forma execrável no meu corpo.

Meu corpo. Máquina infeliz que me priva de tantos, tão doces prazeres. Prazeres esses que podem não ser vida real, mas que alimentam a minha particular necessidade de sensações, bicho humano que sou.

Teve uma vez em que eu te encontrei na rua. Havia acabado de cortar o cabelo, estava feliz com a mudança recente - essa revivescência que nos ocorre quando das pequenas mudanças. Você vinha andando daquele mesmo jeito meio rebolante, meio incerto, com ar sedutor - sem medo do clichê. Jogou o cigarro fora porque, de alguma forma, isso queria dizer que você me respeitava. Que coisa engraçada de se lembrar.

Fato é que você não gostou do meu corte de cabelo. Fiquei numa decepção profundíssima mas, quando eu disse, quase firmemente, "ah! Eu gostei!", você apertou a minha mão de forma entusiástica, dizendo "muito bem, era isso o que eu queria ouvir". E o meu orgulho por ser aprovada veio todo de novo. É muito infeliz a maneira como essas sensações todas se repetem... Eu não precisava depender da sua aprovação, nem da de ninguém. Mas isso não era verdade então, e continua não sendo.

***

Aconteceu a coisa que eu mais temia: precisei fingir que você não me importava. Precisei fingir que você não existia. Precisei considerar você como um total estranho, para fugir da estranheza das circunstâncias. Não tenho como evitar a repetição da infeliz palavra "infeliz": é muitíssimo infeliz como as pessoas se tornam distantes conhecidos de uma hora pra outra - como nos diz nosso amigo Vinícius de Moraes no fatídico Soneto de separação. Não sei se você o conhece, mas procure-o um dia, se o interessar.

Verdade é que isso é verdade. E eu não tenho que me defender de qualquer acusação que seja de estar sendo leviana. Se isso não fosse totalmente real e possível e recorrente, duvido muito que teria sido registrado pelas mãos do poeta.

***

Meu coração está em um terceiro lugar que não é aqui nem lá. Minha vontade é de voltar para o centro - mas não sei que centro é esse, se ele existe ou não. O lugar aqui é insuficiente, o lugar lá, enquanto idealização, é irreal - quando se alcança o lá ele se torna aqui e assume a insuficiência característica. Existe algum lugar em que o coração repouse em paz?

Que não seja dentro de mim mesma. Aqui a bagunça é grande demais pra eu poder repousar. Me deixa não querer estar sozinha, por favor.

***

Queria não mais, nunca mais sentir a nostalgia de subir aquelas escadas frias, em que uma vez um grupo de marginais, também furtivamente, subiu, entrou na sua casa (que vivia com a porta destrancada), e levou várias coisas embora enquanto você dormia. Estamos todos, todos vulneráveis nessa vida. Com vínculos ou sem vínculos. Não há nada que nos segure. E a sensação de apocalipse é uma constante planetária - nosso inconsciente coletivo prevê o fim iminente.

Eu dispenso essa melancolia. Preciso dispensá-la.

É por isso que eu assisto aos desenhos animados, que me dão esperança e inocência.

Teve uma vez que fomos juntos assistir a uma dessas animações.

Ô maldito exercício esse, o de lembrar. Escarafunchar a mente atrás de lembranças de quando as sensações me davam a impressão de vida.

***

Um dia eu alcançarei novamente essa plenitude que eu achava sentir. Tomara que eu consiga esse feito ao mesmo tempo em que finalmente me libertarei da necessidade de dar ao meu coração um lar alheio a mim.

Como se eu precisasse de um street view pra caminhar pelas lembranças... A minha vida está mergulhada totalmente nelas.

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