por hoje só o poema dele, que é delicioso.
Hora do recreio
O coração em frangalhos o poeta é
levado a optar entre dois amores
As duas não pode ser pois ambas não deixariam
uma só é impossível pois há os olhos da outra
e nenhuma é um verso que não é deste poema.
Por hoje basta. Amanhã volto a pensar neste problema.
Em: Beijo na boca [1975]
quarta-feira, 5 de março de 2025
lendo Cacaso
segunda-feira, 3 de março de 2025
o sonho como máquina do tempo
suturando passados e futuros impossíveis:
eu a vi, jovem, alfabetizada e letrada,
seus cabelos cacheados,
minha rebeldia questionadora,
leitora de Jarid Arraes,
tutorada por Conceição Evaristo
eu o vi, adulto maduro, em riste,
uma forma que eu não conheci
- nutrida por pizzas inteiras -
o punho esquerdo ao alto,
o mesmo olhar sorrindo, tranquilo
sábado, 1 de março de 2025
uma bailarina
que se alcança
e que também fosse a moça
que sonha o sonho do trem, à janela
ou a que está sentada, tranquila,
ignorando a visita, a notícia,
a morte e a primavera
ou mesmo a debruçada
nas varandas do sono
por certo a do hotel,
consorte de todas as outras,
que deita contigo nas nuvens
...
sem o desprezo que sofre aquela,
a que dança para viver
em vez de viver para dançar
"I know you would like me
if only you could see me"
(Maybe the question is:
Would I like you
if I could see you properly?)
...
mas que desatino o meu, ora essa...
tudo o que é humano,
"só a bailarina que não tem".
anacrônica
o amor é uma farsa.
por fim, eu percebi.
ele é também uma fraude,
em que se depletam
esperanças,
fantasias,
tempo.
(ela riu de mim quando
eu me confessei
tão sinceramente)
mas ele existe, é claro
- but not tonight, my love -
num olhar estrangeiro,
o mais intrincado dos enigmas,
ou nesse seu gesto de apontar
(o carinho de [me] perceber)
meus corações estampados,
e também o que me habita o peito
e que bate em silenciosa angústia
pela tragédia do desencontro
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
when angels speak of sadness
(why can't we cry together anymore?)
as the dumb freaking witch I use to be...)
domingo, 16 de fevereiro de 2025
alucinação
suportar o dia a dia é a práxis
(impossível encontrar rima
para palavra tão esdrúxula)
mas vêm a noite e o salto
- com eles, o calor da aventura,
a eletricidade do descontínuo
e o que me resta, ao fim,
no frigir dos ovos reais e irreais,
são as mesmas velhas vozes
que não conseguem me dar
a resposta de que eu preciso
domingo, 9 de fevereiro de 2025
aceno
(Emily Dickinson, 1914)
"boa tarde, ó Esteves da tabacaria!"
disse eu, pegando um ar
depois de tanto tempo navegando
(me afogando?)
no mar de pensamentos
γλυκύπικρον
A rainbow in the sky
nella dolce/doppia fiamma,
doce é o fogo que queima sem doer.
amargo, o que queima mesmo,
duas faces do mesmo mistério.
o romance é amargo.
só o amor desapegado
pode ser doce
- o momento do salto.
but "love is / no assassin /
on the prowl". assim,
não há tocaia, ou ataque,
ninguém é pego desprevenido.
doce é o momento
do salto conjunto.
(daí a viver saltitando
- dançando, alguns preferem -
é uma escolha de todo dia.)
sábado, 8 de fevereiro de 2025
invisível
o suor em que se vertem
o perfume e seu cheiro
impregna de presença
– momento e memória –
os textos que me envolvem
artifícios que alçam
o acontecimento
a um outro lugar
dentro e fora do tempo
quarta-feira, 29 de janeiro de 2025
arquivada
não é mais relevante pro espaço-tempo vigente
ou
me causa profunda ansiedade na espera por
resposta
(entre outras inconveniências)
("bem mais que o tempo que nós perdemos
ficou pra trás também o que nos juntou")
domingo, 26 de janeiro de 2025
teleobjetiva
nos meus sonhos de hoje,
uma pessoa em situação de rua
mijava, à distância,
em um Tesla
em frente ao Metropolitan Hall
(que não existe mais, mas
em que eu estive, certa feita,
uma década atrás)
em que eu estive, ou estaria,
com papai, mamãe, meu tio,
essas pessoas comigo, festejando
o dia dos meus anos
terça-feira, 14 de janeiro de 2025
as pupilas de Saturno
porque sempre quer mais do que
o que de fato existe
quarta-feira, 8 de janeiro de 2025
travessias
escalar a montanha
só com as patas dianteiras
- a cauda está mergulhada
nas águas fundas
do inconsciente
"meu caminho é de pedra
- como posso sonhar
sonho feito de brisa?"
sexta-feira, 3 de janeiro de 2025
sínteses #01
nem sempre bem sucedidas,
mas há o imperativo da tentativa:
todo dia, ou quase todo
os códigos, como enigmas
ou correspondências profanas,
porque indesculpavelmente íntimas
do fundo mais fundo do meu ennui
- nada além do mais profundo gozo,
o exato oposto do desejo -
as surpresas que me guardavam
as ruas de Juiz de Fora
e seus personagens
alguns, paisagem
outros, os covardes
e o menor abandonado
ou fugido da tortura cotidiana
- o coração ainda terno,
a alma cheia de infantil candura -
nosso encontro não-marcado para
um sorvete, algumas brincadeiras,
corridas sob a chuva
um abraço amoroso
um agradecimento tímido
duas coisas tão, tão raras
colhidas de um solo improvável
que eu venho cultivando mesmo assim,
porque o verdadeiro imperativo
não é qualquer tentativa
mas aquela movida
pela esperança