sábado, 20 de maio de 2023

Lacradoras do mundo, uni-vos!

para minhas amigas de luta e lida

        "Você não está fechando o diálogo com esse lacre", diz a analista. De fato. A acusação de "lacração" vem de muitas partes: todas elas se incomodam com a nossa vontade de problematizar verdades postas, ou mesmo fomentar espírito crítico e senso de auto-aprimoramento. No geral, as pessoas querem de nós aquiescência, em especial das vozes dissonantes que, f(emin)inas, deveriam ser brandas e gentis, e não bagunçar o coro dos contentes... Mas o aparente contentamento de uns é o evidente descontentamento de outras, haja vista essa nossa sociedade, em que a hierarquia e a exploração formam o cerne mais rígido de nossa organização como corpo coletivo.
        A acusação chateia principalmente quando vem daqueles que temos perto dos nossos afetos mais caros, porque nos faz duvidar de nós mesmas a partir de um referencial tão sensível... Como se já não viéssemos lutando tanto, e não só por nós mesmas, mas por nós todos! Desde muito antes de nos fazermos ser ouvidas, travamos essa batalha interna para acreditar e credibilizar nossas impressões sobre o mundo que nos rodeia. Estar na posição subalterna é um peso a mais para fazer a travessia da incerteza imobilizadora para a certeza dinâmica. Num mundo em que convicções são cooptadas como mercadoria, e as identidades atomizadas tentam se impor com violência (que é a linguagem predominante, própria dos dominantes, e também resposta legítima, mas não ideal, dos dominados), caminhar com passo firme rumo ao novo é um desafio histórico, em diversas acepções desse adjetivo.
        O lacre não deveria ser um fecho, mas acaba se tornando: como um desejo de "basta", mas sem a abertura radical e amorosa própria do pensamento crítico. Ao contrário do que talvez se conceba, pensar é ato que se ensina, sim, e é um ensino-aprendizagem tão delicado quanto transformador para ambas as partes. Mas quem tem coragem de ensinar abdicando de uma posição hierárquica de poder? Há muito, ainda, que caminharmos - juntas, sim, mas sozinhas, também, num processo árduo de desconstrução da nossa fome de poder, porque estamos famintas por tanto não-poder...
        Lacradoras do mundo todo, uni-vos! Para renovarmos nossa capacidade de fazer laços que protejam nossos corações em seu corajoso desejo de abertura. Para aprendermos o movimento preciso, como um passo de misteriosa dança, de tocar as almas de outros seres, nossos irmãos, sem feri-las em tão ousado gesto. Para descobrirmos que o mundo novo já existe em nós como semente que anseia por sua germinação e desdobramento - em novos, doces, suculentos frutos.

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