segunda-feira, 9 de março de 2009

A dor de perder o verdadeiro amor.





Ela é a mulher calada no escuro, como um bicho acuado que perdeu o caminho do bando. Mais que assustada - ela está aterrorizada. Triste como se abismo algum, por mais profundo que seja, pudesse ser maior que sua tristeza. E um vil sentimento martela-a o peito e abre ainda mais suas feridas: "estou perdida, estou perdida".

A mulher no escuro tem algo de mártir patética, de plebéia que sonhou a realeza e só pôde roçar o sonho mui levemente, com seus calejados dedos comuns. Dedos comuns de mulher sofrida. Sonhar é para os ingênuos. A realeza não se alcança, nasce-se com ela.

Mas a mulher já fora um ser de luz. Suas convicções pessimistas não lhe são próprias; ela sabia sonhar. Ela se esqueceu de como, apenas - ela fora rainha, fada, ser mítico de mãos macias, sem dor ou sofrimento. E o que trouxe as trevas do esquecimento? O que, afinal, jogou a mulher-luz no poço de amargura, na escravidão da noite sem sonhos ou esperanças?

A mulher sem voz cantara, outrora, o amor. O amor fora seu reino e fortaleza, sua magia e sua guarda. Proteção indefectível contra os horrores da vida. Ah, dulcíssima canção de pura harmonia, como se a primavera toda vibrasse em sua lira vocal! O amor... A mulher cantara e gerara o amor. A mulher, com essa magia, sabia criar a vida... A vida surgia em suas entranhas, tinha o presságio de esperança que se renovaria. A mulher rainha teria, como fruto puríssimo de seu amor, um príncipe ou uma princesa, herdeiro de toda a nobreza que o amor confere aos seres viventes.

Porém, numa noite de céu profundo sem estrelas, eis que surge a dor. A dor implacável e repentina, acompanhada da venenosa certeza. E os brancos lençóis de linho tingem-se de vermelho sangue. A cor do amor vazava de suas entranhas, tornando-se a cor do medo, da tortura, da tristeza, da morte. Manchava a branca pureza do reino de sonhos. A luz ia embora, a vida se esvaía. A rainha morreu - apenas a mulher salvara-se. Salvara apenas o corpo, no entanto; a mulher tornou-se, internamente, toda morta. Acuada, um bicho calado e perdido. Eternamente enclausurada na profunda noite sem estrelas, na noite triste em que os caminhos de luz se apagaram, na noite terrível em que o mais puro amor perdeu-se, inexplicavelmente, para o estranho mundo da dor.



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