me escreva, minha amiga
me diga
quantas linhas tem
a mão
a carta
de circum-navegação
o périplo intenso
da própria solidão
domingo, 29 de dezembro de 2024
quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Enivrez-vous
A piedade e suas provocações.
quem me dera
o suficiente
para mimetizar
todas as camadas
de angústia
que eu sinto
quando você olha
pra ela
(mas que se dane tudo
também)
("eu não estou chateada",
disse eu, chateada)
terça-feira, 24 de dezembro de 2024
mulher, neblina
mas questionada quando
os desejos divergem
- em especial quando
há outra () na jogada
senhora das suas vontades, sim,
dessas para as quais não há explicação,
ah! o amor! ah! o mal dele, de que
alguns repelem a cura
mas, em especial, dona das mãos
tão mais jeitosas
para lavar as suas roupas...
conveniências.
o último gole
esquecido, o que resta
de um ritual saturnino
mágico
de todo dia
ou quase
a voragem das horas
os dedos do tempo cravados
nas minhas carnes tépidas
como os dedos sombrios de Hades
no marmóreo corpo de Perséfone
o que resta não sobra:
eu mesma faço questão
a última
gota
ainda que
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
harmonia
seu nome traz a marca
do amor que não se mede
não se pede
e não se repete.
não posso controlar
a eletricidade que se desprende
da minha superfície
quando.
nós queríamos, meu amigo.
não um sonho de valsa,
que foge ao seu escopo, creio,
mas um je ne sais quoi
em que nos encontramos
e todas as hierarquias caem,
todo o biopsicopoder se dilui
sei que isso não há, não há
mas o instante vem, certo e fugaz.
(e é quase uma alucinação,
me causa até vertigem...)
sábado, 14 de dezembro de 2024
perguntas infinitas
Segura um cigarro desconhecido, olha a vitrine
e ri.
De si mesma?
De todas as escolhas que se colocam
e nós desejamos, do fundo dos nossos corações,
que sejam as mais acertadas
- que não firam nossa dignidade,
que nos façam felizes?
Como prever as tragédias,
os embustes,
os (auto)enganos,
se o sentido mesmo da vida é trágico?
É claro que há as manhãs,
graças aos deuses que as há.
Mas e as noites insones
de revisão de roteiro?
E as noites de cigarro e vinhos caros
que nos levam a contemplar
nossas vitrines
com (o desejo de) um cigarro
e uma risada (irônica?)
- ou um esgar?
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
i do
i do know
how to be alone
without crawling
out of my skin,
indeed.
porém, eu também sei
(e, deuses!, só eu sei)
como muda o compasso
do meu coração
when he's around.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
sábado, 30 de novembro de 2024
um coração dividido
Eu sei o que é o amor:
dou o meu melhor.
Minhas palavras,
meu encantamento,
minha capacidade
de enxergar o diamante
que todo mundo traz dentro,
por onde a luz passa - essa
que jorra da nascente da alma,
explodindo em iridescências.
Eu não sei o que é o amor:
o meu melhor não é suficiente
para abarcar as nuances complexas
da realidade. Vejo, sim,
o diamante, mas ignoro
- prefiro ignorar? -
que ele é uma abstração
incrustada em um corpo
cheio de anseios
e ausências.
domingo, 24 de novembro de 2024
destino
como o diabo à cruz
sem conseguir trazer
à luz da consciência
que destino é dádiva:
medomedomedomedo
aquele mesmo de
sete anos atrás
mas outro:
porque já não sou a mesma
ainda que seja
porque já avancei um tanto
ainda que haja
tanto mais a avançar
sexta-feira, 8 de novembro de 2024
a dor e a beleza
a gravidade e a graça
pensei que sondar a dor me livraria dela,
me deixaria um passo à frente,
como já me disse alguma psiconauta,
minhas curandeiras
há um intercâmbio de flores
entre mim e as jovens pupilas:
se o horror do mundo é flagrante,
ignorar a delicadeza é um gesto suicida.
eu gritei
quis morrer
mas eis-me viva, ainda.
still I rise,
às vezes tão contra
minha disposição natural
algumas esperanças minhas dormem
como quem desistiu da vida
outras estão meio lá, meio cá,
conversando comigo de cantinho
escondidas atrás do armário de metal
outras estão na fileira lateral,
encostadas na parede da janela
fazendo suas caprichadas anotações
no caderno de produção textual
domingo, 3 de novembro de 2024
se, um dia
Talvez entendamos melhor a gravidade de ser quem somos: as amarras que nos prendem às necessidades cotidianas, os planos de um crescimento financeiro que signifique crescimento individual e ponto, porque essa é a nossa ontologia.
A graça de ser quem somos se dá no reconhecimento dos contornos que delimitam o nosso vazio, esse abismo que, se ignorado, toma o poder sobre nós e nos obriga aos vícios... Respostas possíveis à pergunta que o vazio permanentemente nos coloca e que, se não nos entregamos a ele, somos incapazes de responder de outra forma.
Fui colocada em xeque, e tantas coisas desmoronaram ao redor da minha autopercepção que não sei o quanto de mim restará dessa passada em revista. Isso é estar sensivelmente aberta ao outro - mas eu deveria conseguir mensurar melhor seus efeitos, para que a vida exterior não signifique vida ou morte sempre que eu preciso me aventurar fora de mim.
As relações humanas são cheias de nuances, e as mágoas falam bem por mim há muito tempo. Na barra lateral, explore o arquivo: você vai perceber o que é isso que digo de forma vaga e confusa. Não me importo.
Deixo, aqui, um fragmento dos manuscritos:
02/11 - dia de lembrar a morte no livro de mágoas
Vocês gostam que eu seja baluarte de um mundo novo. Devem achar graça no meu otimismo, esse mesmo que os inspira, alimenta, permite acessar aquela luz bruxuleante no fundo da caixa de Pandora, a esperança. Quase não creem que ainda haja alguém a quem o cinismo não tenha conseguido de todo corromper. Alguns, de tão incrédulos, tornam-se até detratores: o que fazer com a beleza diante do horror do mundo? Como se fosse a lei do horror o correto. Como se houvesse "correto".
Os que não se escandalizam com a nudez da minha sinceridade olham para ela com malícia, calculando a forma correta de extrair o máximo sem que eu (ingênua!) perceba que há poucos dispostos a retribuir - o mínimo. Acontece que não só de um otimismo tolo vive um coração que anseia pela verdade, palavra estilhaçada em inúteis fragmentos que eu vivo a tentar reconstituir.
Vocês acham graça do/no meu esforço. Apreciam que eu mate a cobra e mostre o pau - rindo, apontam entre si para o ninho, que o otimismo não me permite enxergar. Minto: eu não enxergo porque não quero: acho melhor não me concentrar nele. Mas talvez deva repensar essa decisão.
Não pensem que não sei do escárnio que corre ao fundo de suas despretensiosas investidas e minhas generosas respostas. Não pensem que eu não serei corajosa o suficiente para tomar a decisão que meu coração ingênuo apontar, quando for a hora. Não serei a primeira a fazer isso, afinal.
sábado, 26 de outubro de 2024
de idiota a desprezível
sem meio termo
(ouvi dizerem sobre a balança:
parece que há um equilíbrio
quando há uma tonelada exata
em cada prato
mas uma única pena
em um único lado
e...)
sobre frutos
o primeiro, a paixão
a segunda, a convicção do amor
o terceiro, a desilusão
danço eu, dança você
etc
pagamos o mesmo preço, todes:
não há garantia de nada
quando escolhemos dar
o salto no escuro
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
golden red
que se acende na noite escura,
eu, que uivo:
sozinha, de dor,
ou oportunamente, no texto literário
acendi no peito um vermelho intenso
"the feeling feelings club"
antigo
"Sargent Pepper's lonely hearts club band"
e todos os seus posteriores derivados
- incluindo minha diva favorita,
"I don't wanna feel blue anymore"
a merencória pulsação
se trança com o fio dourado de Ariadne
para que então eu consiga ver
as linhas de força do meu labirinto
(e as inserções de novos feixes
vermelhos
dourados
ou outros, talvez)
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
caos
mais ou menos empilhadas no fundo da pia.
num dia, é dia do poeta.
no outro, morre um poeta
e nos perfura a todos
os sensíveis
a sua carta de despedida
em que ele confessa suas grandes paixões:
a leitura
e os amigos.
a solidão amarga com que redijo essas palavras canhestras
(adjetivo roubado de uma carta de um meu amigo,
meu amigo: você ainda está aí?)
a solidão compartilhada ao redor da qual me encontro
com outros, novos feixes de vida
que se misturam aos meus
trazendo algo de vibrátil
aos meus dias tom cinza
terça-feira, 22 de outubro de 2024
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
valsa brasileira
para Fernando Lobo, seu estimado filho e seus afilhados
encostar caminhos:
Ana queria saber em qual rua.
Edu rodou as horas para trás:
na casa vazia
havia ela.
um contrassenso,
tal como a minha busca.
também subi a montanha
como se move um puro sentimento:
desci a serra em direção ao mar
mas me detive no mesmo ponto
em que Pedro de Alcântara veio à luz
de pródigas entranhas.
A vida não vale sem risco -
"Tá com pena de viver?",
é o que me pergunta
o fluxo de luzes coloridas
em que meus pensamentos se perdem
tentando lembrar,
tentando esquecer.
sem pena, eu fui.
sem graça, eu fiquei.
veja como o tempo voa:
o ano quase se foi
e a busca foi em vão.
tanto quis te ver
e te conhecer
tantos gestos - inúteis
tantas palavras
despejadas nas folhas
e nas telas
para fazer valer o risco
de me jogar no mundo
e encontrar somente
o negro, vasto oceano
de mim mesma.
(preciso acreditar que
no meu filme
toda essa ação valeu...)
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
aríete
não brigo com a página em branco
porque não tenho desespero em preenchê-la.
se o poema me vem, ele veio.
do contrário,
vivo os dias como se não me desse conta
do quanto as palavras
significam
- para mim,
sobrevivência.
sábado, 28 de setembro de 2024
Em busca de um reencontro - comigo, com o outro
sábado, 14 de setembro de 2024
a bad romance
"Esfriou, né?"
Assim começou Ana, tentando uma socialização estranha ao seu humor introvertido. Frequentar os espaços públicos se tornou um novo aprendizado depois da grande peste, que manteve a população de todo o planeta sob ordem de "distanciamento social". Alguns puderam se distanciar mais do que outros, certamente. Uma das primeiras discussões que se colocaram foi sobre qual função era considerada "essencial": tanto para cobrar direitos trabalhistas quanto para lutar pelo direito de manter seu negócio aberto e, assim, continuar a honrar com os compromissos financeiros e familiares. Aqueles que estavam menos em risco eram os que menos se preocupavam em honrar com os compromissos financeiros, é claro. Os familiares... Essa história é mais longa.
Felipe respondeu vagamente, sem entusiasmo. Ana não se deu por vencida, é claro; qualquer coisa se acendeu desde que vira o par de olhos castanhos passando sob a touca de lã amarelo mostarda. Causou-lhe uma impressão curiosa a combinação de cores contra o céu de fevereiro, tempo de um verão fixo - mas, no vale do Paraibuna, sobretudo em seus pontos mais altos, sempre sopra uma brisa fresca que acaba acendendo hábitos bem consolidados.
sexta-feira, 30 de agosto de 2024
queria ficar
não vai passar:
vai perder intensidade,
mas a marca fica
como tatuagem
me lembrando
da vergonha,
é claro,
mas também da coragem.
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
terça-feira, 27 de agosto de 2024
oração
que eu almejo?
da minha alma estilhaçada
anseio pelo dia
da sua chegada ou Deus, ou o Cosmos
- a resposta não teriam me feito assim, assim
para a solidão azul como sinto, como sou
que me assola porque não sei ser diferente
desde muito antes não sei fingir, ou maquinar
de eu saber estrategizar formas
com o corpo de (im)permanência
por que fresta porque a honestidade é
a dor se insinua o primeiro passo
e penetra e eu sou amor
deixando o vazio da cabeça aos pés
e a queixa
e a súplica
por favor
por favor
pelo menos um sinal
uma visão
em sonho ou não
apareça
quinta-feira, 22 de agosto de 2024
perdão
"você não me conhece"
porque você não deixa
- mas eu sou uma leitora
excelente
então eu sei mais
do que você imagina
"eu não te conheço"
infelizmente
infelizmente
porque você não quer
terça-feira, 20 de agosto de 2024
súplica
à lua cheia no perigeu
diva de melodiosas lágrimas, Chang'e
ou pai do protetor das florestas, Jaxy
carrego o cristal azul
como uma melancia no pescoço
que me lembra da vergonha
a vergonha
pela súplica
pela queixa
por precisar provar algo
pra mim mesma
ser dilacerada por isso
há coisas de que não se escapa
o imperioso desejo
o anseio da alma
conexão
hooking
"When we love we can let our hearts speak."
brokenheartedness
lovelessness
girlhood
(All about love: new visions)
quarta-feira, 7 de agosto de 2024
a mulher invisível
quem te faz se sentir visto?
quem aumenta sua solidão?
quem te aliena de si, do mundo,
e quem te proporciona
a graça do pertencimento?
os meios podem ser sombrios,
mas os olhos da intuição
enxergam bem no escuro.
domingo, 4 de agosto de 2024
fantasias
qual é a linguagem do desejo?
para dentro, ele é apenas pensamentos.
para fora, traduz-se em gestos.
entre palavras, olhares e posturas,
vai desenhando o real concreto.
deve vir de mim, essa interrogação
que vejo se espelhando ao meu redor,
em toda relação que, trazida
para o nível de fora da minha mente,
me confronta com as minhas fantasias
e me decepciona, tanto,
tantas vezes...
deve haver um caminho para fora
em que eu possa honrar com
as palavras, olhares e posturas
em que eu me reconheço
e que não me coloquem em xeque.
(lembrar de: evitar
os caminhos que já se provaram
decepcionantes.)
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
na ilha
de hoje resta
na parede da memória
a visão abstrata da nossa gênese política
— quem luta contra uma opressão
infinitamente maior que si
se sustenta, é claro, em seus camaradas,
mas há um preço
e, o que pude perceber,
o delírio persecutório faz parte dele —
e a visão concreta da nossa ação política
— o que é necessário à construção
de uma postura contra o fim:
organização, método,
disciplina, coragem
e o amor, é claro:
o mais radical dos afetos.
[29.07]
cortam a carne:
o vento gelado
a aflição do pensamento
o ultraje emocional
a lembrança do desprezo
a consciência do vilipêndio
a que estamos sujeitas
há milênios, as mulheres
há séculos, os povos de Abya Yala
há décadas, os militantes radicais
contra o
patriarcado
colonialista
extrativista
racista
[30.07]
pra não dizer que não falei das flores:
rosas são vermelhas
violetas são azuis.
quando Vênus se encontra com Júpiter
e eles passeiam de mãos dadas
pelo vale da sombra da morte
não há mal nenhum a se temer:
o que corre no fundo do poço
(do desejo?)
também é belo, porque é humano
e nada do que é humano me deve ser estranho.
[31.07]
exagium:
o ato de pensar
experimentar
traduzido em gesto crítico
para formular e dar contornos
aos nossos demônios
(melhor não expulsá-los
porque talvez sejam eles
e os anjos
o mesmo tipo de criatura,
as duas faces da mesma moeda:
quem será a forma
e quem, o conteúdo?)
[01.08]
o hábito do autoengano
é o que fazemos
para continuar habitando
(ficar quietinhas lá,
seguras,
sem correr riscos)
o poço do desejo,
em que tudo é gozo:
pulsão introjetada,
com medo de se banhar
na luz que há
[02.08]
quinta-feira, 25 de julho de 2024
vez em quando
me lembro de lembrar de você
e me dá um aperto
de o nosso amor não ser sustentável
como não o é nenhum outro
em que eu me ponha em trabalho
pensando que as coisas acontecem
só porque eu quero que sim
às vezes não é pra ser
e tudo bem desistir,
tudo bem
tenho pensado em você,
lembrando que
a primeira vez
em que pensei em escrever muito
sobre uma única coisa
foi quando te vi, e sua imagem
grudou no meu mundo interior
e foi se desdobrando
numa fantasia louca
em que me joguei
sem calcular nada, nadinha,
por um bom tempo
e até que deu em alguma coisa,
porque meu coração é sincero
e você é sensível
...................................................
na segunda vez
em que pensei em escrever muito
sobre uma única coisa
estava desesperada
com o fundo mais fundo da minha alma
era a minha história pessoal
o que eu precisava desenhar
para mim mesma, é claro
- tudo isso aqui é pra mim,
principalmente
...................................................
na terceira vez
em que pensei em escrever muito
sobre uma única coisa
era a história do outro
condensado em um bode expiatório
que eu quis narrar
com ares de conhecimento de causa
uma pitada de ressentimento
e a curiosidade que me é própria
...................................................
sobre nenhuma dessas três coisas
eu quis escrever tanto assim,
mesmo,
afinal.
melhor ir soltando fragmentos
pedaços de dias e pensamentos
a partir dos quais eu vou contando
o que eu quero escrever
um pouquinho só
sempre
sobre vocês
e você
e eu
e tudo o mais
ou nada
se eu não quiser
segunda-feira, 22 de julho de 2024
oh no
entre as minhas mãos, como
um punhado de areia
(do deserto?)
- antes: a água que mina da fonte
do oásis -
e não simplesmente deitar fora
ou sorver
(por mais que pareça até uma boa,
como naquele beijo de morango),
mas afagar docemente,
como a um pássaro
que se feriu pelo caminho
porque, ora,
ele gosta de voos radicais
e não há descanso no ninho
o seu coração
sexta-feira, 19 de julho de 2024
o que fica
que eu não costumava perceber
- quem terá mudado: eu ou você? -
ou foi o empilhamento dos anos
que operou seu ofício transformador
meu coração, exultante,
não queria nem tecer essas palavras
- tão acostumado está aos dissabores
que mal sabe cantar a alegre satisfação -
seu coração, exaltado,
martelando forte no peito amplo
- exposto à força da necessidade -
e eu reparando, incrédula,
rosto e ouvido colados
(eu celebrando o básico, talvez,
mas há que se reconhecer os milagres,
goles improváveis de água fresca
em meio à selva de pedra)
quarta-feira, 17 de julho de 2024
é isso
da mesma forma que eu anseio
por algo que você não tem
menino
você anseia por algo
que só vai encontrar
quando aprender
a confiar
e se entregar
(o caminho não é de volta
à santa ignorância
e é o contrário da solidão
como vêm pregando
os sinos, e eu com eles)
(eu posso contar essa história
mas gosto tanto de quando
ela conta a si mesma...)
terça-feira, 16 de julho de 2024
testemunho
que, penso, é tão apropriada
para os nossos tempos apocalípticos
- não porque seja o fim do mundo,
mas o fim de um mundo conhecido.
dentre as profecias, preferiria aquelas que
cantam um vindouro menos:
indiferente
amargo
cínico
doído
triste
só
empilhamos nossas cavernas em espaços bem delimitados.
trancados a sete chaves, temos tudo de que precisamos
para cultivar a ilusão
da autossuficiência.
empilho meus versos em unidades de ideias
que me ajudem a passar por esses dias
áridos, porque a sombra que se projeta
por sobre nossos corações e mentes
é imensa, inequívoca,
e eu não consigo não vê-la.
(meus versos,
minha caverna solitária,
refúgio do meu eu íntimo
que não deixo, também,
de tentar espalhar por aí
- dentre as profecias,
há as que prefiro...)
domingo, 14 de julho de 2024
sad babies' club
uma sombra circundando-os,
uma rede de rugas, algo de opaco
que costumeiramente vejo, também, no meu espelho
- o do banheiro, que nunca mais te viu, nem verá, mas
em que eu me encontro: inescapável,
sob circunstâncias habituais
daí percebo algo que nos une, ainda que não suficiente
para a brutal colisão que eu almejo,
uma que abale as estruturas e ponha tudo no chão
e nos faça reorganizá-lo juntos:
uma costura de linhas temporais
mas não, não, não.
o que eu tenho é a negativa,
pensamentos pensando pensamentos
e um longo passado à espera
de eu fazer as pazes
comigo
mesma
mesmo
contorno
"...people can't, unhappily, invent their mooring posts, their lovers and their friends, anymore than they can invent their parents. Life gives these and also takes them away and the great difficulty is to say Yes to life."
Giovanni's room - James Baldwin
ao redor da liberdade
circulamos uma
duas
três vezes
mil voltas e voltas
tentando reconhecer suas saídas
e entradas
qual reta leva a que caminho
onde estão as contramãos
sabendo que todo o fluxo
gira em torno
desse sumidouro
cada elemento
encontra seus pares
nas esquinas das ruas,
nos casarões, nos parques
nos longos muros
que margeiam os córregos
os mundos se chocam e fundem, mas eu,
à beira do abismo, me posto
e observo
a centrífuga dos encontros
e a densidade dolorosa
em que colido comigo mesma
e desmorono
sexta-feira, 12 de julho de 2024
garrafas ao mar
quinta-feira, 11 de julho de 2024
continuando
o que são 30 minutos de Mayara falando
(ou escrevendo uma dúzia de versos indolentes)
diante dos 3 fucking mil anos de patriarcado
- quando o patriarcado nem é o início da história
da opressão das mulheres?
você poderia até pensar se tratar de um melindre meu,
só um vômito em resposta ao nojo que me desperta
esse comportamento ridículo e repetitivo
naturalizado
mas o buraco é tão, tão mais embaixo...
eu posso contar essa história
do menino bom, filho amoroso e atencioso, e sua saga no planeta Terra durante o capitaloceno
- sobre o qual levanto suspeitas, é claro,
uma vez que
pense só: "a soberania terrestre é vegetal:
as plantas representam mais de 80% da biomassa terrestre,
enquanto os seres humanos correspondem a 0,01%".
quero dizer:
quem deus pai pensa que é
diante de mãe Gaia?
não tem nem antropoceno, nem capitaloceno,
quem vamos morrer somos só nós, infestação maldita.
Pachamama ficará numa boa quando se ver livre...
(me condene por fuga ao tema, mas só agora.
a história continua.)
terça-feira, 2 de julho de 2024
lua doida
ainda bem, é claro - mas, nossa,
o que eles não significam quando habitam diferentes corpos
e suas tão discrepantes socializações?
para uns, a insaciável gana de ter mais e mais
ao ponto em que a dignidade se torna negociável
e não se consegue mais falar em amizade,
essa categoria política.
para outras, a neurótica demanda de qualquer coisa
que eu não sei bem o que é
- o sol absoluto do sentido: resposta? -
e então a chamo de "insatisfação crônica".
para todos, essa solidão profunda,
significado-síntese da inescapável realidade
da condição humana
(que, feliz e paradoxalmente,
tem como ser transmitida
e compartilhada).
segunda-feira, 1 de julho de 2024
ancestral
terça-feira, 25 de junho de 2024
sonhos adolescentes
há muito tempo eu não sonhava com fugas intermináveis.
novos significantes revestem velhos significados:
dessa vez eu não sou eu, e as rotas são outras,
os espaços, mais vivos,
porque há pessoas que me acolhem
enquanto adio, por milésimos de segundo,
por milímetros de espaço,
meu encontro com a radicalidade do extermínio.
qualquer decisão imprecisa é fatal.
(um sono inquieto, é claro.
há quanto tempo ele é assim, sem que eu me dê conta?)
〜⋨⋩〜
uma confluência casual de circunstâncias
e o rútilo desejo desabrocha,
nascido das trevas da fantasia juvenil:
entre pedais duplos e distorções,
embebidos no sumo dionisíaco,
meus neurônios viajam pelas espirais do tempo
entranhadas nas frestas da minha carne
- friccionada pela sua.
〜⋨⋩〜
"por quê?", eu me pergunto, miserável,
ao despertar no solo aereárido de Saturno
depois de o poço fundo me revelar
entre suas brumas
que o rio sombrio que me trespassa
ainda é navegado
por dois tenebrosos fantasmas:
o desencontro
e a incompreensão.
domingo, 23 de junho de 2024
porque há desejo em mim
é tudo rutilância.
o vermelho que se me desprende
lava a dor das líquidas oscilações.
mergulho no perfume de um outro
tangível, e tanto,
que me põe em dúvida
quanto a sua verossimilhança.
o desejo que nos funde
é como a rosa de infinitas pétalas
que desfolhamos, todos os dias,
nos centros de nossos peitos.
terça-feira, 11 de junho de 2024
na parede da memória
de um jeito que, hoje,
já não mais nos reconhecemos
nova era
novas cores
novos cortes
(mas me lembro do seu cheirinho
de carne doce e macia)
quinta-feira, 6 de junho de 2024
500.000 lágrimas
algumas poucas ocultas,
a maior parte, aqui expostas,
com uma coragem besta, de quem sempre contou com
"ah, mas as pessoas nem leem, mesmo"
mas sei que algumas leem, e
obrigada por compartilharem comigo
a barra sublime e pesada da existência
sábado, 1 de junho de 2024
profundas más águas
A exaustão não é só um estado físico, concreto,
Como o corpo ofegante depois do trabalho intenso.
Como tudo o que é interiorizado e cristaliza,
Há um "não poder respirar com a alma"
Estranho familiar
Que me assola os nervos sempre que o caminho parece
Um empilhamento de encruzilhadas
Em vez de estrada reta e límpida
Caminho pelo qual se desliza
Sem ansiedades ou atritos.
(Você me deixa mais vazia do que cheia
Sempre que te encontro depois da primeira vez:
Essa para sempre perdida, nunca igualada,
Que dói como um espinho inflamado na alma
- Essa mesma que vive ofegante, à beira
De um tipo abstrato de infarto.)
de 05 de fevereiro de 2023,
revisado em 26 de abril de 2024,
publicado hoje, dia de Saturno.
sexta-feira, 31 de maio de 2024
quinta-feira, 30 de maio de 2024
um beijo de morango
seu lábio cínico
pendendo, cheio de charme,
e as três vezes que colhi
as últimas gotas do néctar
com sabor de
pasta de dente
bala halls
e poucas horas dormidas
terça-feira, 28 de maio de 2024
segunda-feira, 27 de maio de 2024
Morgaine, now I can see
I'm honoured to be blessed with your Sight
despite all of the centuries that set us apart
sábado, 25 de maio de 2024
escrevendo, eu manifesto
I
No fundo do tanque
Circundado por macieiras,
Morgana agita as águas
Do meu destino pequenino.
Mergulho as mãos, e
As batidas do meu coração
Transmitem ao poço fundo
O ritmo do meu desejo.
Olho para o espelho turvo:
As brumas ainda encobrem
As respostas aos meus anseios.
II
(No fundo do poço,
Oculto pelas águas,
Ecoa, ignoto,
O ritmo com que
Eu dançaria a Vida
Me sentindo menos exausta.)
III
De relance, eu vislumbro
- Seria desonesta comigo
Se não desse esse testemunho -:
"Como é bom, por vezes,
Não ter que lidar com ninguém..."
IV
Tanta vida interior me exige
Uma dança cotidiana
Essencialmente solitária.
V
Qual o ritmo ideal
Para dançar com o Outro?
Sou eu quem determina
Quando o rei poderá reinar
- Apesar de você pensar que
"Quem não quer é você".
VI
(Até porque falta um bocado
Para esse arremedo de sapo
Se tornar príncipe, ou o que for.)
sexta-feira, 24 de maio de 2024
quinta-feira, 23 de maio de 2024
palavras que não posso te dar
me alimentei das suas até me fartar
(não só as que você me deu
e eu guardei, reticente,
numa prateleira da memória)
reparando-as em minúcias, como o fiz
com os traços que você traz no corpo,
e os seus pequenos gestos
e as presenças incertas
e as ausências impostas
por sei lá que feitiço maldito
que me prende no cárcere infinito
dessa impossibilidade...
sexta-feira, 17 de maio de 2024
tornar-se mulher
minha mãe teve um longo tempo de observação
da minha curiosidade intensa por
suas caixas
seus cabides
seus estojos
seus envelopes
suas carteiras
seus armários
- nossa, quantas portas,
quanta vida,
quanta memória
antes eram só
objetos banais;
hoje consigo senti-los doendo
no meu coração
como fragmentos-fisgadas de duas histórias:
da minha mãe
e da minha própria
quinta-feira, 16 de maio de 2024
pra que canções de amor
se o amor está morto?
que sejam canções fúnebres,
de modo que, representando o real,
nós possamos despertar
e pensar em despertá-lo
(mas não se engane,
esse não é um poema tão esperançoso assim...)
domingo, 12 de maio de 2024
à sombra, um novo lugar
quem te beijou fui eu –
quem quis,
quem fui,
quem fiz.
sob tal responsabilidade, respondo como
quem banca o próprio desejo –
"sem apego ao fruto",
tenho dito às minhas pupilas,
para que também elas tenham coragem
de dar o salto de fé no escuro.
sem as lentes, as formas difusas
ganham um grau a mais de angústia,
esse anseio doloroso.
à luz da janela noturna
diviso, mesmo assim, seus contornos,
fantasma do meu desejo ganhando corpo.
domingo, 5 de maio de 2024
laudo inconclusivo
falamos - falei um bocado
chorei largado, que é o que eu faço
daqui pra frente, ainda não sabemos bem
o que fazer?
terça-feira, 30 de abril de 2024
nas fibras da pele
esconderam-se as moléculas
da essência marinha amadeirada
que você trouxe consigo
e me transmitiu por meu convite
- o problema não é o abraço, meu amigo...
domingo, 28 de abril de 2024
raízes
a delicadeza da flor me chamou:
atraída pelas cores iridescentes
de suas pétalas macias,
meus dedos abraçaram,
ansiosos, mas docemente,
sua frágil composição.
minhas narinas buscaram
a nascente do aroma
que, de longe, eu intuía.
inebriada, desejei passar
dias e dias entregue
às vertigens dos sentidos.
em seus galhos me entrelacei
de forma ousada, quase como
se invadisse, sôfrega,
os limites de uma roseira,
ignorando, incauta,
os avisos dos espinhos.
em seus veios internos mergulhei:
em cada curva, em cada escolha,
me admirei com seus fragmentos,
os pequenos orbes de sentido,
pacotes luminosos de memória,
constelações em transformação.
no âmago de seu tronco
arquitetei minha morada:
entre as estreitas paredes
de seu sistema vascular
expandi minha presença,
tentando, aos poucos,
me fixar em seus caminhos.
o seu corpo em movimento
- pequeno espelho do mundo -
me colocou à deriva.
inapelavelmente corri,
junto à seiva, floema abaixo,
e pelos mais extremos poros
retornei à terra quente
onde, um dia, eu mesma florescerei.
quem sabe?, então, assim,
você venha até mim (novamente),
munido de curiosidade e desejo
que te façam querer chegar
às raízes do meu ser.
[só as flores de plástico não morrem]
sexta-feira, 19 de abril de 2024
temperos
o dela tem pimenta
o do meu bem é o curry doce
o meu, as ervas de provença
com a presença marcante do alecrim
e o êxtase do manjericão
quinta-feira, 18 de abril de 2024
o que se canta sobre a sereia?
ouvi-lo cantar é um espinho que
estava parado, quieto,
sem ninguém mexer com ele
talvez até cicatrizado?
calcificado nas bordas, pelo menos
já não sangrava, só estava lá, quietinho
e então algo se mexe
e eu me dou conta
da profundidade em que ele se infiltrou
na minha carne
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esteróides androgênicos
bondoso ≠ pacífico ≠ atlântico
na praia da paciência
em frente à casa da felicidade
junto à cauda da Jubarte
a sereia da água doce
em seus tons rosa-quartzo
lê o palimpsesto:
"só Deus pode me julgar"
sob
"felicidade não é sobre ter tudo pra você"
(happiness is not about getting all your(s))
diga-me com quem andas
e a natureza relacional do ser humano.
ánthropos-,
não andro-,
nem gino-.
à parte as interseccionalidades,
há as escolhas éticas e morais.
daí que
sexta-feira, 12 de abril de 2024
consortes
onde estão vocês?
com quem eu compartilho,
em semelhança de minúcias,
o meu destino pequenino?
quinta-feira, 11 de abril de 2024
no fim, sempre se casam com as princesas
não com as bruxas
obviamente
alguns casos são de divã
outros, de guilhotina
terça-feira, 9 de abril de 2024
gritos e sussurros
da minha pele em pânico
pela monumental mudança
que a roda viva instaura
(na minha vida - não,
ou sim, é claro,
mas nunca do jeito que eu esperava que seria
nunca é, afinal)
quarta-feira, 27 de março de 2024
crônicas da misericordilândia
o nome do nosso sistema de governo é a autocracia fundamentalista burguesa. antes de toda e qualquer coisa: eu. eu em segundo, eu em terceiro e, se sobrar alguma energia, talvez, quem sabe?, dependendo da maré de hoje... ah, hoje não porque amanhã é recesso.
sendo professora da misericordilândia, confesso: estou exausta. mas... e se não resistir? e desocupar? entregar tudo pra quem? em vão? o que será? Criolo tem sido tão bem sucedido em me ajudar, por isso vivo convocando o meu Buda. até o Profeta eu saquei, das catacumbas da memória, pra vir em meu socorro.
sexta-feira, 15 de março de 2024
os seus filhos gostam
quem diria!
Jorge Maravilha,
prenhe de razão,
sabia que as crianças precisavam de
menos raciocínio lógico
e
mais produção literária
<3
quarta-feira, 3 de janeiro de 2024
a dobradinha da tia Sônia
O que é feito do amor nesses contextos de violência e abuso? Eu não consigo entendê-lo bem, ainda. bell hooks diz que eles não coexistem, amor e violência. Mas na casa fraturada reuníamo-nos, vez em quando, ao redor do fogão de lenha com a panela fumegando cuidado. As mulheres... Algumas de nossas faces são as da guardiã violada, Medusa que grita para nos petrificar de horror.
Além dos gritos e do choro desesperado de criança, de vez em quando também sobe, da casa da vizinha, um cheiro bom de comida boa...