sábado, 27 de maio de 2017

A quarta Rainha

[27 de maio, outro desses dias intermináveis]

A sensação que eu tenho é a de que esse inverno, que nem começou, não vai nunca acabar.
Gostaria de saber como as pessoas alucinadas ainda têm a possibilidade de escrever se ocupando da linguagem.
Veja você, eu ainda estou relativamente lúcida. Mesmo assim, não consigo transformar tudo o que gira na minha cabeça em uma ficção real.
(Engraçado esse adjetivo que brotou de forma espontânea para caracterizar a ficção que eu gostaria de produzir.)
Estava pensando muito enquanto tentava distrair a minha mente
(Outro paradoxo curioso e triste, em iguais proporções)
E formulei um raciocínio que, se eu conseguir explicar, vou me sentir muito vitoriosa.

As pessoas são sempre as mesmas, e sempre mudam, e a permanência da mudança é a sua constante.
Cada indivíduo carrega traços únicos, é um universo particular, mas todos são essencialmente iguais.
Pensemos nas pessoas como casas idênticas, infinitas, com infinitos objetos dentro de seu infinito espaço.
Eu sou uma casa com os meus objetos dispostos de determinada forma.
(Uma forma que busca a harmonia, mas está em constante caos, de forma que brotaram flores no meio da sala de estar, porque chove constantemente lá dentro.)
Existem chuvas e flores e caos e harmonia dentro das outras casas também,
Mas, em algumas casas, as flores estão brotando direitinho no jardim, onde supostamente elas deveriam estar.
Em outras, não há chuva, e no lugar dos lustres, há flores.
Em algumas, há flores vistosas, imensas, perfumadas, coloridas,
Em outras, há um extenso tapete de folhas verde-escuras cobrindo todas as paredes, com singelas florezinhas amarelas salpicadas aqui e ali.
A cada dia, os objetos mudam de lugar, mas não se alteram em termos de conceito.
Eles evoluem, se deterioram, mas nunca se perdem quantitativamente. O infinito é a sua constante, nunca a mais, nunca a menos.
E a cada dia a sensação que o morador da casa tem é:
"Hoje eu sinto mais dor, mas tudo é incomparavelmente melhor do que ontem, porque eu conheço mais o lugar em que habito, e me lembro de [quase] tudo com algum lamento, mas muita ternura."

Não sei se a analogia ficou clara, mas é mais ou menos isso que eu formulei, só que de forma abstrata, e as palavras me escapam para tentar explicar essa abstração.
Não sei se me sinto vitoriosa.
Estou cansada demais pra sentir qualquer coisa que não seja cansaço.
E essa tristeza, é claro, que está de visita dentro de mim já faz um tempo, e que eu espero que se vá em breve.
(Mas sem muita esperança. Mas sempre com esperança. Esse paradoxo curioso e triste.)

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