ouço:
o vento cantando, lamentoso, pelas frestas da cidade,
a chuva que ruge e uiva: cântaros, brisa ou bruma,
fustigam a janela e sua rachadura
aberta pelo meu arroubo de raiva
- a frustração tem seus dias de galope.
vejo:
a mulher alada que segura um tecido fluido
na vitrine da loja de artefatos cristão-católicos
lembra o anjo da Temperança, mas sem as ânforas.
o homem alado, colérico, viril,
arcanjo-chefe-supremo
do-exército-celeste,
como a Justiça, carrega de um lado
a espada, apontada para a cabeça do demônio,
e do outro
a balança, com que mede, tão certo,
a validade do seu ato de violência
- como se não fosse o Amor
aquilo que repara os danos.
só Deus-Pai-Todo-Poderoso
pra chancelar Amor com violência.
penso:
em outra mitologia, a Justiça,
como a Temperança, é uma mulher:
sua espada está em riste, apontando para o alto,
e a balança está parada, como todo o conjunto da imagem,
o que é muito mais sensato,
porque não dá pra ela funcionar de forma apropriada
sem estar apoiada em uma base firme.
sinto:
a cântaros. o vento balança a espada
como o galho de uma árvore sob tempestade.
um arrepio me corre por dentro.
pesam-me os restos que se desprendem,
pênseis,
da matriz desértica do meu ventre.
sábado, 22 de outubro de 2022
🜁
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