Capítulo 3: Abraçar a mudança - O ensino num mundo multicultural
p. 63: "O multiculturalismo obriga os educadores a reconhecer as estreitas fronteiras que moldaram o modo como o conhecimento é partilhado na sala de aula. Obriga todos nós a reconhecer nossa cumplicidade na aceitação e perpetuação de todos os tipos de parcialidade e preconceito. Os alunos estão ansiosos para derrubar os obstáculos ao saber. Estão dispostos a se render ao maravilhamento de aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que vão contra a corrente. Quando nós, como educadores, deixamos que nossa pedagogia seja radicalmente transformada pelo reconhecimento da multiculturalidade do mundo, podemos dar aos alunos a educação que eles desejam e merecem. Podemos ensinar de um jeito que transforma a consciência, criando um clima de livre expressão que é a essência de uma educação em artes liberais verdadeiramente libertadora."
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Antes dessa citação, há uma parte do mesmo capítulo em que se discute a necessidade de se ter compaixão pelos alunos, uma vez que ensinar o pensamento crítico pode trazer dores quando reconhecemos traços retrógrados em pessoas que fazem parte do nosso circuito de afetos. Me lembrou de uma aluna que tive, nos idos de 2017. Aos 17, segundo ano do Ensino Médio, ela estava casada com um professor da escola. A partir de certo momento, ela se tornou hostil em relação a mim, e deixou de frequentar as minhas aulas. Eu não entendi, naquele momento, o porquê da hostilidade e do afastamento. Nesse mesmo ano eu pedi, para os trabalhos de redação, que os alunos produzissem diários para que eu pudesse conhecê-los melhor. Naquela época eu também não estava preparada para lecionar da forma como eu intuitivamente lecionava. Eu fui uma dessas alunas dispostas a se renderem ao "maravilhamento de aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que vão contra a corrente". Tive bons professores que, dentro das suas limitações e a despeito delas, me ensinaram a ter uma postura crítica diante da vida e do conhecimento. Quando eu mesma me tornei professora (aos 18, talvez jovem demais pra responsabilidade que a função demanda), nunca pude conceber que minha prática de ensino não fosse plural e crítica. Mas abraçar a mudança é um processo extremamente doloroso, eu sei, e nem todos estão preparados para isso. Temos que apostar no desejo de mudança, contudo. É lá que as nossas esperanças moram. É necessário ter muita, muita coragem para botar a mão na massa e fazer se concretizar o mundo em que acreditamos e que ardentemente desejamos.
A citação transcrita me lembrou de uma conversa que tive há alguns dias com um muito querido ex-aluno, em que ele me agradecia pelas discussões que tivemos em sala na mesma época do meu relato anterior, ainda que ele não soubesse valorizá-las no momento em que elas estavam acontecendo. É porque, no momento de tirar o véu, a percepção ampliada fere a estreiteza do nosso pensamento. Quando amadurecemos é que percebemos a importância de cruzar as fronteiras das nossas "ideias e hábitos de ser" (p. 61) para uma educação transgressora e libertadora. Até que esse amadurecimento chegue, qualquer que seja a experiência que o desencadeie, reagiremos com o instinto de preservação próprio daqueles que temem o desconhecido.
Talvez por isso que o "voto de confiança", em inglês, é o "leap of faith", o salto de fé. Mergulhar no desconhecido é um salto no escuro totalmente motivado pela esperança de que a vida pode e deve ser diferente daquelas estruturas que nos moldaram e aprisionaram até então.
É importante que o pedagogo deixe sempre muito claro, contudo, que o aluno não está sozinho nessa. Ele não precisa arcar sozinho com as consequências de deixar que as velhas estruturas desmoronem em suas vidas. Tendo essa percepção empática em vista, devemos nos organizar em comunidades em que todas as vozes sejam ouvidas. Mitigar a solidão da experiência humana, partilhar dores e perdas, fortalecer os afetos para que a mudança não seja paralisada pelo medo de que ela aconteça: "abraçar a mudança" de forma solidária e coletiva.
A todos os meus ex-alunos, alunos, conhecidos, amigos: saibam que eu estou aqui com vocês, por vocês. Não vamos esmorecer. Paradoxalmente, me parece que estamos melhores do que nunca, porque hoje posso perceber que, diante da necessidade, somos muitos os que clamam pela liberdade. Vamos construí-la juntos.
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