Meu pálido rosto de monja, antes absorto no labor, desperta e emociona-se levemente por um momento – duas nascentes de rios rolam de meus olhos para desaguar em minha boca, um pacífico oceano. Vasto, profundo, de uma riquíssima fauna de sentimentos. Ligeira nostalgia brota de minha alma, para encontrar com as outras sensações e confortar-se no esquecimento mudo e misterioso. Nenhuma saudade mais poderia ter lugar em mim.
Cuido do meu templo com gestos leves, simbólicos, muito vivos; quero neles depositar todo o meu esmero para com os Deuses. Eles sabem que, em meu ritual de purificação, estou preparando-me interna e externamente para a chegada de meu irmão, minha alma conjunta. Emociono-me, pois, com a honra de poder servir àquele que me completa.
O sentir que me enevoa os olhos e se confunde em minha boca é um reflexo de toda a esperança, calma e aflita, que senti por todo o tempo em que o esperei. Silenciosa, guardei-me inteiramente para o momento em que o teria, mais uma vez, junto a mim.
Meu monge vem visitar-me, e não há nada mais revigorante do que consagrar o lar que o acolherá. Quero que ele respire livre de qualquer vibração negativa; quero que ele se sinta abraçado por todo o Universo quando estiver aqui.
Poli cada objeto para dar-lhes mais brilho; perfumei cada canto com um aroma doce e fresco, como o que a chuva dá aos campos floridos. Acendi sete velas; três no altar principal, e quatro no degrau abaixo. Em cada pequena mesa disposta pelo templo, abri tecidos alvos e acendi velas sustentadas por dourados castiçais barrocos. As cortinas estavam limpas, guardando as janelas e os adornos laterais em sua sombra azulada. Estava purificado o descanso para a sua alma.
Em um quarto à parte, preparei para ele um leito largo, todo forrado de linho branco. Ao seu pé, arranjei lírios róseos, e chinelos de algodão. Limpei cuidadosamente a lareira, e em um balde prateado deixei um pouco de lenha. Na mesa de cabeceira, uma toalha rendada pendia levemente; depositei nela uma bandeja, deixei água fresca e um copo de cristal. Na prateleira, arrumei alguns livros e um castiçal maior; com uma reverência, fechei a porta do quarto. Estava purificado o descanso para seu corpo.
Ele chegará hoje à noite. Ajoelhei-me perante o altar, e levei minhas palavras sagradas aos Deuses – roguei a eles que fizessem do nosso reencontro uma harmoniosa cerimônia. Que tudo acontecesse como fosse da divina vontade, e que esta fosse bela e justa. Emocionei-me uma vez mais; cobri meu rosto com véus fluidos e, sentando-me em meditação, aguardei pelo momento de sua chegada.
Passaram-se duas horas. Uma chuva fina começou a cair; ouvi um leve ruído vir da porta principal. Soou um sino brando, e minha alma encheu-se do mais puro júbilo – meu monge havia chegado.
Abri a porta; seus olhos brilhavam, e uma pequena lágrima desceu de seu olho direito. Enfim, juntos novamente. Reverenciamos os Deuses e, tomando suas mãos nas minhas, entramos. Fizemos uma prece, e recolhemo-nos à sala adjacente. Lá chegando, abraçamo-nos sutilmente, em um calor que anulava a densa chuva que se formara. Ele afastou com delicadeza meus véus, e encostou seus lábios frios em minha face; quando recuou, ergui minhas mãos pálidas e toquei seu rosto. Subitamente confortado, fechou seus grandes olhos azuis - pareceu-me que, naquele momento, a sala perdia um pouco de sua luz. Pedaço de céu havia naqueles olhos sagrados! Convidei-o a sentar perto da grande lareira; ele acomodou-se numa poltrona e ajoelhei-me aos seus pés, deitando minha cabeça em seu colo. Ele afagou-me cabelos com tanto cuidado que seus dedos pareciam ser feitos de água.
Reencontrados, sentimo-nos em um conforto transcendente. Eu não precisaria de qualquer outro descanso; ele estava tranqüilo e feliz ao meu lado. Por horas e horas, em silêncio, aquietamos as saudades que nos agitavam, e nem nos demos conta quando nossos corpos adormeceram. Nossas almas já estavam noutro plano, passeando pelos campos arquetípicos, respirando a Natureza ideal. Enfim, juntos novamente. Esse é o Amor que nos inspirou e que nos há de inspirar a alma, por toda a eternidade.
e seus textos sempre com as mesmas perspectivas,
ResponderExcluiro mesmo jeito :3'
adoro-os x.x
nunca deixe de postá-los *-*
(L)³² saudades - infinitas.
que bom que você está se sentindo assim! feliz!
ResponderExcluirsua felicida é refletida nos seus textos e nos seus leitores que se inspiram com tão bela arte.
parabéns!
Estás a cada vez mais bem escrever, my dear. Parabéns por tua imensa destreza com as palavras, dir-se-ia um divinal dom.
ResponderExcluirO texto, em si, suscita em mim muitas divagações. É beleza em forma pura.
Beijos.
Seu paipai,
Melqyahd.
Será um prazer receber você e o seu blog na blogagem coletiva.
ResponderExcluirLogo que colocar o selinho me avise, preciso colocar o seu blog na lista dos participantes.
Gostei muito de conhecer esse espaço.
ABS!
Amanhã será um dia muito especial, pois faremos a nossa blogagem coletiva em homenagem à querida escritora Cecília Meireles.
ResponderExcluirEstou muito feliz com a sua participação.
Grande abraço!
Leonor Cordeiro