Exegese profana – Marina and the Diamonds – uma experiência sentimental
Para que eu me divirta em uma experiência auto-centrada, que
é o modus operandi da nossa geração, de pessoas que se compartilham
publicamente de forma mais ou menos honesta.
Eu mais ou menos honestamente escrevo isto, que chamo “exegese
profana” por uma vocação de ser pernóstica – o gosto pelas palavras pomposas,
saborear linguagem, mania nossa, de quem gosta, ama, sofre, sua e sangra palavras.
Exegese, porque se há algo que me provoca transcendência,
para os céus e para os infernos da existência, esse algo é a arte. E estar com
as pessoas, amá-las, também. O que eu também considero um tipo de arte.
Profana porque não é sagrada. Mesmo porque o sagrado pode ter
o tom dogmático que eu, como a idealista que sei que sou, tendo a ter. Mas o
dogmatismo me fez e me faz sofrer. É complexo estarmos radicalmente abertos
para o outro – amor e medo andam de mãos dadas, afinal.
Meu plano também é pensar na questão da “iluminação profana”
a partir do que Walter Benjamin diz no ensaio sobre o surrealismo. Não sei
quando vou reler o texto para fazer o trabalho do fichamento e dizer, aqui, o
que exatamente me encanta e instiga nesse conceito.
(Bobagem essa necessidade de tanta exatidão? Talvez. Talvez.
Faz parte do processo. De qualquer forma, será necessário revisar o texto...)
Historicamente, na minha vida singularíssima, a ideia de “iluminação”
sempre se me afigurou como uma possibilidade de sentir calma. Eu, que padeço
dessa histeria nervosa que é ser uma mulher que não se define: o ciclo
vicioso da dúvida enrola os meus pés publicamente nos tapetes das etiquetas.
Interiormente, também. Não é de hoje que eu canto os horrores da humilhação e
da vergonha.
(A iluminação é a “fusão da consciência individual com a
consciência cósmica”, me disseram uma vez. Achei tão assombroso que exista tal
possibilidade que jamais consegui esquecer essa definição.)
Mesmo aprisionada melancolicamente pela dúvida, tendo a ser
radicalmente honesta comigo mesma, e radicalmente amorosa, como compromisso e
práxis. Love and despair flood the deepest of my soul.
“Tendo” a ser, porque existem aquelas mentiras inconscientes
que a gente não tem muito controle sobre o quanto as contamos pra nós mesmas
sobre nós mesmas.
Para os outros, é tudo performance.
A vida interior é incomunicável, a linguagem é isto que
agora eu leio, por sobre a qual me esparramo, e oferto, medrosa, a uns poucos
que não sei se têm paciência pros meus excessos confessionais.
A confissão também é uma técnica. Humilhante, pra quem se
leva muito a sério. Mas não sei rir de mim mesma porque não encontro o ponto em
que eu controlo a autodegradação. Resquícios daquela juventude em que tudo é
peso e trevas, que foi de onde eu vim, de onde eu tenho dificuldade de sair, no
mais das vezes.
Conversar com outras vozes, abrir pontes, mas me divertir na
minha viagem dentro de mim mesma, que é como eu costumava atravessar os dias de
Saturno. Escrevendo para me traduzir pra mim.
Mas, tendo lido e lido ao longo da minha vida, são várias as
vozes que falam dentro de mim, e que espocam no meu texto.
Como o verbo “espocar”, emprestado da Adélia Prado. Ou mesmo
aquela citação de Fernando Pessoa ali em cima, a qual eu nem me dei ao trabalho
de colocar entre aspas: roubei com o cinismo de quem não precisa se preocupar at
all com qualquer rigor aqui e agora.
Durante algum tempo rezei para alguns textos, para algumas
ideias, para alguns deuses, algumas deusas. Rezei com fervor. Mas também
preguei meu próprio evangelho no obscuro e solitário espaço do meu blog
pessoal, e em outras palavras que esparramei aqui e ali, por aí. Sempre com
vergonha e medo. Mas sem coragem de abandonar o manejo das palavras, essas que
curam, salvam, mas também danam.
(Outra ideia que me lembra uma dessas vozes, que eu conheço
acusticamente, e cuja presença vai habitar pra sempre dentro das minhas melhores
lembranças.)
A Marina é uma dessas vozes em que eu leio honestidade,
coragem, paradoxo, fragilidade, entrega... É gratificante abrir a minha alma para a experiência de ler a alma de quem se oferece como um livro aberto.
Eu li, e não posso deixar de render meu culto à beleza que percebi.
Temos nossos aedos eleitos, esses que traduzem aquilo de que
nossa alma está inundada. Com as músicas da Marina, eu fiz travessias que não
cabem nessas palavras aqui: as palavras compõem a obra, mas a obra é a máscara
mortuária da concepção (citando o mesmo Walter Benjamin, mas do que ouvi Gilvan
dizer).
Insuficientes, sim, mas não inválidas. Nem que seja para um
exercício de mergulho no meu espelho d’água, mas em um lago compartilhado.
A experiência humana é simultaneamente singular e coletiva.
Eis uma dimensão da existência que dá vários nós na minha modesta, porém
ambiciosa percepção.
Vou contar pra mim mesma a minha própria história através da
história dessa artista que surpreendentemente me traduz nas nuances mais
contraditórias da minha própria personalidade.
Aqui eu poderia fazer a longa peroração astrológica sobre
motivações mil, mas não vou entregar logo de cara essas minhas fixações nesse
texto específico. Elas inevitavelmente virão espalhadas pelas leituras que eu
propuser de cada uma das letras das músicas de cada um dos discos da Marina
Diamandis. Não é como se eu não falasse disso o tempo todo, também (da fixação astrológica, quero dizer).
(A fixação pelo rigor é esse anseio infantil de ser levada a sério em um mundo que sempre me recusou o status de sujeito. Muito difícil emendar essas feridas.)
(Porém, hoje, ouvindo a D. declamando Matilde Campilho, ela me deu a ideia de que “fendas são lugares por onde a luz entra”. Vi outra publicação pela internet que se demorava sobre essa mesma noção, mas de forma menos lírica, mais crua e violenta. Não deixa de ser uma boa ideia, independentemente da abordagem, em especial nesse nosso tempo em que a maior parte dos dias e das notícias são de trevas e feridas fendidas nas nossas almas.)
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