domingo, 13 de junho de 2010

In the cold heart of the night;


[Quando a noite é fria, as sensações são claras, sensíveis, e as palavras não podem ser contidas.]




"Os tristes acham que os ventos gemem; os alegres acham que eles cantam." Zalkind Piatigorsky

Hoje o vento está gemendo, passando pelas frestas da minha janela, me enregelando o corpo até os ossos, quase até o coração. O frio me domina de fora pra dentro, mas conservo em mim uma chama que não me deixa congelar por completo. Difícil, decerto.
E talvez eu esteja triste, ou esteja apenas com vontade de escrever... E deixar que a minha pequenina musa cante um pouquinho, para que eu me livre, de alguma forma, do verdadeiro aborrecimento que está preso em minha garganta.
E sei que esse não deveria ser o intento da minha [suposta] arte, mas descobri que para mim não tem jeito. Eu só sei escrever para me libertar do que me oprime. Isso é positivo, de alguma forma...
Ou não, né?

[...]

“Sou uma mulher de detalhes fortes nos músculos do coração. Viver não é apenas estar aqui bebendo a água ou tocando o fogo. Viver pode ser alguma coisa a mais, além dessa exatidão humana. Por isso denuncio minha alma: ela tem desvios. Não é perecível nem inadulterável. Parece oca quando choro” Mirian Freitas

Escrevo...
Escrevo a dor dos meus dias e a certeza de um novo amanhã.
Certeza um tanto incerta.
Com meu coração esmagado entre os dedos gélidos tento me tornar menos vazia, ou melhor, menos sombria. Lembro-me que sempre fui assim: poesia e escuridão. Nada estava diferente.
As palavras só davam seqüência a aquele ciclo que havia sido certamente interrompido.
Não me adianta gritar para libertar-me, ninguém me ouviria. Tudo está longe... o meu tudo está longe... nas entranhas do tempo.

[...]

Sempre fui assim, poesia e escuridão. A luz foi eclipsada pela passagem dos dias sombrios, a necessidade de sol sempre foi apenas uma esperança. Então a escrita foi o caminho que encontrei para tentar buscar calor, sonhos e ideais, ou para romper a distância que há entre mim e o meu tudo, ou para esquecer a vida pequena, sonhar com a distante grandeza da vida. A distância é fria e vazia - como essa noite gélida, onde tudo é solidão... Onde tudo o que eu quero é sonhar, sendo que isso é o que menos consigo.

[...]

Acho que não sei sonhar. Meus instantes sempre ficam ali, na cama, imóveis.
Luto por um descanso da alma e o máximo que consigo é matar as esperanças que eu tinha nas mãos.
Meu silêncio não se acalma, minha alma não dorme, não se encontra.

Repito: estou só, e com frio. Me sinto oca, com medo e sem fé. Sem fé em mim.
Queria entender a inutilidade desses meus últimos dias, mas mesmo abalada pelo frio minhas razões não me deixam só. Prossigo, amargurada, com esse vazio da minha própria existência.

[...]

Razão e vazio. Não, não é disso que eu preciso. Preciso de emoção que me preencha completamente a vida, que me transborde, que me recorde a vida que eu nunca tive, mas que de alguma forma está guardada na minha memória. Tenho aquela estranha saudade de algo que nunca aconteceu...

Um sentimento específico, na verdade. Eu preciso me recordar de que eu sou capaz de um certo sentimento. Porque a sensação é a de impossibilidade total de sentir, e me parece que toda a vida fui assim, mas sei que algo em mim entende o que quero. Talvez eu sonhe com o impossível... E é a falta de fé que me faz acreditar que haja algo impossível.

[...]

Não preciso falar de esperanças, elas não cabem nesse momento.
Disso eu me recordo.
As dores que sinto hoje são nostalgias do ontem. São notas perdidas na canção que fiz para você. Melodia rara de um coração ainda puro, sem marcas.
Meu futuro é incerto, sem promessas ou encantos programados.
Talvez eu só queira a paz para viver sozinha, descobrir essa minha essência indecifrável.

Renunciei a mim mesma por um alguém e agora meu choro e meu silêncio dizem que sou infeliz.
Hoje me sinto velha, amargurada, pedinte. A beira de um abismo, longe da vida.

[...]



Velhinha

Florbela Espanca


Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
"Já ela é velha! Como o tempo passa!..."

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...


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Por M. Peixoto e A. Mazzoni.



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