As manhãs de domingo têm uma estranheza mágica. Caminhei meio inconsciente do que havia ao meu redor, ignorando inclusive os perigos que me poderiam estar circundando. Mas acho que manhãs de domingo são, de certa forma, imaculadas, isentas de maldade. Elas têm, de fato, uma estranheza mágica.
Tanto assim são que me trouxeram uma lembrança deveras remota, de uma fragilidade mística que só as manhãs de domingo têm.
Olhando as pedras soltas na calçada, lembrei-me de um costume tão antigo...
Quando eu era bem, bem pequena, gostava de catar pedrinhas no parquinho da escola. Não sei bem o porquê; mexendo na areia, de repente eu encontrava umas pedrinhas claras, redondas, lisas... gostava de lavá-las no sabonete branco manchado de guache que tinha na pia da sala de aula. Minhas mãos sujas de areia, juntamente com as pedrinhas, produziam uma espuma marrom, com alguns filetes de cor, que dançava na pia branca, rodopiando com a água até encontrar o fundo escuro do ralo. Eu gostava de ver isso. Era tudo simples, fácil, de uma magia inata; não facilmente perceptível, mas inegável.
Enfiava as pedrinhas nos bolsos e, dependendo da minha sorte, às vezes eles ficavam pesados, de tantas que eu encontrava. Chegava em casa inconsciente do peso extra que havia em mim; depois eu olhava, e via aquelas bolinhas nos meus bolsos. Abria-os, admirava-as uma vez mais e, sem maiores cerimônias ou palavras, entregava as mais bonitas à minha mãe. Ela me olhava com uma expressão indefinível, agradecia com um lindo sorriso maternal e as guardava na carteira. Sei que de tempos em tempos ela deveria jogá-las fora, porque não haveria suficiente espaço para todas elas. Mas há pouco tempo eu encontrei uma remanescente, e isso me encheu de nostálgica vida.
Acho que sei o porquê de entregá-las à minha mãe. As pedras tinham uma beleza rústica, tola, mesmo infantil; mas era a minha forma de agradecer, ainda que de maneira inconsciente, o amor que eu recebia. Fundamentalmente, o amor e a beleza têm a mesma essência. E eu queria ter um meio de equilibrar essas forças magníficas na minha pequena vida.
Meu pai também participava desses momentos de transmissão dos meus incógnitos afetos. Ele me dizia, numa voz grave, paternal, de quem quer prever o futuro: "ela pode ser uma geóloga". Dizia que eu me interessaria por biologia, química, essas coisas que eu não entendia, e que até hoje não entendo muito bem. Creio que ele quisesse já me projetar ao futuro, e eu me divertia, sentia-me grande e importante.
Mas havia uma coisa que ele não entendia, e que só no meu âmago estava esclarecido - era algo que eu não podia e não sabia externar, mas que agora compreendo e sei que sempre esteve em mim. Eu gostava da beleza sublime das pedrinhas, não da sua composição concreta. Eu não gostava exatamente da matéria - eu admirava a ideia que suas características representavam. Gostava da beleza que elas continham, e qual mensagem que elas poderiam propagar. E só agora eu entendo claramente que isso não me fazia ser objetiva, cientista - geóloga, bióloga ou química. Isso sempre me fez ser subjetiva, emocional - poeta.
Assim descubro qual é estranheza mágica e pura, nostálgica e infantil, que as manhãs de domingo guardam. É a poesia, que paira no ar e nos enche os pulmões ansiosos por algo de suficiente leveza. A poesia revigora o ar e purifica a mente; assim, posso ter minhas lembranças puras, que me trazem a esperança de fazer com que a vida seja, uma vez mais, bela em sua simplicidade.
Tanto assim são que me trouxeram uma lembrança deveras remota, de uma fragilidade mística que só as manhãs de domingo têm.
Olhando as pedras soltas na calçada, lembrei-me de um costume tão antigo...
Quando eu era bem, bem pequena, gostava de catar pedrinhas no parquinho da escola. Não sei bem o porquê; mexendo na areia, de repente eu encontrava umas pedrinhas claras, redondas, lisas... gostava de lavá-las no sabonete branco manchado de guache que tinha na pia da sala de aula. Minhas mãos sujas de areia, juntamente com as pedrinhas, produziam uma espuma marrom, com alguns filetes de cor, que dançava na pia branca, rodopiando com a água até encontrar o fundo escuro do ralo. Eu gostava de ver isso. Era tudo simples, fácil, de uma magia inata; não facilmente perceptível, mas inegável.
Enfiava as pedrinhas nos bolsos e, dependendo da minha sorte, às vezes eles ficavam pesados, de tantas que eu encontrava. Chegava em casa inconsciente do peso extra que havia em mim; depois eu olhava, e via aquelas bolinhas nos meus bolsos. Abria-os, admirava-as uma vez mais e, sem maiores cerimônias ou palavras, entregava as mais bonitas à minha mãe. Ela me olhava com uma expressão indefinível, agradecia com um lindo sorriso maternal e as guardava na carteira. Sei que de tempos em tempos ela deveria jogá-las fora, porque não haveria suficiente espaço para todas elas. Mas há pouco tempo eu encontrei uma remanescente, e isso me encheu de nostálgica vida.
Acho que sei o porquê de entregá-las à minha mãe. As pedras tinham uma beleza rústica, tola, mesmo infantil; mas era a minha forma de agradecer, ainda que de maneira inconsciente, o amor que eu recebia. Fundamentalmente, o amor e a beleza têm a mesma essência. E eu queria ter um meio de equilibrar essas forças magníficas na minha pequena vida.
Meu pai também participava desses momentos de transmissão dos meus incógnitos afetos. Ele me dizia, numa voz grave, paternal, de quem quer prever o futuro: "ela pode ser uma geóloga". Dizia que eu me interessaria por biologia, química, essas coisas que eu não entendia, e que até hoje não entendo muito bem. Creio que ele quisesse já me projetar ao futuro, e eu me divertia, sentia-me grande e importante.
Mas havia uma coisa que ele não entendia, e que só no meu âmago estava esclarecido - era algo que eu não podia e não sabia externar, mas que agora compreendo e sei que sempre esteve em mim. Eu gostava da beleza sublime das pedrinhas, não da sua composição concreta. Eu não gostava exatamente da matéria - eu admirava a ideia que suas características representavam. Gostava da beleza que elas continham, e qual mensagem que elas poderiam propagar. E só agora eu entendo claramente que isso não me fazia ser objetiva, cientista - geóloga, bióloga ou química. Isso sempre me fez ser subjetiva, emocional - poeta.
Assim descubro qual é estranheza mágica e pura, nostálgica e infantil, que as manhãs de domingo guardam. É a poesia, que paira no ar e nos enche os pulmões ansiosos por algo de suficiente leveza. A poesia revigora o ar e purifica a mente; assim, posso ter minhas lembranças puras, que me trazem a esperança de fazer com que a vida seja, uma vez mais, bela em sua simplicidade.
"Não sei bem o porquê; mexendo na areia, de repente eu encontrava umas pedrinhas claras, redondas, lisas... gostava de lavá-las no sabonete branco manchado de guache que tinha na pia da sala de aula. Minhas mãos sujas de areia, juntamente com as pedrinhas, produziam uma espuma marrom, com alguns filetes de cor, que dançava na pia branca, rodopiando com a água até encontrar o fundo escuro do ralo. Eu gostava de ver isso. Era tudo simples, fácil, de uma magia inata; não facilmente perceptível, mas inegável."
ResponderExcluirO mais incrível é que essas pedrinhas existiam em quase todos os parquinhos. Mas só apareciam quando ficávamos absortos em nosso pequeno universo, sentados na areia bege. Eram tão belas, essas pedrinhas. Tão belas *-*
Não sei se lembra, mas a Amélie, durante o filme, pegava essas pedrinhas pela rua.
Ah, gêma, que texto lindo... Nossa, me emocionou. O que a nostalgia e a pureza não fazem com corações sensíveis, não é mesmo? ^^
Amo (LL)
Eu amo esse texto.
ResponderExcluirAmo esse pedaço de afeto com sol!