Basta andar distraída pelas ruas feias e sujas, e o espectro daquele que um dia se fez real [como os sonhos e as lembranças] surge, sem pedir licença, sem o menor escrúpulo de invadir o ‘universo ao meu redor’ e fazê-lo tão triste quanto o mais triste dia de inverno. Ele vem dos verdes montes, vem de cada milímetro da calçada, vem das árvores, das cores cinzentas e berrantes da cidade... Ele vem apenas para trazer a recordação do rigor que um ato covarde e fraco gera na consciência e nas emoções [que deveriam ser] lúcidas.
Basta projetar os braços mornos de sono ao relento, para tentar colher o doce e revigorante orvalho da manhã... Logo a alvorada se esconde, transforma-se em fim de tarde chuvoso, e as gotas que começam a cair do céu são tão frias e profundas quanto os lábios que outrora provei. O que devia ser doce transmuta-se em amaríssima sentença. Tudo contém uma lembrança sua, tudo contém essa terrível tortura, amargor vestido de doçura.
E não há mais nada a se fazer além de lamentar, e sorrir e chorar, deixando que tudo se misture, que todas as emoções percam o sentido e que não haja mais nada racional ligado a esse assunto. Talvez, assim, seja possível começar a desmanchar, pedrinha por pedrinha, o imenso castelo dos sonhos vãos. E é mister, para o momento, usar corajosamente as próprias mãos, e deixar o peito aberto para que nada velho fique guardado, para que as pedras rolem abismo abaixo, e o terreno fique completamente limpo, sem vestígios da covardia de antes; assim o reino das puras emoções poderá florir novamente.
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