Ana, assim ela se chamava. Um nome simples, que guardava toda a profundidade da simplicidade.
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Ana andava pelas ruas distraída, quando avistou um pássaro. O pássaro planava no ar, e depois se imobilizava. Voava e parava. Ana nunca vira um pássaro parar em pleno vôo... O pequeno pássaro lutava contra uma corrente de ar quando, com as forças exauridas, desfaleceu. Caiu levemente, com toda a sua delicadeza de pardal, aos pés de Ana. A surpresa do inesperado a deixou atônita, a morte inexorável e repentina fê-la tremer... pegou a pequenina vida extinta, abriu um buraco raso em um jardim próximo, e com toda a cerimônia devolveu-a à mãe terra. Com uma pequena flor violeta deixou sua homenagem e, ainda comovida, voltou à caminhada da vida.
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Ana nunca havia visto o mar. Chegando ao litoral pela noite, procurou com olhos aflitos e ansiosos a extensão infinita de água. A escuridão não a permitia enxergar bem as formas; a noite e o mar se transformaram em sombras difusas para protegê-la do choque de ver, tão repentinamente, uma representação de algo tão grandioso. A natureza sabia que Ana não poderia absorver, ilesa, tanto mar, tanto mundo. As espumas brancas dançavam, flutuavam no espaço negro. O que seriam aquelas formas? Um muro? O muro branco da ingenuidade de Ana não a permitia ver o mar. O mar se esconderia além do muro? Uma voz ancestral dizia, "calma, pequena. Você ainda poderá ter, sentir e ver tudo o que quiser - mas tenha calma, pois para tudo há o tempo certo."
Pela manhã, Ana despertou, vestiu sua roupa mais leve e correu para a janela. O dia estava ensolarado, com algumas nuvens esparsas. Disse, "mãe, vou ver o mar". E sem esperar resposta, saiu. Andou, andou, correu, e enfim chegou. E lá ele estava.
Ana descobriu que o muro branco era o próprio mar. Ajoelhou na areia fina e, contemplando aquela beleza ímpar, sorriu como quem agradece à Natureza pelo zelo, pelo cuidado. Sentiu a maresia grudando em sua pele, sorveu aquele cheiro tão incomum, cheiro de eternidade, cheiro de vida. Mergulhou as mãos na areia, ainda olhando para o mar. Enterrou os pés, e se divertiu ao tentar sair com dificuldade daquela armadilha que construiu para si. Hipnotizada pelas novas sensações, Ana esqueceu do dia, das horas, das coisas rotineiras. Da não-vida.
Mas ainda estava receosa de sentir toda aquela imensidão azul - que ela descobriu não ser tão negra, tão fantasmagórica. Vê-la já a deixava tonta, senti-la talvez fosse algo precipitado. Aproximou-se devagar da beira da praia, mas não quis encostar na água. Sorriu e correu para casa.
No dia seguinte, levantou-se com mais calma. Preparara-se a noite inteira para sentir o mar; andou para a praia como se andasse para encontrar um amigo querido. Chegando lá, tirou os chinelos e pisou na areia, querendo sentir cada pequeno grão. Caminhou, cheia de coragem, em direção à água. Largou na areia os chinelos, a bolsa, todas as coisas que segurava. Olhou uma vez mais o horizonte, fixamente. Sentiu o vento, ouviu as ondas, viu o sol refletir-se em esplêndido fulgor no espelho aquático. Esvaziando a mente e aguçando os sentidos, finalmente entrou.
A água gelada a fez estremecer, as ondas carregavam seu corpo frágil. As mãos pequenas seguraram uma porção de água, e ela molhou o rosto. Algumas lágrimas de medo, susto e surpresa se misturaram com a água salgada... Saiu rapidamente mas, ainda com os pés na água, sentou-se na areia. Quis ficar ali, imóvel, por infinitos dias... A partir daquele momento, sentiu que não poderia mais viver sem sentir a Natureza imensa, assustadora e acolhedora. Reflexo da vida real.
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Muito bonita, filha. É muito melhor do que achaste que não poderia ser.
ResponderExcluir(L)
Mel.
Que lindo, gêma *-*
ResponderExcluirTão sutil, e ao mesmo tempo tão profundo. As imagens que seu texto me proporcionou me fizeram bem.
Ah, a Natureza. Dia após dia eu fico mais maravilhado com o que ela é e pode fazer. É sempre tudo tão inédito... Como um sonho. Ou um quadro em movimento.
Lindo texto, querida. (L)
Muito lindo, sim, subrinha :)
ResponderExcluirEu, ao menos, acho além disso: é incrível e absurdo.
Descrever as realidades naturais é algo pra poucos, FYI.
Adorei a escolha do nome, by the way :D
AHUHUA.
amo-te. (LL..)
ps: preguiça de logar *;