Budismo moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Obra em domínio público.
O urubu [bom presságio budista, mas mau presságio na linguagem corrente, popular] pousa na sorte do poeta da mesma forma que uma bronca destra forte esbroa a criptógama cápsula que envolve as diatomáceas da lagoa [a bronca destra forte é uma força que desagrega as frágeis proteções do eu - os "pesados golpes do destino", segundo Benjamin] = angústia. O budismo moderno é a consciência dos grandes ciclos cósmicos que, não conseguindo escapar ao veneno da modernidade - a visão crítica -, tinge-se da cor desses venenos: é o sublime embebido de grotesco.
Outra coisa que não pude deixar de ver: os versos são grades que aprisionam o agregado de saudades, aquilo que sobrevive à morte do corpo do poeta.
Referências:
http://www.cchla.ufrn.br/shXVIII/artigos/GT05/Sandra%20S.F.%20Erickson.pdf
http://outros300.blogspot.com/2012/11/o-budismo-moderno-de-augusto-dos-anjos.html
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