Os olhos verdes de Saturno são apenas uma das pontas de uma delicada gradação. Até chegar à morena castanha dos olhos d'água, muita dor entra no espectro que existe entre Saturno, o castrado deus do tempo, e a ninfa lunar que mergulha nos mais profundos oceanos. De uma polaridade à outra, tanta dor, tanta incompreensão, corações tão esmigalhados pela angústia da vida. Esses dois pequenos deuses cotidianos habitam o mundo de forma diáfana, cada qual ao seu modo: ele, pantera solta a se esquivar em meio às trevas da floresta noturna; ela, tormenta que rasga os ares para desaguar como leve brisa de encontro à praia.
"Vejam só essa manhã tão cinza... A tempestade que chega é da cor dos seus olhos castanhos."
Observe só a imagem que ficou presa nas minhas retinas a partir desse registro poético, tão antigo, que me forneceu uma sensação antes mesmo de eu ter tempo de vivê-la: eu vi um céu castanho uma vez, há muitos anos. Lembro-me de esperar ansiosamente por uma tormenta que veio, sim, como se todo o céu estivesse desabando - a chuva vinha em todas as direções, lavava as ruas, os prédios, os rostos, os corpos, os olhos, as almas.
Dos saturninos olhos, fica a pupila-menina, tão redonda e brilhante e líquida, protegida por finas rugas de pálpebras acostumadas à insônia. Sua redoma tem a cor das folhas parcialmente ressequidas: ainda verdes, mas desbotadas da vivacidade de que dispõem quando em seu máximo esplendor. Já está no chão, um bocado esmigalhada, levada longe de sua árvore-mater por uma brisa silvestre. É a viva ruína da memória, que não nos permite esquecer a lei cíclica que rege toda a Natureza.
Essas delicadezas se protegem, comumente, em duras cascas, com poderosas pinças: seu poder de agarrar-se à vida tem toda a potência e a força das águas em que se navega, se desbrava, mas também se pode afogar em meio às tormentosas ondas. Sua fluida vida marinha resguarda-se em frios e estéreis aquários pelo medo de libertar-se - mergulhar é um perigo, por certo. Mas como resistir ao embalo de seu eterno balançar?
Neles mergulhados, nos encontramos com o núcleo da vida, princípio de aconchego, possibilidade de paz. Acautelar-se, no entanto, é mister: não se deve, jamais, prescindir do sopro da vida. Planarei, aérea, por sobre seus mistérios. Encontramo-nos breve mas significativamente, para que eu me lembre lembre lembre lembre, e os guarde no mais sagrado templo que há entre minha mente e meu coração.
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