sábado, 2 de janeiro de 2010

Lover, you should've come over.







O dia é de chuva fina, cinzenta, incessante. A janela embaçada, com gotas em cascata... Não me impediram de ver um vulto. Parado, fixo, cabelos despenteados... E a minha impressão de estar sendo observada. Sobressalto do coração, as mãos suam frio repentinamente...

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Pouco me importa a chuva que me enregela ossos e alma... E os carros indiferentes, e os olhares curiosos, e esta janela fechada, impiedosa, que não me deixa saber se meu olhar foi forte o suficiente para fazê-la entender que vim buscá-la, e que não voltarei para casa - a nossa casa - sem ela. Pouco me importa; inclusive o meu maldito orgulho. Ela saberá, ela sentirá que estou aqui.

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Um calafrio estranho me percorre a espinha dorsal, arrepia-me a nuca. Escapa-me uma lágrima inexplicável. Há algum tempo não choro... Não adianta chorar se todas as esperanças são vãs. O vulto estranhamente familiar me assusta e instiga, me oprime e me agita. Mas não pode ser ele. Ele jamais viria, ele não sabe amar.


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Sei que ela hesitará por longos momentos, minutos ou horas. Sei que talvez não haja perdão para o meu crime e a nossa culpa. Mas o pecado pode ser imenso - o amor há de sobrepujá-lo. E será que nela ainda há amor? Sei que demorei a entender... Mas agora que tudo se me tornou mais claro, não posso deixá-la escapar. Ainda que eu espere exaustivamente nesta esquina gelada... Farei-a voltar, e enfim poderei dizer tudo o que a minha imaturidade me bloqueava.

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Há um impulso qualquer que me arrasta involuntariamente os pés em direção à janela. É como se meu inconsciente estivesse a atender um chamado... Mas temo deixar-me levar. Ações e impulsos entram em conflito, fico paralisada - de medo. Medo de que certos sentimentos resolvam gritar pelo direito de serem levados em conta... A verdade é que não sei o que fazer. Um impasse, tão profundo e tão banal. Há alguma lógica nisso tudo?

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Percebo uma movimentação suave. Ela deve estar caminhando fatigada, buscando o cobertor, ou indo em direção à mesa do computador... Ou já percebeu a minha presença, e está suficientemente transtornada para não conseguir chegar à janela. Compreensível. Esperarei, afinal. Mesmo que a noite venha tornar ainda mais dramático esse chuvoso fim de tarde... Ainda que caia a madrugada, e mesmo que o sol brilhe ou que amanheça chovendo. Eu esperarei.

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Parece-me que a chuva reclama por entrar em minha casa - a sensação é que de mais alguém quer me invadir, além desse vulto que já me é desesperador. Não sei se a minha inquietação me permitirá ficar imóvel por muito mais tempo... A chuva quer entrar. Eu quero sentir a chuva e o mistério que ela guarda lá fora. Por que esperar mais? Para quê buscar lógica, para quê temer? Acho que não há mais nada, mesmo, que eu possa perder. E esses sentimentos revoltosos... Que despertem, afinal. Eles seriam mais fortes do que eu, hora ou outra. E que seja ele, afinal. Há algo que não findou entre nós, apesar de todos os absurdos que nos impediram de fazer com que os nossos sentimentos fossem plenos.

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Ela está vindo, ela finalmente abrirá essa maldita janela, concreta e surreal, que nos separa. Posso sentir seus passos, firmes e leves, cheios de uma coragem que eu sei que ela possui, apesar de negá-la. Já posso ver suas doces mãos empurrando a pesada e penosa janela... Já posso ver seu rosto sério e incrédulo, abalado e sereno, paradoxo que tanto a caracteriza. Os segundos se arrastam... Quero logo vê-la, e dizer tudo o que me oprime!

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- Então é você, mesmo.
- Quem mais seria?
- Eu realmente não esperava que você voltasse.
- Eu também não imaginei que faria isso.
- Por que fez, então?
- Não saberia explicar assim, objetivamente. Tal pergunta e a chuva, simultâneas, me atordoam. Você teria a piedade de me deixar subir?
- Suba. Mas, por favor, não espere que tudo tenha voltado ao normal.

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Passos aflitos conduzem o rapaz trêmulo - de frio, de emoção, de adrenalina. Sobe as escadas com cautela, com certo receio, e com uma vontade inabalável de beijar aqueles lábios macios que o esperam - mesmo que antes tenha que ouvir longas e dolorosas palavras, mesmo que verdades cruéis sejam, antes, trocadas.

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Gestos trêmulos deixam a moça confusa - pega a toalha, põe a água do chá para esquentar... Ser gentil com aquele que a desprezou? Só faz sentido para quem ainda guarda um certo amor em si. E por que esses tremores? Ela já se havia decidido, afinal. O que tiver que acontecer naquele fatídico fim de tarde chovoso será irrevogável. Deixem, enfim, que se esclareçam todos os erros que os trouxeram até este crucial momento de vida.

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- Entre, tome esta toalha, sente-se. Só um minuto, o chá está quase pronto.
- Não precisa se preocupar...
- Talvez não precisasse mesmo. Enfim, já volto.

Um longo minuto passa.

- Então, me diz por que voltou - ela diz, tentando parecer indiferente.
- Bom, vou tentar, mas não sei se poderia explicar tudo de maneira objetiva. O fato é que, apesar de todas as loucuras que cometi e de todos os nossos desentendimentos, apesar da certeza que ambos temos de que somos jovens demais para construir um amor estável, eu descobri que não há nada nesse mundo que substitua um sentimento que grita feroz e incessantemente em nosso peito. Sei que a machuquei, pois me foi necessário sair mundo afora e encontrar com mil pessoas para descobrir que, sem você, eu era completamente sozinho. E sei que fui infantil, por exigir que fôssemos tão iguais... Creio ter descoberto que podemos ser diferentes, porém compatíveis. Sei que fiz errado, mas não podemos nos cobrar sermos tão maduros...
- Entende que, até descobrir isso tudo, você me causou um sofrimento inimaginável?
- Entendo, mas só vim porque tinha uma leve certeza de que eu poderia ser perdoado pelo meu crime. Afinal, não errei sozinho.
- Posso ter sido inflexível ou egoísta em certas atitudes. Não deixei de ponderar isso no longo tempo em que você desapareceu. Mas causar sofrimento a quem tanto te quer bem não me parece explicável, de maneira alguma.

Uma pausa - para o remorso dele, para a mágoa dela.

- Essa conversa não te parece séria demais? - ele diz.
- Devíamos ser sérios para tratar de assuntos importantes. Não foi em nome de algo sério que você voltou? Não foi por se considerar imaturo que você soube que errou, e por isso está tentando consertar o erro?
- Me desculpe, mas acho que isso tudo não pode resolver o nosso problema.
- E o que pode resolver, então? - e ela pergunta com irritação.
- Fique comigo, de uma vez por todas. Eu vou te mostrar que posso me redimir dos meus erros, que podemos, juntos, fazer com que valha a pena.
- Não acha que pode dar errado, de novo? Eu já sofri o suficiente. Para mim basta.

E ela disse essa última sentença com a voz meio trêmula - medo de sucumbir. De aceitar aquela proposta irrecusável, pela qual esperou por tanto tempo... e acabar vivendo um novo inferno. Pôs as mãos no rosto, abaixou a cabeça... Não queria olhá-lo. Não queria olhar aqueles olhos verdes, tão profundos e abissais, que convidavam a um eterno mergulho... Não queria olhar aquela boca, de contornos suaves, que proferiam palavras que, apesar de não parecerem confiáveis, exprimiam tudo o que ela queria, tudo em que ela precisava acreditar...

Ele levantou-se da poltrona, ajoelhou-se ao pé dela, segurou-a sutilmente pelos pulsos, afastou-os daquele lindo rosto - que já possuía algumas lágrimas - e a encarou. Olhou-a profundamente, em uma tentativa de convencê-la de que suas palavras não eram vãs. Tentou beijá-la, mas ela afastou o rosto...

- Você não confia em mim?
- Estou tentando, querido. Mas você não entende o que o sofrimento pode fazer com um coração e uma mente.
- Dê-me apenas uma chance. Por favor. Eu te amo.

E aquelas palavras acabaram com todas as possibilidades de resistência. Ele tentou beijá-la de novo, e dessa vez ela não desviou... E ambos sentiram como se a vida se lhes houvesse sido devolvida. Levantaram-se, beijaram-se com o antigo ardor... Estavam trêmulos, de paixão, de amor, de esperança e de medo.

- Então devemos mesmo tentar, não é, querido?
- Sim. E sei que podemos, sei que vamos conseguir. Não há nada maior nem mais importante do que esse laço inexplicável que nos une.
- Por favor, não me deixe mais sofrer pela sua distância...
- Meu coração sempre esteve com você. Agora eu estarei todo com você, para sempre.
- Que assim seja, então. Eu te amo.

***

E não se sabe se foram felizes para sempre, mas no momento em que se reencontraram, sentiram que podiam, mesmo, alcançar juntos a eternidade. Conheceram o que havia de mais profundo para seus sentimentos, souberam o que é ter uma esperança que desse um conforto completo e aparentemente interminável... E este momento, de felicidade real, valeu-lhes por todo o restante de suas vidas.


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Descobri que o "sentimento" humano é temperado por mediocridades cotidianas. Nesse aspecto, meu singelo e despretensioso conto é totalmente insosso - trata-se de uma idealização minha, onde fatores prosaicos não têm muita importância. Tudo é milimetricamente fantasiado para ser o mais ideal e irreal possível. E essa é a sua graça e sua razão de ser concebido. De medíocre, já basta a vida real.
Perdoe-me o drama e o sentimentalismo. Há quem rirá de mim, mas talvez haja quem se identifique. Desde que comova ou traga alegria jocosa, estou satisfeita - qualquer reação negativa não me deve ser revelada. Não quero que os meus bons sonhos sejam motivo de escárnio ou repulsa. Então, por favor, se sentir que tal sensação te dominou ao fim de minhas palavras, não me conte. O que os olhos não leem, o coração não sente.
Mas se a reação é semelhante às que eu já citei dizendo que me satisfariam, por favor me diga. Será uma boa ajuda para que eu continue criando... Para então tentar aperfeiçoar a minha 'arte' incipiente. Isso há de me ser importante para que eu supere as mediocridades da vida.



Beijos.

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