sábado, 13 de fevereiro de 2010

As cores [parte 1];



Os dias andam estranhos.

“Estranho” é um adjetivo polissêmico, e isso a agradava e completava e confortava. Se definisse para si que os dias estavam estranhos, não precisaria de maiores explicações, e seus atos excêntricos estariam, pelo menos em seu âmago, automaticamente perdoados. Um dia estranho englobava o erro e o perdão. E, mesmo assim, afirmar a estranheza do dia não possuía, sempre, conotações positivas. Quando “estranho” fosse igual a “diferente”, havia a quebra da rotina, e com isso ela se alegrava, qualquer que fosse a “diferença”. Mas o caso era outro...

Talvez porque sentisse que tal estranheza era o prenúncio de algo ruim, que a faria agir de maneira falha; mas a sua falha não seria por ela castigada, sequer notada, porque a tragédia iminente concentraria todas as suas atenções e ações. “Os dias andam estranhos” queria dizer que “algo (ruim) está para acontecer”, e isso afetaria seu mundo particular, quebrando suas confortáveis certezas.

Mas sensações não eram fatos (ainda), e o dia bonito pedia que ela afastasse os pensamentos nebulosos. Em seu momento quase ritualístico, pintou as unhas de azul-céu, bem claro e limpo quanto o que se abria janela afora. Terminando de se arrumar, atravessou o portal de madeira e sentiu uma brisa leve e o cheiro de café. O dia estranho – mas não intimidador – havia começado.

[E as suas previsões trágicas a faziam sentir-se meio suicida, meio masoquista. Quanto mais forte a intuição da vinda de algo ruim, com maior vigor ela se lançava ao dia.]

As horas sucederam-se sem maior alarde. Conviveu com pessoas: serviu-as, doou e recebeu, trocou informações e gentilezas. Sorriu para os pais, divertiu-se com os irmãos, conversou com os avós. Mas amanhã é segunda-feira, e há muito a ser feito para que a semana comece sem problemas técnicos. Beijos, até logo.

Foi para o apartamento solitário. Fora da casa da família tudo parecia ainda mais estranho, começava a ser um pouco amedrontador – e ela gostava do motor do medo, este possuía estranha relação com a curiosidade. Mas já eram dez horas da noite, e em sua cabeça insana e sistemática nada trágico de dimensões pessoais poderia acontecer numa noite/madrugada de domingo. Não no domingo, quando toda preguiça era desculpada.

Preparou-se para dormir, e já quase adormecia quando o telefone tocou. Ela não esperava que suas convicções absurdas fossem quebradas, tão abruptamente, pela vida. E foi mais ou menos isso o que aconteceu.

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2 comentários:

  1. Cada dia mais poético,estranho ou não.
    Talvez seja rotineiro dizer o valor de suas palavras.
    A poesia prevalece!!
    Abraços, inspiração e metáforas!

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:)