sexta-feira, 23 de maio de 2008

Lovers;


O carro está em movimento, quase flutuando pelas ruas. Ele dirige tranqüilo, com um ar vitorioso; ela, ao seu lado, tenta relaxar, distrair-se. Ela tinha certeza: não deveria estar ali. Mas há um certo preço que se paga por querer realizar certos sonhos insanos. Contradição; paga para ver, então.

Chegam, enfim, à casa majestosa. Ele desce do carro, dá a volta e abre a porta para ela. Ele ri, gracejando, com uma expressão divertida. Ela, meio arredia, movimenta-se devagar, receosa. Enquanto ele fecha o carro, ela anda na frente, em direção à entrada da casa. Espera que ele chegue logo para abrir a porta - quer que isso tudo tenha um desfecho rápido, para não ter tempo de se arrepender. Mas isso ainda há de acontecer.

Ele vai ao seu encontro. Abraça-a e a aperta contra a parede. "Hoje você é minha"- ele diz, e ri como se tudo fosse uma pequena brincadeira; ela o empurra delicadamente, franzindo o cenho, e o manda abrir logo a casa. Os dois entram.

O hall de entrada é magnificamente grande, com uma meia-luz um tanto quanto assustadora. Tapetes longos e escuros aquecem o ambiente; uma poltrona confortável se situa próxima a uma lareira e a uma estante de livros - vários deles.
Uma mesa comprida, cheia de livros e papéis, repousa em um canto mais escuro da sala; tudo é grande e ameaçador. O sentimento de "eu não deveria estar aqui" é crescente.

Ele se aproxima dela, e começa a beijá-la de leve, na nuca. Ela se arrepia completamente, mas mantém-se firme; afasta-se, e senta na poltrona, iluminada pela luz crepitante da lareira - sombras bailantes são projetadas na parede, como se fantasmas a observassem. Um temor começa a dominá-la, mas todas as emoções estão deveras confusas em sua mente.
Ela não sabe exatamente o que quer, mas quer ver o que acontecerá.

Ele a espreita com um olhar sereno, porém determinado. Movimenta-se com calma, mas não a deixará escapar facilmente, caso ela cogite arrepender-se; eles estavam lá, afinal. Ambos queriam um ao outro - de maneiras distintas, mas era inegável a atração que os unia. Essa noite era desejada há alguns anos, não havia possibilidade de retorno.
Agora, não mais.

Há muito se conheciam, e eram visivelmente diferentes. Desde os mais remotos tempos, sonhavam-se com os ardores de uma paixão fulminante e impossível de se concretizar, mesmo que momentaneamente. Seus caminhos foram separados devido às suas diferentes visões e conceitos de vida, e mesmo assim jamais se esqueceram. O último encontro foi um fatídico fracasso; depois da desilusão, ambos começaram a construir vidas opostas. Hoje, reencontram-se e estão livres.
Nenhum dos dois sabe o que há de acontecer.

Ele caminha lentamente até a poltrona. Ela vê a sombra dele se aproximando - vira-se, e vê seu rosto ardente, sequioso de uma resposta para o seu desejo, mas contraditoriamente plácido, representando impressões confusas. Ela não queria apenas um desejo, ela tinha sede de amor. Isso era o que os separaria eternamente.

Ela o vê abaixar-se, e situar-se à sua frente, repousando os fortes braços em suas delicadas pernas. Ele a envolve pela cintura e a beija; ela deixa-se levar por ele.
Levantam; ele a pega nos braços, a levanta e carrega, subindo as largas escadas. A escuridão dos corredores engole algumas indecisões.

Dentro do quarto, eles param. Ele a deita, suavemente, na macia cama, e acende algumas velas. Ela treme, e enrola-se nos cobertores - cobre a cabeça. "Não quero nem ver. O que é que eu estou fazendo aqui? Eu não sei se quero essa mácula em minha vida." Mas seu corpo não responde à sua mente. Seus pés já despiram os sapatos, e o casaco já ficara na poltrona do andar abaixo.

Ele a vê, e deixa escapar algumas risadelas, ironizando a inocência daquela criatura. Tira a camisa, e anda até a cama; descobre-a, e sorri alegremente para ela. Ela o olha, meio horrorizada, meio encantada. Inesperadamente, levanta-se e corre. Corre em direção à porta do quarto, desce as escadas, corre pela sala, pelo hall e pára diante da porta de saída. Algumas lágrimas inundam seus olhos. Ela ajoelha-se no chão, e permanece paralisada.

Ele vem em sua direção, levemente confuso - no entanto, já esperava por tal reação. Ela era romântica e sonhadora, de modo que não saberia lidar com situações mais concretas. Pacientemente, ele a toca nos ombros; ela levanta. Ele a abraça.

"Acalme-se, querida, vai ficar tudo bem. Confie em mim."
Ela o olha nos olhos e desperta suas frustrações:
"Eu não confio em você! Eu quero ir embora, para sempre! Não quero tentar mais nada, isso nunca daria certo, nós nunca poderemos dar certo! Eu quero ir embora, de vez! Deixe-me ir agora!"
Dá as costas a ele e bate insistentemente na porta que, trancada, sela seu destino. Ela vê que não há retorno. Talvez não queira mesmo retornar, mas ainda não consegue assimilar bem os fatos. Um desespero toma conta de sua mente.

Ele a abraça mais uma vez, e a beija carinhosamente. Apóia a cabeça em seus ombros, e diz sutilmente nos seus ouvidos:
"Você tem certeza de que quer ir embora? Olhe nos meus olhos, e me faça acreditar que não me quer. Sei que você me deseja tanto quanto eu te desejo - diga-me e prove-me que estou mentindo, e nunca mais nos veremos."
Suas lágrimas denunciam toda a sua mágoa:
"Eu não te desejo apenas, querido. Eu simplesmente te amo, e amarei eternamente - e sei o quanto isso é impossível, dado que não é recíproco. Não quero sofrer pelos seus impulsos, e não sei se quero me ferir com uma experiência que será a única e derradeira esperança de minha vida."
Entristecido, ele desvia o olhar:
"Perdoe-me se nunca soube amar. Creio que não possa jamais fazer isso, mas permita-me dar o que me é possível."
Silêncio. As lágrimas cessam. Segundos longos se passaram, e a hesitação pulsa no ar.

"Não me vou embora mais. Sei que vou arrepender-me durante todo o curso dos anos de minha vida amaldiçoada - entorpeça minha mente, pois. Iluda-me, faça-me acreditar que isso tudo é real. Eu me entrego a você, agora, de bom grado - essa será a redenção de minha mente e do meu corpo, há tanto tão reprimidos."

Ela fechou os olhos, e ele a tomou nos braços, mais uma vez. Mas não subiram as escadas; deitaram-se próximos à lareira, aquecidos pela luz do fogo. As almofadas jogadas pelo chão os confortaram; ela permaneceu de olhos fechados durante toda a noite. Beijos ardentes, carícias e uma diversa gama de sentimentos derramaram-se sobre eles; como se estivessem unidos em um só corpo, por uma eternidade momentânea. Ele descobriu que a amava, e não queria aceitar; ela findou, naquele momento, toda esperança de amor. Inevitavelmente desencontrados, seus corpos se uniram apenas naquele instante; suas almas vagavam por outras dimensões, castigadas pelo destino - jamais poderiam se integrar. Os deuses condenavam o pecado que pulsava, latente, naquelas criaturas. Amantes insanos que não se permitiram amar uma vez, e que não poderiam mais se amar - inexorável sentença. Jamais se saberá o porquê de tal crueldade divina.

6 comentários:

  1. Querida,que maravilha esse seu texto.Desejos reprimidos,que 'tensão',hsfauhfsauhsahuf ;)


    (L)você é muito importante pra mim,baby.

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  2. Teu conto marejou-me os olhos... Que desfecho fantástico!
    Isto não é uma 'cantada': quero apaixonar-me por alguém como tu.

    Beijos de teu dad.
    Te amo.

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  3. Olá, my dear. Sinto saudades...
    Por onde será que andas?... *ponto de interrogação enorme sobre minha cabeça*

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  4. quer a verdde? ok.
    ainda não li nenhum texto daqui XD' mas sabe, a onda de blog parece estar voltando *-*'
    UHAUA. subrinha, imagino ter descoberto já quem sou a esta altura XDD'~

    saudades muitas - tantas. ><'
    te amo. (L)

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  5. Sobre o texto, não fosse a frase final, eu ia te perguntar pq! ehauheuaheuaue...
    Agora, há um segundo comentário, mas esse por msn ;)

    Te amo May!

    ;***

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:)